Quando em 2001 estreou a primeira temporada de Six Feet Under não havia nada que a ela se assemelhasse no panorama televisivo. E quando a família Fisher se despediu há três anos, o legado que deixou ficar é igualmente raro. Ainda é muito cedo para traçar paralelismos com a nova série de Alan Ball, principalmente por serem objectos tão radicalmente diferentes que é quase impossível reconhecer uma origem comum. Mas também se pode fazer uma incontestável afirmação acerca de True Blood: nunca se viu nada assim em televisão.
Não por ser dramaticamente revolucionária e complexa como a anterior criação de Ball. Talvez por invocar elementos quase opostos. True Blood é puro pulp fiction, entretenimento exacerbado com uma história inconcebível, inspirada numa série de livros de Charlaine Harris que tem como heroína Sookie Stackhouse, uma empregada de restaurante que tem a peculiar capacidade de ler os pensamentos de todos os que a rodeiam. Ou melhor, quase todos. Numa noite quente nesta pequena vila do Louisiana, um vampiro entra no estabelecimento onde trabalha e, simultaneamente amedrontada e lasciva, percebe que não o consegue sondar. Se calhar deveria ter feito claro desde o início da exposição da premissa que esta história se passa num mundo paralelo muito semelhante ao nosso, com a diferença de agora os vampiros viverem entre os humanos depois de séculos de reclusão. Advento feito possível pela invenção de um novo sangue sintético que lhes permite ter toda a nutrição necessária sem o incómodo da exsanguinação mortal de humanos.
É neste distorcido universo que as personagens de True Blood moram. E elas são tão complexas na sua simplicidade quanto autênticas na forma como vivem. A linha narrativa principal segue os descobrimentos amorosos de Sookie e de Bill, o seu cortês e misterioso amigo. Nele a quase puritana e virginal Sookie, interpretada soberbamente pela prodigiosa Anna Paquin, encontra pela primeira vez um escape para a sua habilidade nata, uma atracção à qual ela resiste com toda a força da sua moral. Existe um tradicionalismo melodramático na forma como é construída esta relação e na forma quase conservadora como o romance evolui. Talvez porque os vampiros se tenham tornando em objectos de desejo sexual por parte dos comuns mortais e ela luta contra cair nesse estereótipo e em todos os perigos a ele associados.
Também existem Jason, irmão de Sookie e o seu completo oposto a nível de ética sexual, Tara, a sua atiçada melhor amiga, e uma série de interessantes personagens secundárias que injectam vida e sangue nas desventuras desta peculiar vila sulista. E é nestas soturnas e misteriosas ambiências do Sul que assenta toda a magnifica identidade visual da série. O calor incessante e sufocante dos dias (plácidos) e das noites (sórdidas), os blues sujos e pervertidos, a moralidade religiosa distorcida e os cenários pantanosos são idílicos no onirismo conjurado. Mais um lado da exploração de Allan Ball da luz e das trevas, da vida na morte. Apesar de ainda só quatro de doze episódios terem sido transmitidos, True Blood é inequivocamente a nova série a seguir esta temporada.