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5.1.07

the brightest lights in the darkest night

«Babel», a mais recente obra-prima de Alejandro González Iñárritu, regressa à estrutura de filme mosaico que o realizador já tinha explorado, mas que está agora mais apurada que nunca. Narrando quatro histórias que se ligam - directa ou indirectamente - entre si, têm todas algo em comum, muito mais importante que o seu ponto concreto de ligação: as consequências da incomunicabilidade (causada pelos mais diversos factores) nos dias de hoje, quando, curiosamente, os meios de comunicação estão cada vez mais desenvolvidos. Ou seja, a raíz do problema afirma-se como algo que não é exterior ao ser humano, mas completamente interior. Por outras palavras, é como se os meios de comunicação, que nos permitem estar cada vez mais próximos, nos tornassem cada vez mais afastados na capacidade de compreender o outro, seja numa frase ou palavra proferida, seja no mais sincero dos sorrisos ou na mais desencantada das lágrimas, ou até no mais profundo momento de silêncio. Ou ainda: como se esse facilitismo que nos é concedido pela tecnologia nos estivesse, gradualmente, a retirar a humanidade.

Em Marrocos, dois jovens têm uma arma que usam para proteger as suas cabras de outros animais. Para testarem a capacidade da arma, disparam contra um autocarro que passa ao longe, na estrada. Aparentemente, para desilusão de ambos, nada aconteceu, pois o autocarro continua calmamente a seguir o mesmo trajecto. (Parece que, afinal, a arma não é assim tão boa.) Prestes a abandonarem o local, reparam, de repente, que algo mudou: o autocarro parou no meio da estrada. Os dois rapazes fogem a correr do local: curiosamente, a desilusão havia dado lugar a algo muito mais perturbante, como consequência de uma atitude irreflectida; ou, melhor, da incapacidade de antecipação das várias consequências possíveis caso a bala atingisse realmente o autocarro. Mas porquê fugirem quando viram o autocarro a parar? Ter-se-ão, agora, apercebido do que o aquela bala poderá ter feito? Ou, por outro lado, tratar-se-á de um instinto anterior à reflexão; ou seja, terá sido simplesmente uma reacção imediata de arrependimento, tomando consciência de que cometeram uma atitude errada, mas não ainda do que esta poderia provocar?

O arrependimento é, de uma forma geral, um tema fundamental em «Babel». Tomando atitudes e decisões precipitadas e irreflectidas, as personagens parecem desesperadas em ser ouvidas, tentando atenuar as consequências desses actos. Porém, nem o mais sincero e desesperado grito de socorro parece chegar a um destinatário que o compreenda, ou, no limite, que sinta compaixão por ele e esteja pronto a ajudar. Veja-se o exemplo da empregada mexicana que tem que tomar uma decisão: obedecer às ordens do patrão e tomar conta dos seus filhos sem sair dos EUA, ou deslocar-se ao México para ir ao casamento do filho. O amor pelo filho foi mais forte, mas, chegada a altura de reconhecer que um erro foi cometido, o arrependimento e a preferência por salvar as crianças mais que a sua própria vida, parecia não chegar. Porém, é certo: numa situação extrema como essa, no meio do desespero, foram as relações afectivas, e não o egoísmo ou o individualismo, que salvaram a situação.

Repare-se, ainda, nas personagens de Brad Pitt (Richard) e Cate Blanchett (Susan), arrependidos por terem deixado para trás os filhos, para embarcarem numa viagem perigosa como aquela em que se encontram. Quando confrontados com uma situação limite que se dá quando a bala atinge Susan (haverá situação mais limite do que a ameaça da morte?), a possibilidade de dois filhos perderem a mãe deixa de ser um medo para se tornar uma realidade. Desesperado, Richard recorre a todos os meios de que se lembra para que a mulher seja transportada até ao hospital mais próximo. Mas os seus gritos de desespero parecem ecoar no infinito, não alcançando ninguém. Não deixa de ser curioso: enquanto que a sua empregada pediu socorro no meio do deserto; Brad Pitt faz o mesmo, também no deserto, mas comunicando com uma muldidão (tanto com os passageiros do autocarro e como por telefone). No entanto, ambos parecem ter o mesmo auxílio; num lugar ou noutro, a solidão parece ser a mesma.

No limite, na mais extrema das situações, quando já não é a esperança, mas o desespero, que fazem continuar a lutar, o ser humano parece, finalmente, encontrar um certo conforto numa relação que estabelece com outro ser humano: escrever os sentimentos
mais íntimos a alguém que sabemos que os compreenderá, ainda que nada possa fazer a seu respeito; ouvir a voz de um filho, mesmo que se encontre a milhares de quilómetros de distância; ou fazer um sacrifício para se salvar um irmão. Atente-se especialmente neste último ponto: ao consciencializar-se da probabilidade da morte, depois de várias discussões com o irmão sobre de quem seria a culpa, o rapaz marroquino sente uma necessidade instintiva de salvar o irmão, como se necessitasse desse arrependimento e da força dessa relação para definir a sua humanidade. Ou como se apenas nas situações mais radicais nos lembrássemos do que somos e do que realmente nos une. É dessa necessidade que as personagens de «Babel» se parecem esquecer, mas que procuram desesperadamente encontrar quando já não resta mais esperança: a sua luz mais brilhante na noite mais escura, como Iñárritu dedica o filme aos filhos. É aí que todos estamos ligados: no sofrimento e na procura de algo que o atenue.

Vale a pena referir ainda a já mencionada cena em que o personagem de Brad Pitt telefona, de Marrocos, ao filho, pois não se trata apenas de um momento de interpretação arrebatador, mas sobretudo de um genial pormenor de montagem. Richard telefona ao filho, depois de ele e a mulher estarem a salvo. Durante alguns momentos de desespero, chegou a pensar que dois filhos ficariam sem mãe, ou mesmo sem pais. Mas agora tudo está bem, e por isso Richard chora nessa cena ao ouvir a voz do filho, arrependido pelo que fez, mas aliviado pela forma como acabou. Mas terá acabado? É aí que reside toda a complexidade da cena: os personagens pensam que sim; o espectador sabe que haverá mais sofrimento pela frente, e que este continuará a ameaçar a separação da família, sendo a causa novamente a ausência dos pais. É, sem dúvida, dos planos mais cruéis do ano: o espectador ver lágrimas de alívio nos olhos de um ser humano, mas que só são de alívio porque este desconhece o sofrimento pelo qual os filhos irão em seguida passar. E, através desse plano, não podemos deixar de sentir que o sofrimento é algo contínuo e inevitável, como um rio que corre infinitamente, sem nunca desaguar no mar. Poder-se-á mesmo dizer que «Babel» não acaba; que é, também ele, um filme sem fim, sugerindo sempre que o sofrimento continuará a assombrar as vidas das personagens, e que cada uma deverá encontrar uma forma de lidar com esse sofrimento. Que forma? A proposta de Iñárritu é, mais uma vez (porque as narrativas estão intimamente ligadas), a força das relações humanas. O amor (em toda a complexidade que a palavra pode apresentar) como algo que se sobrepõe a todo esse sofrimento. No limite, será esse o nosso conforto; a nossa esperança.

A história da rapariga japonesa é aquela que, a meu ver, mais se demarca, na medida em que a personagem é, de certa forma, o oposto das restantes. Sendo surda e muda, é aquela que, ao mesmo tempo, sente mais a falta de ouvir e, sobretudo, de ser ouvida. E sente, em particular, falta das relações afectivas que parecem passar-nos cada vez mais ao lado, procurando alguém que a possa ouvir e aos seus sentimentos, já de uma forma absolutamente desesperada e irracional. Mas porque não a ouvem? Será por não conseguir falar? Ou, por outro lado, serão os outros que já não conseguem ouvir? Ouvir (no sentido de compreender) não as palavras, mas especialmente os silêncios - os estados de alma, as perturbações interiores...

Além disso, diria ainda que a morte aparece-nos aqui com uma abordagem diferente. Ou seja, trata-se acima de tudo de algo que parte do interior: primeiro, porque sabemos que Chieko já teve que lidar com a morte, quando a mãe se suicidou; segundo, a possibilidade de Chieko seguir os mesmos passos é, naturalmente, uma opção dela, contrariamente às outras narrativas, em que a morte (ou possibilidade de) surge como uma ameaça exterior. Quando, no final, a câmara de Iñárritu entra na varanda, naquela que parece ser a noite mais desencantada do mundo, não podemos deixar de considerar a hipótese de suicídio, como na história que contara ao polícia. Mas, quando verificamos que Chieko está lá, na varanda, nua, contemplando a noite de Tokyo, perdida na imensidão dos seus sentimentos, não temos motivos para sorrir. Pelo contrário: o olhar da jovem parece agora, distorcido pelas lágrimas, mais desencantado que nunca, como se a vida a tivesse, de facto, abandonado. Não é um olhar frustrado ou de raiva, como tinhamos visto anteriormente, mas não é também um olhar feliz: é um olhar sem vontade de continuar a lutar, que só consegue encontrar conforto na esperança de conseguir vir um dia, não a ultrapassar, mas a lidar com esse sofrimento; aceitá-lo e suportá-lo, como se este fosse - e não é...? (para ela e para todos nós) - parte inseparável da vida.

Haverá mais triste conforto ou mais desencantada esperança?

17.12.06

5 grandes filmes sobre...

... a Incomunicabilidade

Babel (2006), de Alejandro González Iñárritu

The Sixth Sense (1999), de M. Night Shyamalan

Le Mépris (1963), de Jean-Luc Godard

Tystnaden (1963), de Ingmar Bergman

L'Eclisse (1962), de Michelangelo Antonioni

4.12.06

A montagem é uma opção moral



Algures na aridez de Marrocos, ela leva um tiro e desespera um pequeno grupo de turistas, durante uma viagem de autocarro. De onde veio esse tiro? A lógica física obriga-nos a uma resposta simples (vendo o filme, sabemos quem dá o tiro), mas a lógica cinematográfica que Iñárritu propõe parece-me mais interessante. Isto é: percebermos que qualquer acto que tomemos terá consequências no mundo. E sabermos de onde veio o tiro não será tanto uma questão física, quanto cinematográfica ou até mesmo moral. A resposta estaria numa das outras histórias narradas neste magnífico Babel. O filme, tal como Iñárritu o constrói, está agora mais próximo de uma lógica de filme-mosaico do que o primeiro Amor Cão (mais fragmentado e difuso), totalizando um todo que é bem superior à soma das suas partes.
As personagens parecem estar perdidas numa tragédia errante sem reversibilidade aparente (a menina japonesa com o olhar revoltado, destinada a ouvir o silêncio ensurdecedor de um mundo que lhe fôra vedado, ou mesmo uma senhora mexicana com problemas em estabelecer uma identidade geográfica no país onde vive há 15 anos). A incapacidade dela em ouvir não será uma mera casualidade (Iñárritu merece-nos mais respeito intelectual do que isso), mas sim uma poderosa metáfora sobre a incapacidade de comunicarmos e estabelecermos o nosso lugar no mundo. Filme político? Claro que sim, mas faz questão de o ser de forma absolutamente lateral (o único vestígio de evidências políticas aparece-nos quando os media anunciam o incidente de Marrocos como um atentado terrorista – curiosa exaltação da verdade).
A verdadeira mensagem política surge-nos de forma quase purista (porque desarmadilhada de artifícios ideológicos), devolvendo o centro do mundo às suas pessoas. De facto, ela ouve tanto como nós. Não me entendam mal, não pretendo ter um discurso pessimista sobre as relações humanas, mas interessa-me, porventura, reflectir sobre a ideia de não sermos nós que não ouvimos, mas sim o mundo que nada tem para nos dizer. E ela, a menina japonesa, quer sentir o direito a ser amada como qualquer um, mas ninguém a parece ouvir (estarão tão surdos como ela?). Olhando para a verdade global destas histórias, apercebo-me que raras vezes o mundo esteve tão bem representado no cinema e, também por escassas oportunidades foi uma montagem de imagens usada de forma tão dramática. Em última instância, a escolha do plano seguinte afirma-se mesmo como uma opção moral. Qual? A de construir um sentido.

3.12.06

Como nos relacionamos com o(s) outro(s)?


Babel é um filme sobre a incomunicabilidade, seja pela incapacidade física de falar, por se falarem línguas diferentes, ou simplesmente porque as diferenças raciais, políticas, sociais, ideológicas, não permitem que seja possível compreender e respeitar o outro.

Babel é, portanto, um filme sobre a forma como nos relacionamos com outras pessoas, e as consequências que resultam da incapacidade de ultrapassar as diferenças que nos separam. Iñárritu explora, pois, as fragilidades e limitações do ser humano, mas também a força das ligações afectivas, que estabelecemos com um pai, um filho, um irmão, um amigo, ou com a pessoa que amamos. Ou ainda: como necessitamos dessas relações e, através delas, reconhecemos (e recuperamos?) a nossa humanidade.

Babel
é, enfim, um filme dolorosamente actual, humano e real, vivido num turbilhão de emoções constante, entre o sofrimento e o desespero (e a esperança?). Uma das experiências mais arrebatadoras que se pode ter numa sala de cinema, e um dos filmes máximos do presente ano cinematográfico.

2.12.06

Babel, de Alejandro González Iñárritu


Quando gestos de liberdade absoluta pairam sobre a prisão total da incomunicabilidade.

Ou como as luzes e as sombras de «Babel» nos deixam quase sem respiração. O último grande filme de 2006!