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19.7.07

E Deus criou a Mulher...


A adoração de Tarantino pelo Feminino é algo já muito conhecido e parte integral da sua filmografia. Uma Thurman e Pam Grier encarnaram exactamente isso em Kill Bill e Jackie Brown. Mas Death Proof é diferente de tudo o que o realizador fez até então neste e em muitos outros domínios. A mulher é aqui vista enquanto entidade colectiva e é de facto impressionante a veracidade crua da interacção entre os vários corpos e vozes femininas, que desta forma se vão tornando em mulheres e personagens de corpo inteiro, lançando o seu irreversível feitiço sobre a câmara.

Quem desconhecesse o assunto em questão diria que se trata de um filme completamente diferente do que realmente é. A realidade é que Death Proof foi inicialmente concebido como uma homenagem ao cinema underground dos anos 70, glorificado nas salas de cinemas Grindhouse, título da double-feature convocada por Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, em que os dois filmes, Planet Horror e Death Proof, foram exibidos numa só sessão com o requinte da feitura de trailers falsos alusivos ao tributo. Devido ao flop nas bilheteiras americanas este evento foi dividido nas suas versões completas para distribuição internacional.


E se a deturpação do intuito original dos realizadores parece tê-lo derrotado, o tributo permanece. Tarantino, agora também director de fotografia, invoca a ambiência da exploitation e do B-movie, típica dos anos 70 e pautada por temas que parecem ganhar o estatuto de clássico logo após o visionamento, mas simultaneamente torna-o intemporal. Até porque se a acção do filme é toda ela passada no presente, tal parece ser contrariado na segmentação narrativa e aparentemente temporal das duas porções de história, unidas pela presença ameaçadora de Kurt Russell num papel que o actor junta a um rol de personagens iconográficos como Snake Plissken e Jack Burton. Stuntman Mike é um fetichista da velocidade e do perigo da estrada, transportando o libido distorcido e doentio para acções brutais contra o sexo oposto, nas quais parece obter gratificação ilimitada. A cruel visceralidade das acrobáticas cenas de estrada, magnificamente compostas por um realismo exacerbado, contrastam com o encanto pelo Feminino que parece querer mover toda a acção. As mulheres, especialmente Vanessa Ferlito/Butterfly e Sydney Tamiia Poitier/Jungle Julia, parecem por breves momentos de mágica sedução não ter lugar no mundo real.

Death Proof não só é um filme que só poderia surgir agora na carreira de Tarantino, como que um espontâneo desvio cuidadosamente planeado e encenado com cenas de instantânea antologia, é também uma obra que só poderia surgir agora. Na sua forma autónoma de realização, assume um carácter de emancipação e de liberdade cinematográfica que parece revelar-se quase ocultamente enquanto um objecto de puro mas controlado delírio criativo, sem prisões narrativas e movido apenas pela veneração da imagem não só como o condutor mas enquanto o próprio meio. Será que na ilusória retrospectiva do passado se adivinha um novo futuro?

17.7.07


Esperava-se muito de Death Proof,mais não fosse pelo nome e currículo do seu realizador. Tarantino, o mais original dos “novos” cineastas americanos, sempre soube conjugar o legado dos mais diversos géneros underground e enriquecê-los com uma vida própria, de tal forma que no meio da profusão de citações era sempre possível identificar em qualquer personagem ou situação por ele criada uma marca singular.

Do célebre diálogo sobre o significado da canção Like a Virgin de Madonna (Reservoir Dogs) à sublime sequência da morte de Bill (Kill Bill), passando por uma das mais adultas e comoventes história de amor que já se contou (Jackie Brown), Tarantino foi sempre o cineasta da reinvenção, da explosão de criatividade e nunca o mimo recreador de tardes passadas em frente de um televisor de clube de vídeo que muitos injustamente o acusaram de ser.

Infelizmente, Death Proof parece querer provar o ponto dos críticos militantes de Tarantino. De facto, estamos perante pouco mais que uma colagem de citações, errática e cansativa na sua vacuidade, onde os maneirismos visuais onanistas sobrepostos a diálogos gratuitos tomam o lugar das personagens. Na ausência do mais tímido esboço credível de narrativa, salvam-se por comparação o divertido “boneco” de Kurt Russell e uma eficaz sequência de perseguição final, deixando no entanto a obra muito longe da redenção.

No meio de todo o espalhafato e esbracejar, Death Proof é um nado morto, tomado por uma preguiça e diletância generalizada. Aguarda-se pois um urgente regresso de Tarantino com uma retumbante prova de vida cinéfila.