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5.2.07

Little Film


Num momento em que um filme medíocre como «Little Children», de Todd Field, é encarado como um grande ensaio sobre a vida suburbana, importa olhar para os últimos 10 ou 15 anos do cinema americano e verificar que existem obras muito mais impressivas sobre esta temática.

Interessa-me, neste contexto, relembrar aqui um pequeno filme esquecido (ou pura e simplesmente desconhecido), que teve uma presença muito discreta nas salas portuguesas em 2004, mas que, a meu ver, é um belíssimo melodrama sobre as relações matrimoniais. Falo de «We Don’t Live Here Anymore», de John Curran. Neste filme de verdadeiros desencontros (o título português é, aliás, «Desencontros»), somos desde logo confrontados com a seguinte teia narrativa: Jack (Mark Ruffalo) é casado com Terry (Laura Dern), mas vive (e consuma) a paixão que sente por Edith (Naomi Watts), a mulher do seu melhor amigo, Hank (Peter Krause).

Existem, portanto, dois casais amigos, com filhos e vida construída, que são assombrados pelo adultério. O paradoxal de tudo isto é que o adultério é, em si mesmo, o verdadeiro factor que faz subsistir os dois casamentos. Nesse sentido, o que o filme procura, numa hipótese radical, é a justificação e a legitimação do adultério. Ou seja, o que está aqui em causa é a construção de uma verdadeira moral na traição.

Basta atentar nesta premissa, construída sem artifícios ou manipulações baratas a partir das convulsões internas das personagens, para destruir por completo qualquer veia aparentemente ousada de «Little Children». A radicalidade de «We Don’t Live Here Anymore» nasce de onde nascem as vertigens dramáticas dos grandes melodramas: da fricção entre personagens (individualmente consideradas ou em confronto com o tecido social envolvente), e não de um qualquer dispositivo pré-fabricado e artificialmente manipulado, como sucede em «Little Children».

As personagens do filme de Todd Field, que praticamente não existem por si, são meras marionetas manipuladas à luz dos tempos dramáticos pré-fabricados no argumento. Nem sequer há o cuidado de esconder os cordelinhos que comandam essas pobres marionetas: eles estão à vista de quem os quiser ver. E mesmo a aparente radicalidade que poderia habitar no sugestivo título original do filme – «Little Children» – acaba por se ficar apenas pela sugestão. Compare-se isto com a radicalidade consumada do título do filme de John Curran, onde as personagens se encontram e desencontram em relações humanas já falidas, vivendo formalmente uma relação presente mas em que a verdadeira substância já se evaporou. As personagens vivem lá, mas exclamam para si próprias: «we don’t live here anymore»!

1.2.07

Apontamentos sobre Little Children

1. É uma reacção ainda "a quente", pois vi o filme ontem em ante-estreia e trata-se de uma obra que requer ser pensada e revista, daí que a classificação que coloco na tabela de estrelas seja, de certa forma, provisória.

2. Depois de várias desilusões do início de 2007 (sendo as maiores
Flags of Our Fathers e The Fountain), eis que aparece Little Children, de Todd Field (o realizador desse grande filme que é In the Bedroom), que se assume desde já como um dos filmes fundamentais do ano cinematográfico.

3. Não sendo (pelo menos não o considerei neste primeiro visionamento) um filme de perfeito equilíbrio narrativo, é, de uma forma geral, superior ao anterior filme de Todd Field. O realizador mantém a mesma contenção emocional de
In the Bedroom, tecnicamente ainda mais apurado, e temática e narrativamente mais ambicioso. Como resultado, temos um filme ainda mais fascinante e perturbante.

4. Há, de facto, algo de incrivelmente perturbante em
Little Children: apercebermo-nos cada vez mais da impossibilidade das personagens concretizarem os seus sonhos, o que é tanto mais perturbante quanto menos elas se apercebem. Estarmos conscientes da irreversibilidade do tempo, enquanto as personagens, envolvidas pela emoção, não o parecem estar.

5. Kate Winslet é magnífica e tem a sua melhor interpretação até à data. É, de longe, a melhor das nomeadas ao Óscar.