25.12.09

Melhores de 2009 - Miguel Galrinho


Aqui fica uma lista dos meus filmes preferidos de 2009.

Vale a pena referir que os três primeiros lugares, noutro dia e com outra disposição, poderiam trocar de ordem entre si.

1. Gran Torino, de Clint Eastwood
2. Two Lovers, de James Gray
3. Changeling, de Clint Eastwood
4. The Wrestler, de Darren Aronofsky
5. Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino
6. Redbelt, de David Mamet
7. Still Walking, de Hirokazu Koreeda
8. Up, de Pete Docter
9. The Curious Case of Benjamin Button, de David Fincher
10. Valkyrie, de Bryan Singer

6.9.09

Grandes Trilogias (II)



A frieza, o distanciamento e a solidão de Blue, o humor negro e o surreal argumento de White e o sentimentalismo, a emoção e o poder das relações humanas de Red fazem com que esta seja uma das melhores trilogias da História do Cinema. Krzysztof Kiesloweski é um génio (não esquecer também Dekalog e The Double Life of Veronique).

16.5.09

Heresia!


Parabéns a Ron Howard e à equipa técnica de Angels & Demons por terem conseguido transformar o bom entretenimento que Dan Brown escrevera, por mais descabido e over-the-top que fosse o registo adoptado pelo autor, no mais gritante monumento de inverosimilhança e espalhafato dos últimos tempos.

A câmara agonia de tantas voltas que dá, não adopta um ponto de vista mas antes uma dezena deles, o argumento desperdiça todas as boas ideias oferecidas de bandeja pelo romance, alterando-o largamente e convertendo grande parte da intriga num jogo de unir os pontos desprovido de quaisquer significados. Tudo é previsível, requentado e, acima de tudo, há uma noção totalmente errada do ritmo a adoptar, dando um efeito de aleatoriedade à trama que culmina no final ultra-climático que resulta dos mais anedóticos de que há memória.

As queixas de que The Da Vinci Code era maçador e demasiado explicativo foram tidas em conta, sem meio termo: aqui os diálogos do tipo palestra histórica são reduzidos ao mínimo, com algum humor à mistura, e tornam-se tão vazios que quase não se sente a ameaça dos Illuminatti, ponto fulcral de todo o empreendimento...
É, sem dúvida, uma das piores adaptações cinematográficas de um romance, ao confundir simplificação com esvaziamento de conteúdo, para mais sendo servida por uma encenação sem qualquer ideia definida.

No lado "positivo", Tom Hanks regressa mais convincente como Robert Langdon, mas o argumento do filme transforma-o num peão completamente descartável e maltratado no desfecho, quando até havia potencial para uma exploração, simplista que fosse, da sua busca pela Fé. O par protagonista, que no livro ganhava química através das peripécias mirabolantes que sofria, aqui não a tem porque é abruptamente separado a meio do filme. Aliás, interacção é algo que não existe entre as personagens do filme, que derivam ao sabor da incompetência do argumento.

E depois há aquele irrealista Vaticano digital... E uma das piores cenas de tiroteio de sempre... E planos e mais planos de repórteres a debitarem banalidades em várias línguas vezes sem conta... E que dizer da banda-sonora, que deveria vir com um aviso de epicidade, para o espectador mais incauto não furar os tímpanos com o volume dos coros e os agudos e horríveis solos de violino?

Haverá, sem dúvida, objectos muito piores, mas este consegue a proeza de tornar The Da Vinci Code num melhor filme por comparação (e até National Treasure...), o que tendo em conta a base literária era um feito quase impossível. A intriga religiosa é tão confusa, rebuscada e, em última instância, ridícula que, não fosse tão inofensiva e descartável, poderia ofender algumas almas católicas mais susceptíveis... Haveria mesmo necessidade de dois grandes planos do cadáver putrefacto do Papa?

Por mais polémicas religiosas que possa suscitar, Angels & Demons é, acima de tudo, uma heresia contra o Cinema e um explosivo exemplar de anti-matéria artística.

10.2.09

Black Hawk Down



É sempre possível ver Ridley Scott a entregar acção de qualidade, desde que, claro, voltemos atrás alguns anos no tempo. Personagens dimensionadas através do espaço em que se inserem, cujo horror é captado exemplarmente pela câmara de Scott. O cuidado e eficaz trabalho de câmara, fotografia e direcção de actores transformam um banal argumento num grande filme de guerra.

Qualquer semelhança com o cada vez mais insuportavel piloto automático dos últimos filmes de Ridley Scott é, pois, pura coincidência.

9.2.09

Slumdog Millionaire


Cada vez mais se sente que os Óscares e toda a temporada de prémios que os antecipam são nada mais que um mero concurso de popularidade, que pouco visa a qualidade das obras propostos. O filme com mais prémios ganhos e mais buzz é naturalmente o eleito e perde-se totalmente o intuito da própria diversificação da premiação com Slumdog Millionaire a assumir-se enquanto coqueluche do ano, destinando-se assim a ganhar o Óscar de Melhor Filme no próximo dia 22 de Fevereiro. Conta a história de um jovem muçulmano, feito órfão em terna idade e obrigado a viver numa favela do Mumbai com o irmão que mais tarde se transforma num criminoso de rua. Jamal no entanto sonha apenas com um dia reencontrar a rapariga que com eles cresceu e ao tornar-se num afamado candidato ao prémio máximo do concurso Quem Quer Ser Milionário, espera assim cumprir o seu destino.

É com um extremo travo de desilusão e alguma resignação com que se vê este filme de Danny Boyle, com o intuito inicial de alguma consciencialização, a transformar-se numa história de amor de novela juvenil e com uma total nulidade de ressonância dramática. Tudo em Slumdog Millionaire é superficial, desde a execução vistosa mas cansativa do realizador ao carácter meramente decorativo das personagens e dos actores que a interpretam, mas sobretudo a forma como o enredo se vai descortinando, sempre mecânica, redutora e sem qualquer encanto ou deslumbramento. Chega a ser chocante a visão maniqueísta como Boyle explora a pobreza da Índia e dos seus mais desafortunados habitantes no intuito de uma reacção imediata por parte do espectador, um recurso aviltante e cobarde de aproximação do mesmo à história e que prova que hoje em dia parece ser admissível apelar à mentira, desde que provoque um sentimento efusivo de (falsa) exaltação. Cortes rápidos, música intrusiva e uma quantidade quase insultuosa de melodrama sintético tornam-se cruciais para tornar a experiência mais prazenteira.

Torna-se difícil de acreditar que um filme descartável e indigente como este irá perdurar até na memória dos seus fãs actuais mais acérrimos e se daqui a um ano, e passado todo este entusiasmo postiço, alguém defenderá que Slumdog Millionaire merece figurar no capitulo de história cinematográfica do ano que passou. Enquanto isso assistimos à celebração da mediocridade em prol da solidarização global. That’s showbusiness.

The Wrestler


À semelhança do trabalho magnífico de Bruce Springsteen, também «The Wrestler» se constrói como uma canção que faz o seu herói caminhar à deriva, procurando um refrão que justifique a sua existência e o integre numa dignidade que julgava irreversivelmente perdida. «The Wrestler» é a história de um lutador de wrestling em fim de carreira (alguns diriam, para lá do fim) chamado Randy "The Ram" Robinson a tentar permanecer relevante e a fazer o que mais gosta... até ao momento em que um problema de saúde o leva a repensar o seu modo de vida.


«The Wrestler» é um tour de force, uma história sobre redescobrir quem somos e o lugar que ainda podemos ocupar no mundo, mesmo que o mundo não nos queira nele. Há um realismo inegavelmente comovente na realização de Aronofsky, um compromisso que o cineasta coloca na câmara desde o início, sem receio de procurar a glória e a dignidade em qualquer espaço da vida de Randy, fosse no ringue a conquistar vitórias em lutas previamente encenadas, ou no supermercado a vender carne, seguindo-o e acreditando sempre que a sua história merece ser contada.


É impossível falar de «The Wrestler» sem falar em Mickey Rourke, o actor que Aronofsky queria, desde o início, para o papel e que, inicialmente, por questões comerciais, foi entregue a Nicholas Cage. Mas raras vezes uma personagem encaixou tão bem no actor que a interpretou, de uma forma completamente autobiográfica e com ressonâncias melodramáticas absolutamente devastadoras. Reconhecem-se em Randy, traços das mágoas que Rourke chora do seu passado, da carreira que lhe passou ao lado e que tenta, agora, recuperar.

Os dois redescobrem-se na glória que perseguem e no passado que tentam reviver, num mundo onde procuram o espaço que ainda lhes resta. É essa a comoção de que se falava. A verdade que reaparece por força do ocasional, uma história que merece ser contada ou percebermos que não somos imortais. E, acima de tudo, procurarmos o nosso lugar no mundo e sabermos que, por circunstâncias da vida, ele nunca é o mesmo ao longo do tempo.

14.1.09

A presença de Eastwood

Nada podia ser mais comovente do que o regresso de Clint Eastwood, não só atrás das câmaras no magnífico «Changeling», como à frente (pela última vez?) num dos filmes mais definitivos do cineasta e da sua presença no cinema: «Gran Torino».


Desengane-se quem tenta ver em «Changeling» um filme de época ou um telefilme sociológico que pretende denunciar um caso verídico e todos os organismos sociais e políticos que o integram. É, claro, também sobre isso; é um filme radical sobre o confronto do indivíduo com os mecanismos sociais que contrariam a sua existência, mas é também um filme silenciosamente destruído pela perversidade de uma narrativa que se constrói contra uma mãe que tem de aceitar um filho que não é seu. Mais do que isso, a solene desconstrução da infância angélica e delicada, espelhada no rosto de uma criança que se faz passar por um filho que não é (com uma seriedade que, por vezes, nos gela os sentidos), bem como por outras crianças cuja narrativa parece convocar para o fim de uma inocência irreversivelmente perdida.

Num filme onde a estarrecedora fotografia ilumina cada imagem como se as memórias de uma época fossem, de uma vez só, uma presença irrevogável e uma utopia cinematográfica, é Angelina Jolie que se torna a mais espantosa componente humana e entrega uma das interpretações mais intensas e angustiantes dos últimos anos (e, sem qualquer hesitação, da sua carreira).

De Clint Eastwood, sente-se no filme uma desconcertante serenidade e uma sobriedade clássica na construção das imagens, na montagem e no confronto de planos (porque cada plano encena em si mesmo, a vontade e o destino do realizador e do actor). A profundidade do campo/contra-campo regressa à obsessão milimétrica de «Mystic River», também porque o confronto ideológico exige uma certa dimensão operática que Eastwood tão bem conhece. Mas existe nas imagens também o intimismo e a respiração dramática de «Million Dollar Baby», sabendo que a própria câmara pode desaparecer, a espaços, para se filmar um olhar ou uma lágrima com a mesma tragédia. É um filme infinitamente belo... tão belo quanto triste.



De «Gran Torino», a primeira imagem a reter é a presença incontornável de Clint Eastwood no regresso ao ecrã. E a sua presença não podia ser mais autobiográfica: um velho americano solitário (após a morte da sua mulher) e céptico em relação a todo o mundo que o rodeia. O filme é, de uma certa forma, o testemunho que o cineasta passa ao mundo de toda a sua presença no cinema, uma espécie de justificação assombrosa e artística da sua maneira de olhar o mundo, a vida e os espaços à volta.

Clint Eastwood interpreta Walt Kowalski, um veterano de guerra que não se reconhece na sua família, foge da sua vizinhança, rosna à futilidade angustiante da juventude, faz comentários racistas e chora em silêncio a perda da sua mulher. Aflorado por momentos de humor muito divertidos, o filme esconde uma dor devastadora. Não só a dor de estar sozinho, mas a possibilidade de morrer sozinho. Da tragédia iminente surge, claro, a possibilidade do melodrama. Por outras palavras, é possível reencontrar uma sensação de legado que justifica a vida, a morte, a velhice e a juventude, o clássico e o contemporâneo. E que maior símbolo de legado poderia haver do que o Gran Torino, carro emblemático americano a que o título faz alusão e que simboliza de uma vez só, o ancestral e a imponência.

Existe, de forma nada ocasional, um olhar sarcástico desse ancestral e imponente Clint Eastwood sobre a juventude, seja no seu olhar agastado sobre os piercings ou na recorrência de expressões de indignação sobre os comportamentos dos jovens. Nesta história, um jovem em particular irá produzir um efeito invulgar na narrativa quando a sua vida se cruza com a de Walt e o seu Gran Torino. De facto, existe nessa relação uma espécie de verdade que se distancia da vida e da religião (em boa verdade, a fé é algo que existe, neste filme, como uma crença redescoberta no humano).

Tudo em «Gran Torino» é uma lição de vida, desde a criação de uma família, ultrapassando raças e idades, até à dimensão moral que integra os destinos de cada um. Por razões deontológicas, importa não revelar o desfecho de «Gran Torino», mas é impossível, por cada lágrima que nos escapa, não sentirmos que a presença de Eastwood no ecrã nunca foi tão decisiva e apoteótica. Um pequeno milagre para nunca deixarmos de acreditar no cinema.

11.1.09

2008 (João Eira)

As estreias em sala no ano que passou foram escassas em qualidade. Consequência dos avanços tecnológicos que ditam um aumento da pluralidade de meios de divulgação das artes audiovisuais, mas também da já tradicional e generalizada mediocridade nas decisões dos responsáveis nacionais pela distribuição e divulgação dos filmes.

Nos media especializados, é difícil distinguir o amador do (supostamente) profissional. O número de revistas de cinema parece aumentar na proporção inversa da geração de verdadeiro pensamento crítico. A adjectivação fácil, comparação gratuita, a reciclagem das mesmas tretas sobre reinvenção do género ou sobre a invasão da mediocridade televisiva. O tomar a pequenez e irrelevância da crítica nacional (que se confunde aliás com a irrelevância do próprio cinema português) como sinal de independência ou criatividade, são já um hábito deste País cheio de críticos e cineastas incompreendidos.

Antes de deixar os meus favoritos do ano, não posso deixar de destacar o inédito Redbelt, verdadeiro tratado sobre a honra, e uma pedrada no charco que é este mundo de relativização de valores e códigos éticos. Para lá de qualquer enquadramento religioso ou filosófico, Mike Terry, protagonista do filme, permanece comigo como exemplo do que é dar sentido a uma Vida.


Sem mais rodeios, aqui ficam os filmes que me marcaram neste (pela positiva e pela negativa):

Os Dez Mais

There Will Be Blood - Paul Thomas Anderson


We Own the Night - James Gray
No Country for Old Men - Joel & Ethan Coen
Before the Devil Knows You´re Dead - Sidney Lumet
The Dark Knight - Christopher Nolan
The Happening - M. Night Shyamalan
La Frontière de l`Aube - Phillipe Garrel
Lust, Caution - Ang Lee -
Indiana Jones and the Kingdom of the Cristal Skull - Steven Spielberg
Hunger - Steve McQueen

Merecendo ainda referência os regressos de Coppola com Youth Without Youth e de Resnais com Coeurs, a ousadia politica e socialmente incorrecta de Stallone em Rambo e de Padilha em Tropa de Elite, a candura indie de Juno, a dureza do drama de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias.


Recycle Bin

The Assassination yadda yadda
Cloverfield
Rendition
Sleuth
In the Valley of Elah
10000 BC
The Mist
Speedracer
Gomorra
Paris

10.1.09

Solidão



9.1.09

«Changeling» e os seus vários filmes


Há vários filmes em «Changeling» (Eastwood, 2008), e desses apenas um vale realmente a pena. Os outros perdem-se ou falham por diversas razões ou limitam-se a gerir competentemente as suas informações. «Changeling» surge, assim, como um objecto bom e estimável, mas que é directamente remetido para as margens da obra de Clint Eastwood, onde se situam os seus filmes menos memoráveis.

Em matéria de filmes dentro do filme, há, desde logo, o filme da mãe solitária que vê o seu filho desaparecer de casa. É o melhor dos filmes de «Changeling». Aquele em que emerge um melodrama sombrio e ponderado, esteticamente elegante e sempre triste, muito triste, de uma tristeza imperturbável que se instala delicadamente nas imagens, sem imposições artificiais nem movimentos abruptos. É o filme que ilumina o rosto soturno de Angelina Jolie e é contaminado pela convicção dos seus gestos e pela obstinação do seu olhar. Dir-se-ia que é o filme clássico de «Changeling», pautado por uma perfeita harmonia e equilíbrio entre a composição das imagens e as personagens e emoções que as habitam, numa gestão rítmica sem mácula.

Depois, há o resto. Há o filme policial, em que se investiga o desaparecimento da criança e outras situações relacionadas; há o filme político-social, em que se procura caracterizar a corrupção e a falência moral das forças públicas da Los Angeles dos anos 20 e 30 do século XX; e há, enfim, o filme de tribunal, sobre a Justiça enquanto instituição e enquanto valor intrínseco. Nenhum destes filmes convence totalmente ou impressiona do ponto de vista cinematográfico. Eastwood já fez mais e melhor em cada uma dessas áreas e em «Changeling» não só não traz nada de significativo, como, de um modo geral, simplifica e retira complexidade ao que já mostrou no passado. O filme policial, por exemplo, é totalmente convencional nos seus termos, rotineiro até; longe, muito longe, da complexidade e do peso que habitava cada frame do fabuloso «Mystic River» (Eastwood, 2003). Por outro lado, se o filme de tribunal é relativamente eficaz e bem engendrado — contando, aliás, com a excelente e fordiana personagem do advogado —, já o filme político-social é pouco mais do que medíocre nas suas componentes fundamentais e perde-se numa série de maniqueísmos e de simplismos que prejudicam irremediavelmente a obra.

Em geral, existe também uma construção algo duvidosa de certas personagens, ora reduzidas a meros bonecos despidos de qualquer dimensão humana (de que é exemplo paradigmático o psiquiatra), ora erigidas a meros instrumentos narrativos sem existência própria (por exemplo, a prostituta), ora reduzidas ao mínimo de complexidade (e portanto de interesse) possível (a personagem do polícia ou do pastor, por exemplo). De resto, a experiência cinematográfica surge também prejudicada, a espaços, por certos desvios de tom (como pequenos laivos de comédia de duvidosa pertinência) e por alguns excessos de realismo que contrastam de forma demasiado pronunciada com a subtileza e contenção geral do drama.

Regressando ao delicado melodrama que eleva qualitativamente a obra, não pode deixar de realçar-se o admirável trabalho de representação de Angelina Jolie, brilhante em todas as cenas em que aparece e com uma gestão de emoções verdadeiramente impressionante. Despido de tudo o resto — da política e da polícia, da justiça e da sociedade — «Changeling» consegue ser intimista e vibrante. Angelina Jolie e o drama que solitariamente consegue construir fazem-nos pensar no quão extraordinário poderia ter sido «Changeling» se tivesse ficado apenas com ela.

Os Melhores de 2008 - Música (João Pedro Jorge)

Se 2008 acabou por ser um ano ligeiramente mais fraco que os últimos em termos cinematográficos, já no campo musical foi dos mais interessantes de que me recordo, com novos nomes a irromperem com imparável criatividade, lado a lado com nomes firmados que mostraram alguns dos seus discos mais inspirados em largos anos.
Aqui fica o (extenso) top, tendo alguns títulos ainda ficado de fora...


1 - Camané - Sempre de Mim
2 - Bon Iver - For Emma, Forever Ago
3 - Fleet Foxes - Fleet Foxes e Sun Giant EP
4 - Toumani Diabaté - The Mandé Variations
5 - Evangelista - Hello, Voyager
6 - Beach House - Devotion
7 - Portishead - Third
8 - Dodos - Visiter
9 - Department Of Eagles - In Ear Park
10 - High Places - High Places e 03.07-09.07

11 - The Fun Years -Baby, It’s Cold Inside
12 - Sic Alps - A Long Way Around To a Shortcut e U.S. Ez
13 - The Gutter Twins - Saturnalia
14 - Silver Jews - Lookout Mountain, Lookout Sea
15 - The Notwist - The Devil, You + Me
16 - No Age - Nouns
17 - Vampire Weekend - Vampire Weekend
18 - Thee Silver Mt. Zion Memorial Orchestra and Tra-La-La Band - Thirteen Blues For Thirteen Moons
19 - Atlas Sound - Let The Blind Lead Those Who Can See But Cannot Feel
20 - Bonnie 'Prince' Billy - Lie Down In The Light

21 - TV On The Radio
- Dear Science
22 - MGMT - Oracular Spectacular
23 - Leila - Blood Looms and Blooms
24 - Benga - Diary Of An Afro Warrior
25 - African Scream Contest - Raw & Psychedelic Afro Sounds from Benin & Togo 70s
26 - Mount Eerie - Lost Wisdom
27 - Micah P. Hinson - Micah P. Hinson and The Red Empire Orchestra
28 - Lambchop - OH(Ohio)
29 - Shakleton and Appleblim - Soundboy’s Gravestone Gets Desecrated By Vandals
30 - Flying Lotus - Los Angeles

31 - Yeasayer
- All Hour Cymbals
32 - Spiritualized - Songs In A&E
33 - The Ruby Suns - Sea Lion
34 - Religious Knives - It's After Dark
35 - Randy Newman - Harps And Angels
36 - Bob Dylan - Tell Tale Signs: The Bootleg Series Vol. 8
37 - Hercules And Love Affair - Hercules And Love Affair
38 - Lykke Li - Youth Novels
39 - The Raconteurs - Consolers Of The Lonely
40 - Earth - The Bees Made Honey In The Lion's Skull

41 -
Shearwater - Rook
42 - Robert Forster - The Evangelist
43 - Drive-By Truckers - Brighter Than Creation's Dark
44 - Adriana Calcanhotto - Maré
45 - Wildbirds & Peacedrums - Heartcore
46 - The Chap - Mega Breakfast
47- Joan As Police Woman - To Survive
48 - Jamie Lidell Jim
49 - Arthur Russell - Love Is Overtaking Me
50 - Beck - Modern Guilt / Death Cab For Cutie - Narrow Stairs / Calexico - Carried To Dust / Matmos - Supreme Balloon / Why? - Alopecia

8.1.09

Os Melhores de 2008 - Cinema (João Pedro Jorge)

Ainda em tempo de balanços, para já o top das estreias em sala em 2008.

1 - There Will Be Blood, Paul Thomas Anderson
2 - No Country For Old Men, Joel e Ethan Coen
3 - Before The Devil Knows You’re Dead, Sidney Lumet
4 - We Own the Night, James Gray
5 - The Happening, M. Night Shyamalan
6 - Coeurs, Alain Resnais
7 - WALL.E, Andrew Stanton
8 - The Dark Knight, Christopher Nolan
9 - Diary Of The Dead, George A. Romero
10 - Aquele Querido Mês de Agosto, Miguel Gomes
e La Frontière de L'Aube, Philippe Garrel
------------------------------------------------------------------------
11 - Gomorra, Matteo Garrone
12 - The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, Andrew Dominik
13 - Hunger, Steve McQueen
14 - Entre Les Murs, Laurent Cantet
15 - In Bruges, Martin McDonagh

4.1.09

Melhores de 2008 (Paulo Albuquerque)

1 - Three Times de Hou Hsiao Hsien
2 - Ne Touchez pas la Hache de Jacques Rivette
3 - Gomorra de Matteo Garrone
4 - There Will Be Blood de Paul Thomas Anderson
5 - We Own the Night de James Gray
6 - The Happening de M. Night Shyamalan
7 - 4 Months, 3 Weeks & 2 Days de Christian Mungiu
8 - The Dark Knight de Christopher Nolan
9 - Four Nights with Anna de Jerzy Skolimowski
10 - Les Amours d'Astrée et de Céladon de Eric Rohmer, Diary of the Dead de George Romero e Halloween de Rob Zombie


Inéditos:
1 - Hurt Locker de Kathryn Bigelow
2 - En La Ciudad de Sylvia de José Luis Guerín
3 - RedBelt de David Mamet
4 - 35 Rhums de Claire Denis
5 - Go Go Tales de Abel Ferrara, Red Cliff (parte 1) de John Woo e Tulpan de Sergei Dvortsevoy


Albums:
1 - Shackleton & Applebim - Soundboy's Gravestone Gets Desecrated By Vandals
2 - Evangelista - Hello Voyager
3 - Jacaszek - Treny
4 - Camané - Sempre de Mim
5 - The Fun Years - Baby it's Cold Inside
6 - Flying Lotus - Los Angeles
7 - Crystal Stilts - Alight of Night
8 - Kevin Drumm - Imperial Distortion
9 - Leila - Blood Looms and Blooms
10 - Portishead - Third
11 - Department of Eagles - In Ear Park
12 - The Cool Kids - Bake Sale
13 - Alva Noto - Unitxt
14 - Bonnie 'Prince' Billy - Lie Down in the Light
15 - A Weather - Cove
16 - Tv on the Radio - Dear Science
17 - Beach House - Devotion
18 - The Notwist - The Devil, You + Me
19 - Earth - The Bees Made Honey In The Lion's Skull
20 - Isobell Campbell & Mark Lanegan - Sunday at Devil Dirt
21 - Mount Eerie - Lost Wisdom
22 - Helios - Caesura
23 - Nick Cave & The Bad Seeds - Dig!!! Lazarus Dig!!!
24 - Fleet Foxes - Fleet Foxes
25 - The Hospitals - Hairdryer Peace
26 - Headhunter - Nomad
27 - Religious Knives - It's After Dark
28 - Q-Tip - The Renaissance
29 - Autechre - Quaristice
30 - Benga - Diary of an Afro Warrior, DJ Rupture - Uproot e Al Green - Lay It Down

3.1.09

Os melhores filmes de 2008

Não se pode afirmar que o ano de 2008 tenha sido abastado em inumeráveis estreias de grandes obras cinematográficas, mas a realidade é que no meio de muitos lançamentos desinteressantes se elevaram uma série de filmes cujo valor não pode ser menosprezado. Foi um ano especialmente favorável para o cinema europeu cujo exemplo máximo terá sido o assombroso romance de Phillipe Garrel com A Fronteira do Amanhecer. Também em terreno parisiense teve lugar O Voo do Balão Vermelho, um absorvente pedaço de vida do realizador chinês Hou Hsiao-Hsien. Trocando as anteriores e audaciosas experiências no cinema ocidental, Ang Lee regressa às origens com Sedução, Conspiração, um tentador e assombroso conto de lascívia e espionagem no pós-guerra.

É no entanto de destacar a força autoral do cinema americano, mais ou menos independente. Trouxe o regresso de valores clássicos como o de Sidney Lumet em Antes que o Diabo Saiba que Morreste e a consagração de muitos outros. É o caso da perícia cénica esquizofrénica de Todd Haynes em I’m Not There na construção da mais audaciosa biografia a surgir na última década. Surge também Nós Controlamos a Noite, o drama policial de enorme envolvência emocional de James Gray. Os grandes filmes do ano são no entanto Haverá Sangue e Este País Não É Para Velhos, respectivamente de Paul Thomas Anderson e dos irmãos Coen, duas obras tão divergentes que encontram o mesmo chão no derrubamento dos limites de um género tão circunspecto, evidenciando que as possibilidades do cinema continuam infindáveis.

Não esquecendo no entanto os dois filmes que mais terão facturado no mundo e que também figuram no melhor que a 7ªarte nos deu em 2008: o fenomenal prodígio de animação que é Wall-E e na extasiante redefinição do blockbuster e do vulgo comic-book-movie em O Cavaleiro das Trevas.


1. Este País Não é Para Velhos de Joel & Ethan Coen
2. Haverá Sangue de Paul Thomas Anderson
3. Nós Controlamos a Noite de James Gray
4. Sedução, Conspiração de Ang Lee
5. O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan
6. Wall-E de Andrew Stanton
7. I'm Not There de Todd Haynes
8. O Voo do Balão Vermelho de Hou Hsiao-Hsien
9. Antes que o Diabo Saiba que Morreste de Sidney Lumet
10. A Fronteira do Amanhecer de Phillip Garrel

1.1.09

Balanço de 2008 (João Ricardo Branco)



1. Ne Touchez pas la Hache (Jacques Rivette)
2. The Happening (M. Night Shyamalan)
---------------------------------------------------
3. Before the Devil Knows You're Dead (Sidney Lumet)
4. La Frontière de L'aube (Philippe Garrel)
5. There Will Be Blood (P.T. Anderson)
6. Aquele Querido Mês de Agosto (Miguel Gomes)
7. We Own the Night (James Gray)
8. Tropa de Elite (José Padilha)
9. Cassandra’s Dream (Woody Allen)
10. Coeurs (Alain Resnais)

E eis que ao cair do pano chega o filme do ano! Na verdade, «Ne Touchez pas la Hache» não é de 2008 (o seu ano de produção é 2007) nem sequer estreou nas salas de cinema portuguesas: foi lançado directamente nas prateleiras do mercado de DVD nestas últimas semanas do ano. E se isto, só por si, diz muito (e mal) sobre o estado da distribuição de filmes no nosso país, nada diz, no entanto, sobre o maravilhoso filme de Rivette.

«Ne Touchez pas la Hache» é um filme que nos atinge como um raio na mesma medida em que as palavras de Antoinette atingem o general Montriveau no início da narrativa quando esta — agora uma freira enclausurada — lhe suplica humildemente que não a trate por Antoinette porque as lembranças do passado são dolorosas… O diálogo prossegue depois mais uns momentos até que as cortinas que separam a freira e o visitante se fecham abruptamente e o filme suspende em absoluto a acção presente e viaja, num enorme flashback, até 5 anos antes, altura em que os dois se conhecem e, contra a sociedade parisiense de início de século XIX, se apaixonam.

É nesse imenso e doloroso passado que Rivette se instala para, com precisão de relojoeiro e sensibilidade de poeta, contar mais uma história de amor louco. O realizador adapta aqui muito fielmente o belíssimo «La Duchesse de Langeais» de Balzac, preservando inclusivamente a riqueza da escrita do novelista francês, ao mesmo tempo que, do ponto de vista cinematográfico, vinca fortemente as suas marcas de realizador, sobretudo no que respeita ao tratamento do tempo e da mise-en-scène. A dupla de actores Guillaume Depardieu e Jeanne Balibar faz o resto, num insuperável trabalho de representação: a tristeza lancinante empregue por Depardieu e o abismo interior criado por Balibar são quase milagrosos e esmagam-nos por completo. Tudo o que é preciso saber sobre o amor está neste filme.

Destacado de tudo o resto surge também «The Happening», a extraordinária obra que Shyamalan nos entregou em meados do ano. A personagem central do filme chama-se Alma — como em «Persona» de Bergman — e é com ela que o filme ultrapassa as suas próprias circunstâncias e assume, com a máxima simplicidade, aquilo que verdadeiramente lhe dá vida: a descoberta do sentido maternal. É claro que «The Happening» é também um filme muito inteligente sobre ecologia, política e família. Mas o grande arco narrativo do filme, o seu caminho dramático e emocional, é percorrido por Alma na progressiva descoberta das suas próprias emoções. De resto, nos muito económicos, directos, empolgantes e tensos 90 minutos de película, Shyamalan constrói um notável sentido de urgência, continuando a acreditar, como sempre, no poder transformador do Cinema e na verdade dos seus temas de eleição.

Quanto ao mais, considero que 2008 foi, em termos de estreias nas salas portuguesas, um dos piores anos cinematográficos desde 1930 (para nos ficarmos apenas pela era sonora), porventura mesmo o pior. Tirando os dois filmes acima referidos — e apesar da qualidade dos outros filmes que compõem o TOP10 — pouco mais há que ameace ultrapassar, de forma significativa, as fronteiras do tempo e da memória.

Fora da 7.ª Arte. No Teatro nada me arrebatou tanto como a peça «Rock ‘n’ Roll», que passou pelo Teatro Aberto no primeiro semestre do ano e que fui ver 4 vezes. Impressionaram-me igualmente os monólogos de Beatriz Batarda (a melhor actriz portuguesa) em «De Homem para Homem» (Teatro da Cornucópia/Bairro Alto) e de João Lagarto em «Começar a Acabar» (Teatro Nacional D. Maria II). E em termos de concertos, guardo sobretudo na memória as actuações dos The National (Aula Magna, 11 de Maio), de Róisín Murphy (Optimus Alive, 12 de Julho), de Leonard Cohen (Passeio Marítimo de Algés, 19 de Julho) e de Ornette Coleman (Aula Magna, 5 de Novembro).

E quanto à minha vida em 2008… bom, isso não é para ser revelado neste blogue! Feliz 2009!