10.2.09

Black Hawk Down



É sempre possível ver Ridley Scott a entregar acção de qualidade, desde que, claro, voltemos atrás alguns anos no tempo. Personagens dimensionadas através do espaço em que se inserem, cujo horror é captado exemplarmente pela câmara de Scott. O cuidado e eficaz trabalho de câmara, fotografia e direcção de actores transformam um banal argumento num grande filme de guerra.

Qualquer semelhança com o cada vez mais insuportavel piloto automático dos últimos filmes de Ridley Scott é, pois, pura coincidência.

9.2.09

Slumdog Millionaire


Cada vez mais se sente que os Óscares e toda a temporada de prémios que os antecipam são nada mais que um mero concurso de popularidade, que pouco visa a qualidade das obras propostos. O filme com mais prémios ganhos e mais buzz é naturalmente o eleito e perde-se totalmente o intuito da própria diversificação da premiação com Slumdog Millionaire a assumir-se enquanto coqueluche do ano, destinando-se assim a ganhar o Óscar de Melhor Filme no próximo dia 22 de Fevereiro. Conta a história de um jovem muçulmano, feito órfão em terna idade e obrigado a viver numa favela do Mumbai com o irmão que mais tarde se transforma num criminoso de rua. Jamal no entanto sonha apenas com um dia reencontrar a rapariga que com eles cresceu e ao tornar-se num afamado candidato ao prémio máximo do concurso Quem Quer Ser Milionário, espera assim cumprir o seu destino.

É com um extremo travo de desilusão e alguma resignação com que se vê este filme de Danny Boyle, com o intuito inicial de alguma consciencialização, a transformar-se numa história de amor de novela juvenil e com uma total nulidade de ressonância dramática. Tudo em Slumdog Millionaire é superficial, desde a execução vistosa mas cansativa do realizador ao carácter meramente decorativo das personagens e dos actores que a interpretam, mas sobretudo a forma como o enredo se vai descortinando, sempre mecânica, redutora e sem qualquer encanto ou deslumbramento. Chega a ser chocante a visão maniqueísta como Boyle explora a pobreza da Índia e dos seus mais desafortunados habitantes no intuito de uma reacção imediata por parte do espectador, um recurso aviltante e cobarde de aproximação do mesmo à história e que prova que hoje em dia parece ser admissível apelar à mentira, desde que provoque um sentimento efusivo de (falsa) exaltação. Cortes rápidos, música intrusiva e uma quantidade quase insultuosa de melodrama sintético tornam-se cruciais para tornar a experiência mais prazenteira.

Torna-se difícil de acreditar que um filme descartável e indigente como este irá perdurar até na memória dos seus fãs actuais mais acérrimos e se daqui a um ano, e passado todo este entusiasmo postiço, alguém defenderá que Slumdog Millionaire merece figurar no capitulo de história cinematográfica do ano que passou. Enquanto isso assistimos à celebração da mediocridade em prol da solidarização global. That’s showbusiness.

The Wrestler


À semelhança do trabalho magnífico de Bruce Springsteen, também «The Wrestler» se constrói como uma canção que faz o seu herói caminhar à deriva, procurando um refrão que justifique a sua existência e o integre numa dignidade que julgava irreversivelmente perdida. «The Wrestler» é a história de um lutador de wrestling em fim de carreira (alguns diriam, para lá do fim) chamado Randy "The Ram" Robinson a tentar permanecer relevante e a fazer o que mais gosta... até ao momento em que um problema de saúde o leva a repensar o seu modo de vida.


«The Wrestler» é um tour de force, uma história sobre redescobrir quem somos e o lugar que ainda podemos ocupar no mundo, mesmo que o mundo não nos queira nele. Há um realismo inegavelmente comovente na realização de Aronofsky, um compromisso que o cineasta coloca na câmara desde o início, sem receio de procurar a glória e a dignidade em qualquer espaço da vida de Randy, fosse no ringue a conquistar vitórias em lutas previamente encenadas, ou no supermercado a vender carne, seguindo-o e acreditando sempre que a sua história merece ser contada.


É impossível falar de «The Wrestler» sem falar em Mickey Rourke, o actor que Aronofsky queria, desde o início, para o papel e que, inicialmente, por questões comerciais, foi entregue a Nicholas Cage. Mas raras vezes uma personagem encaixou tão bem no actor que a interpretou, de uma forma completamente autobiográfica e com ressonâncias melodramáticas absolutamente devastadoras. Reconhecem-se em Randy, traços das mágoas que Rourke chora do seu passado, da carreira que lhe passou ao lado e que tenta, agora, recuperar.

Os dois redescobrem-se na glória que perseguem e no passado que tentam reviver, num mundo onde procuram o espaço que ainda lhes resta. É essa a comoção de que se falava. A verdade que reaparece por força do ocasional, uma história que merece ser contada ou percebermos que não somos imortais. E, acima de tudo, procurarmos o nosso lugar no mundo e sabermos que, por circunstâncias da vida, ele nunca é o mesmo ao longo do tempo.