31.12.07

Melhores do Ano (João Eira)

Como já referi num post anterior, foi um ano bastante fraquinho em Portugal no que às estreias comerciais diz respeito, provavelmente o mais fraquinho da década até agora. Aqui fica o tradicional TOP 10.


1º INLAND EMPIRE

Por uma margem larga, o Filme do Ano. Goste-se ou não, mais ninguém filma (ou filmou) como Lynch, que habita um mundo cinematográfico completamente pessoal e intransmissível. INLAND EMPIRE é uma súmula empírica do Universo do realizador, uma espécie de história do cinema na mais pura e emocional das formas, tendo por veículo Laura Dern, personificação de todas as actrizes, ou, porventura, de todas as mulheres.

2º Promessas Perigosas (Eastern Promises)

Depois de A History of Violence, Cronenberg continua por territórios do crime, mas fiel ao seu universo autoral de sempre, num filme que repete também a excelência da interpretação de Viggo Mortensen.

3º Paranoid Park (Paranoid Park)

Gus Van Sant continua a reinventar os dispositivos formais que utilizou em Elephant, centrando-se aqui na construção de um olhar sobre um certa adolescência, mas fugindo sempre a qualquer esquema ou visão à priori. Van Sant olha a vida de Alex de forma singularmente envolvente e complexa, mas construindo significados e imagens a partir de um quotidiano (aparentemente) banal.

4º Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima)

Eastwood não sabe filmar mal, e, tal como o seu irmão gémeo Flags of Our Fathers, Letters from Iwo Jima só peca por não atingir a sublimidade das suas duas anteriores obras. Este relato cru e desencantado da destruição e futilidade da guerra, acaba por ser, paradoxalmente, um objecto de incomensurável beleza.

As Vidas dos Outros (Das Leben der Anderen)

O filme de Florian von Donnersmarck consegue ser ao mesmo tempo retrato certeiro da completa asfixia e exterminação da privacidade provocada por um regime totalitário colectivista, melodrama comovente e testemunho de fé na capacidade do espírito humano para, no seu melhor e também no seu pior, distorcer qualquer utopia imposta por cânones de pensamento único. É também uma ficção muito real para aqueles que viveram os tempos finais da Guerra Fria, mesmo que do lado de cá da cortina.

O Bom Pastor (The Good Shepherd)

Se mal consigo lembrar o último grande papel de De Niro, esta nova realização vem trazer algum conforto, depois do simpático mas obnubilável e já distante A Bronx Tale. The Good Sheperd é um filme fora do seu tempo, na forma como aborda o nascimento da CIA, mas, sobretudo, na gestão dos seus tempos dramáticos. Numa era marcada pelo hype, imagens aceleradas e ausência de memória, o filme de De Niro estava destinado à incompreensão e ao esquecimento.

A Estranha em Mim (The Brave One)

Ver comentário aqui.

Zodíaco (Zodiac)

Zodiac confirma Fincher como um dos mais destacados representantes de uma tendência cada vez mais presente no grande cinema americano de hoje, partindo dos grandes princípios e formas do cinema clássico, para as desconstruir, recriar e reinventar, não traindo a sua lógica fundadora.

9º Os Anjos Exterminadores (Les Anges Exterminateurs)

Aproveitando os incidentes na sua vida pessoal que se seguiram à estreia do estimulante Choses Secrètes, Brisseau cria um filme semi-autobiográfico de ambientes singulares. Misto de exploração sensorial, sarcasmo e erotismo, Les Anges Exterminateurs questiona os limites da criação artística e do criador, desafiando as fronteiras entre ficção e realidade e testando os limites do próprio Cinema. Numa palavra, fascinante!

10º Call Girl

Ver comentário aqui.

30.12.07

2007 - Os Melhores

Se foi difícil elaborar uma lista dos piores filmes do ano (devido ao elevado número de candidatos), a tarefa de eleger os melhores tambén foi complicada, mas no presente casa, devido ao escasso número de elegíveis...

Eis os escolhidos, do melhor para o menos bom:


Eastern Promises
De longe... de muito longe, o melhor filme do ano, e indo mais longe ainda, um dos melhores filmes da década. talvez eu há um ano atrás tenha dito o mesmo de A History of Violence. E fui verdadeira. Mas Eastern Promises é ainda melhor que o último filme de Cronenberg. Viggo Mortensen tem aqui o papel da sua vida, e a galeria de secundários que o rodeia é irerpreensível. O argumento é fortíssimo, duro, violento, e a espaços comovente, e está filmado com uma crueza que reflecte todos esses estados de espírito. A rever, várias vezes.

Letters from Iwo Jima
Clint Eastwood está em grande forma, e a forma como Letters from Iwo Jima está filmado reflecte isso. Todas as cenas do filme respiram cinema, e não nos é difícil acreditar que aquelas pessoas existiram na realidade, já que o argumento criou boas situações e personagens, e os actores encarnaram-nas de forma irrepreensível.

Das Leben der Anderen
Tomara todos os realizadores escreverem e realizarem uma primeira obra do gabarito deste Das Leben der Anderen. Von Donnersmarck faz um retrato (que eu acredito ser fiel) de uma sociedade extinta e que me é desconhecida, povoando-a de personagens complexas, e por isso, completas. O clímax final, que poderia tão naturalmente cair no lugar-comum, e no exagero de querer puxar a lágrima fácil é, pelo seu oposto, tão contido que se torna ainda mais comovente.

Don't Come Knocking
Confesso que as minhas expectativas para este filme não eram muitas. De Wenders, tinha apenas tentado ver The Million Dollar Hotel, e desistido ao fim de 30 minutos. Por várias vezes. Mas esta história de auto-descoberta e descoberta mútua das várias personagens é filmada de forma simples e comovente, fazendo um retrato de uma América que muitos julgam perdida. (Ah... e a música original que o Bono compôs para o filme é magnífica!)

Les Chansons d'Amour
Cada vez que penso no filme, só rezo para uma rápida edição do mesmo em DVD, para o poder rever. Sobre ele, está tudo dito aqui.

Venus
Uma das mais agradáveis surpresas do ano, com um Peter O'Toole a mostrar que ainda está aí para as curvas (o desgosto que eu tive por ele não ter ganho o Óscar...), num filme sobre uma velha amizade, e uma nova, e completamente inesperada amizade. A história conta-se até ao último segundo de filme, e parece-nos continuar para lá dele. Uma pérola que recomendo a quem não tenha visto.

The Good German
Há filmes, como Control, em que a opção por filmar a preto e branco é mais estilística que outra coisa, e pouco serve a narrativa. Noutros, como este, essa opção serve a narrativa, transportando-nos a um tempo em que tudo era filmado assim, conta-nos uma história dessa época (à qual eu sou particularmente sensível, confesso), realizado como uma boa homenagem aos filmes dessa altura, e com personagens reais que nos transportam a essa realidade. Pode-se pedir mais?

The Good Shepherd
Já várias vezes disse, em conversas com amigos, que Robert de Niro, ultimamente, tem o "toque de Midas ao contrário". Ou seja, tudo o que faz é mau (os últimos filmes em que tem participado são atrozes). Depois, realiza este The Good Shepherd e eu, felizmente, tenho que morder a língua. Um thriller competentíssimo, inventivo, com um bom argumento e recheado de boas interpretações (até de Angelina Jolie, com a qual eu tenho uma embirração especial). Se é para, no fim de x participações em maus filmes, voltar a realizar filmes destes... que o continue a fazer!

Zwartboek
Paul Verhoeven apresenta-nos um filme sobre uma parte da II Guerra Mundial na Holanda que não é muito conhecida, que é a do papel da Resistência. Conhecemos a história de uma judia holandesa que se torna membro activo da Resistência, do seu papel na mesma, e de várias intrigas que mudam a sua vida. Com alguns desiquilíbrios, é certo, mas com mais méritos ainda (nomeadamente a actriz, Carice van Houten, que brilha, no seu papel "duplo").

Enchanted
Quem me conhece sabe que eu sou fã dos filmes de animação clássicos da Disney (e dos não-clássicos, ou seja, das colaborações com a Pixar, também), e que um grande desgosto meu tem sido a falta desse tipo de filmes. Enchanted veio colmatar essa falha de uma forma extremamente original e competente. Faz reviver todos os mitos dos contos de fadas, e joga-os na perfeição com a vicissitudes da vida moderna. As interpretações de Amy Adams e James Marsden como personagens "na vida real" nunca nos faz esquecer que, na realidade, eles são bonecos animados, de tal modo fiéis se encontram a esse espírito. Entertenimento familiar da mais alta qualidade! (e para os fãs da Disney, como eu, uma aventura de 107 minutos a descobrir citações subtis (ou nem por isso) a obras anteriores do estúdio!)

Menções Honrosas (ou seja, filmes que poderiam constar na segunda metade deste top!)

Knocked Up - Porque é uma comédia pura e dura, bem interpretada, bem realizada... e que no fundo até tem algo mais sério...

Ratatuille - Porque é animação extremamente bem conseguida, inovadora, e tem uma das cenas mais comoventes de todo o ano!

Rocky Balboa - Porque estava à espera de não gostar. Porque me deu vontade de ver os outros. E porque é bom!

Scoop - Para quem tinha a mania que não gostava de Woody Allen, estes últimos anos têem servido de emenda. Comédia inteligente, misturada com drama e thriller, e interpretações... on the spot!

Zodiac - Ainda não vi um filme de Fincher de que não gostasse (embora Fight Club seja o candidato mais próximo), e este não desilude. Não há nada de mau... mas também nada de genial...

2007 - Os piores

Encontrando-me no fim do ano de 2007, chego à conclusão de que, infelizmente, este foi um ano fraquíssimo de cinema. Daí que não tenha sido fácil elaborar uma lista dos piores filmes do ano.

Houve filmes péssimos, que pouco ou nada tinham de cinema, tais como Hitman, Resident Evil, War ou The Last Legion, e que não figuram nesta lista. Isto porque quando eu decidi ir ver esses filmes, já ia com a ideia pré-concebida e com a expectativa de ver MAUS filmes, e que com isso me conseguisse divertir um pouco. E nesse aspecto, não fiquei minimamente desiludida.

A lista que se segue é daqueles filmes que eu considerei maus, penosos de ver... e que me desiludiram de sobremaneira, pois as expectativas aquando do visionamento eram grandes e foram violentamente defraudadas. (A ordem é do menos mau, para o pior)

Rescue Dawn
Não é um filme mau, mas foi uma enorme desilusão. Christian Bale carrega o filme às costas, mas exigia-se mais. Havia potencial para drama humano, e viveu-se aborrecimento, e inúmeros olhares para o relógio a ver se passava o tempo...

Beowulf
A animação está sofrível, o 3D está sofrível, as interpretações não são boas, o argumento até podia ter dado uma obra interessante, mas a realização tarefeira impediu-o.

Il Caimano
A palavra que melhor descreve este filme é "ridículo". Não sei o que Nanni Moretti pretendia com este filme. Que ele fosse ridículo, não era de certeza. Na minha pessoa teve zero em qualquer tipo de impacto que o realizador pretendesse.

Half Nelson
Se Half Nelson queria mostrar alguém sem rumo, sem interesses, sem nada... consegui-o. Mas conseguiu-o de uma forme irritante, por vezes demasiado intrusiva e num tom quase condescendente (as crianças a debitarem artigos da Constituição americana atingem um novo nível baixo no cinema). Cinema é inexistente, e cenas supérfluas abundam.

Ils
Amadorismo puro. Truques básicos para "meter medo" ao espectador. Produção quase caseira. E chega isto a uma sala de cinema...

300
Já com Sin City sucedeu a mesma coisa. Aparece alguém a filmar algo com uma estética diferente, e supostamente bonita, que quem vê, vê apenas isso, e esquece-se de olhar para as personagens e argumento. Estética artística e inovadora talvez. Cinema, personagens, argumento é que não habitam aqui.

Hot Fuzz
Uma comédia é suposto fazer o espectador rir. Esta fez-me bocejar. Pretendia (a pretensão é por demais óbvia) ser uma sátira aos grandes blockbusters de acção de Hollywood. Mas o facto de se levar tão a sério nesse seu objectivo estragou tudo. No tom de gozo com esse tipo de filmes, Shoot 'Em Up é muito melhor (se bem que seja um mau filme, também...)

Corrupção
Banalidades atrás de banalidades, uma das bandas sonoras mais irritantes e absurdas dos últimos tempos, personagens irritantes, que em vez de parecerem reais, estavam a debitar texto, obrigando-me mais uma vez a pôr um filme português nos piores do ano...

Last King of Scotland
Não consigo encontrar algo para dizer bem. É tudo tão exagerado que os pontos que se quisessem marcar, foram todos ao lado.

El Laberinto del Fauno
O filme de 2007 que tem a coragem de olhar o espectador nos olhos e dizer-lhe: "Eu acho que você é burro, portanto vou ser simplista e fazer dos bons muito bons e dos maus muito maus. E como agora até parece que está na moda, vou fazer isto misturado com uma fantasiazita metida a martelo, que é para você achar que eu sou o maior". E se há coisa que eu detesto... é que façam de mim burra!

28.12.07

Presente de Natal No.1


Entrega mesmo na mouche! Este petisco, presente de Natal de moi para myself chegou cá a casa no dia 24 de Dezembro, mesmo a tempo de tornar o meu Natal (cinefilamente) mais aconchegante.

Edição irrepreensível em blu-ray, quer na quantidade quer na qualidade dos extras, na qualidade de imagem dos cuts "extra" e, sobretudo, na estarrecedora qualidade de imagem e som do "final cut". Blade Runner como nunca foi visto, literalmente.

27.12.07

Call Girl - É Cinema, foda-se!


António Pedro Vasconcelos já havia garantido destaque no ano de cinema, ao assinar um interessante artigo, sem papas na língua, onde aproveitava um filme(?) sobre Zinédine Zidane para desmontar toda uma visão das supostas elites nacionais sobre a Arte, neste caso particular o cinema. Excessivo e contundente, como o não podem deixar de ser artigos na linha do direito à indignação consagrado pelo então Presidente da República Mário Soares, APV colocou o dedo na ferida. Teve ainda o mérito de assinar o cognome mais divertido do ano, retratando o (unanimemente endeusado em certos círculos e respectivos apaniguados) Pedro Costa como “cineasta oficial do bairro das Fontaínhas”.

Agora, com o Dezembro prestes a expirar, surge Call Girl, a grande surpresa do ano. Marcado pela citação cinéfila descarada e utilização desavergonhada de calão, trata-se de um objecto de alto entretenimento. Esta deliciosa diversão, crítica ácida e mordaz aos protagonistas públicos e anónimos do Portugal contemporâneo, é uma espécie de acto de fé do realizador no cinema de massas que tanto defende. E nessa vertente é um objecto plenamente conseguido, mostrando que o olhar pessoal não é inconciliável com uma dimensão popular, e que tal é válido também neste Portugal de hoje, porventura o menos cinematográfico dos Países.

Call Girl é, também, um objecto limite, na medida em que todos os personagens centrais assumem uma dimensão de arquétipos no limite do estereótipo, numa estrutura eficaz que reforça o contraste entre uma irrealidade só possível no cinema e o contexto que remete directamente para a mais próxima actualidade, dita real. Todos os protagonistas, irrepreensivelmente dirigidos, arrancam interpretações de gabarito, com Soraia Chaves, Ivo Canelas e mesmo Joaquim de Almeida a atingirem o pico das respectivas carreiras. José Raposo e Nicolau Breyner estão ao nível do melhor que já fizeram.

Uma última nota para a extensa galeria de secundários, ela própria elemento de ligação ao suposto real, quase todos participações icónicas extremamente conseguidas, onde mesmo assim destaco o ministro yuppie de Virgílio Castelo, a fazer lembrar algumas figuras do socratismo.

Call Girl está longe de ser um filme perfeito ou cinema para a posteridade, mas é um tal tour de force de crença do seu autor na sua ideia de cinema, que esqueço qualquer defeito que possa ter e recomendo-o viva e incondicionalmente.

25.12.07

Piores do Ano (João Eira)

Foi um ano de tal forma recheado de mau cinema, que, mesmo descontando produtos cuja única ambição é permitir à mole humana desligar o cérebro durante duas horas, me vi na contingência de ter umas boas duas dúzias de filmes a merecerem destaque negativo. Assim, não conseguindo escolher entre os deméritos dos diversos concorrentes, a lista contém 20 em vez do tradicionais 10 filmes. A ordem é a da estreia nas salas nacionais.

Assalto e Intromissão (Breaking and Entering)

Minghella ganhou o Óscar ao terceiro filme que fez, o épico romântico The English Patient, revivalismo menor do cinema de grande espectáculo dos anos 60, a espaços belíssimo e comovente. Desde então tornou-se especialista em transformar tudo o que toca em pastelaria massuda, seca e com propriedades suporíferas inusitadas. O seu trabalho deste ano acrescenta aspectos que o constituem como um tratado de lixo politicamente correcto pronto a servir, versando temáticas como a comunicação entre culturas e a emigração. Vem, claro, disfarçado de drama urbano e moderno para que as classes médias educadas do mundo ocidental globalizado se sintam devidamente aconchegadas.

O Último Rei da Escócia (Last King of Scotland)

Não há ano que passe também sem o filme do complexo de culpa sobre a situação em África. Este retrato do ditador ugandês Idi Amin Dada é tão fraquinho que o que fica nem sequer é o habitual olhar paternalista sobre o continente, mas o trinómio da realização de pedreiro, direcção de actores inexistente e de um esboço de narrativa tão débil que só se faz notar pela adulteração de aspectos históricos factuais.

Encurralados (Half Nelson)


Uma das muitas trapalhadas indie que fazem o furor em certas “comunidades artísticas”. A temática fascinante deste filme é a nulidade da vida de alguém que faz tudo para ser… uma nulidade. Não espanta assim que a aclamada interpretação de Ryan Gosling se limite a uma deambulação pelos cenários do filme. No entanto, e para que o espectador não fique com dúvidas sobre a seriedade da coisa, há muitas imagens de bandeira americanas, intervenções do presidente Bush e uns inserts irritantes de criancinhas a recitar artigos da constituição americana. Afinal havia mensagem! A relação com o resto? Nenhuma, mas certamente estaremos perante mais um dos retumbantes méritos que me passaram ao lado…

O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno)

Maniqueísmo de alcova, usa uma historieta de fantasia amadora para mostrar como os maus são mesmo maus e os bons são sempre bons. Narrativamente inconsequente, visualmente grotesco, ideologicamente aviltante, é forte candidato a filme mais repugnante do ano.

O Caimão (Il Caimano)
Nani Moretti é o menino querido da esquerda europeia e um cineasta com talento. Mas aqui espalha-se ao comprido, quando cede ao mais fácil populismo que pretende criticar e apresenta um Berlusconi ridiculamente cartoonesco. Seria tolerável, não fosse o facto de o filme se levar(muito) a sério.

300 (300)

“O cinema do futuro”, proclamam alguns. Se isto é o futuro, então prefiro viver no passado. A prova de que a tecnologia não serve para nada quando se tem um bruto na realização. Rodriguez tem a mesma subtileza dos guerreiros espartanos, mas o Xerxes amaneirado de Rodrigo Santoro merece a gargalhada do ano.

Sunshine - Missão Solar (Sunshine)

Danny Boyle volta a não desiludir, agora no território de super produção. Cheio de efeitos de câmara da estirpe “olha que esperto que eu sou” e metáforas adolescentes e com um sentido de espectáculo de um padre da Opus Dei, Boyle continua o seu caminho de cineasta irrelevante que não vai a lado nenhum.

Shortbus

Mais um darling indie, consagrado em tudo quanto foi festival. Um filme que aposta na aberração como um conceito de cinema. Começa com uma pirueta auto ejaculatória, passa por um threesome homossexual, mas, sejamos justos, não esquece o lado hetero e também somos bafejados com umas cenas de sexo explícito entre uma chinesa frígida e diversos parceiros. Que em complemento apenas sejam servidas umas quantas frases pomposas, disfarçadas de diálogos existenciais, não parece incomodar quem cauciona como arte esta pornografia de sarjeta.

Piratas das Caraíbas nos Confins do Mundo (Pirates of Caribeean 3)

O blockbuster do ano consegue arrastar por 3 horas(!) um completo vácuo de ideias, personagens ou narrativa. Já nem Johnny Depp salvo o barco do naufrágio. Volta Errol Flynn!

Hostel 2 (Hostel: Part II)

Quando a exploração gratuita da humilhação humana para fins meramente comerciais de promoção de um produto, como se da venda de um detergente ou um chocolate se tratasse, atinge a depuração deste Hostel 2, é razão para questionarmos se merecemos a designação de animais racionais.

Next – Sem Alternativa (Next)

O argumento queijo suíço do ano, temperado pela peruca de Nicholas Cage e por um final que gera tal incredulidade que é preciso rever para acreditar. Talvez o facto de descobrirmos no fim que mais de metade do que vimos era apenas um sonho seja a forma de Tamahori admitir que o seu filme não tem ponta por onde se lhe pegue.

Um Coração Poderoso (A Mighty Heart)

Telefilme filmado em estilo documental-verité, onde Angelina Jolie passeia o seu sotaque (é sempre o mesmo faça ela de francesa, grega ou de monstro CGI) durante 2 horas, numa obra cuja temperatura é um constante zero absoluto. Não existe vida possível nesta secura de personagens ou visão de qualquer tipo.

O Reino (The Kingdom)

Logo no genérico o cheiro a podre invade a sala, quando levamos com um power point de história para atrasados mentais. Mas a coisa piora, pois o filme alia a uma visão estereotipada de tudo (sem excepção) o que mostra a realização de Peter Berg, um verdadeiro manual de como não filmar.

Eles (Ils)


Terror francês baseado em factos reais. Amador é a única palavra que me ocorre em relação a este filme.

Corrupção

Numa sala cheia os espectadores, lisboetas e a maioria certamente não portistas, saíam dizendo “o pior filme que já vi” e outros epítetos que tais. O êxito do filme talvez venha comprovar que o espectador português não procura propriamente um bom filme quando vai ao cinema, mas outras coisas. É difícil escolher por onde pegar em Corrupção, mas talvez o contraste entre o pretensiosismo do tom declamativo dos personagens e a piroseira da banda sonora e de alguns diálogos seja o que torna este objecto verdadeiramente único.

Zidane, um retrato do Século XXI (Zidane, un portrait du 21e siècle)

Zidane filmado de todos os ângulos possíveis e imaginários (parece que foram doze câmaras), complementado com frasezinhas bonitas e um noticiário ao intervalo é o que há para oferecer aqui. Alguém disse que isto era o “ocaso do próprio cinema, como a grande arte do século XX”. Eu acho que se houver juízo, isto será sim o ocaso da dupla de autores como cineastas, pois que ninguém com juízo voltará a deixar estes senhores tocar numa câmara e muito menos investir o seu precioso dinheirinho em coisas destas. Claro que há sempre uns ministros da Cultura prontos a brincar com o dinheiro dos outros, mas isso são outras conversas.

Control

Pose, tratamento tonal a preto e branco exemplar e banda de referência para uma geração. Ingredientes para um filme de culto. Mas, e cinema?

Hot Fuzz - Esquadrão de Província (Hot Fuzz)

A patetice do ano. Na ânsia de ridicularizar para sacar gargalhada, colecciona estereótipos e consegue a proeza de falhar o timing cómico em todos os gags. Dormi uns bons dez minutos lá para o meio, coisa que nunca me aconteceu num filme de Michael Bay.

Peões em Jogo (Lions for Lambs)

A grande desilusão do ano. Redford acordou chateado e sacou um valente berro contra a indiferença. Mas ficou por aí e Lions for Lambs não passa de um inconsequente, primário e manipulador conjunto de clichés, convocando uma seriedade e uma pretensão de revolta contra o status quo, para a qual não oferece suporte dramático. Na ânsia da propaganda ficaram por dimensionar personagens, situações, realidades. Fica o panfleto político, mas, nessa área, o Bloco de Esquerda é bem mais eficaz.

24.12.07

Breve elogio ao Natal através da sua ausência (pelos olhos do Cinema)

* Cena de «Catch Me If You Can» (Spielberg, 2002)

Quando Leonardo DiCaprio olha do lado de fora da janela para a casa onde a sua mãe e um homem e uma criança que desconhece celebram o Natal – naquela que é a mais assombrosa cena de «Catch Me If You Can» e um dos quadros cinematográficos mais desencantados de sempre – ele olha sobretudo para a impossibilidade de habitar aquela casa e, nesse sentido, para a ausência absoluta do Natal enquanto espaço afectivo.

Daí que o Natal se construa também sobre o imenso peso da sua falta. Ele vem efectivamente preencher algo. Sendo que esse algo – no absoluto dos absolutos – é precisamente a sua ausência. Sentir o Natal a partir do «não-Natal» é verificar a sua grandeza e omnipresença. Não vejo melhor elogio que se lhe possa fazer.

Votos de um feliz Natal.

13.12.07

Afinal era tão simples...

Desilusão para muitos que conceberam as mais rocambolescas fantasias a propósito disto. Mas o filme não deixa de ser jeitoso...

7.12.07

Era uma vez...


«Enchanted», o novo filme da Disney, recupera precisamente o fulgor encantatório do «Era uma vez…» enquanto gesto primitivo associado ao imaginário das grandes histórias de fantasia e devolve ao espectador a possibilidade de voltar a acreditar. Acreditar em quê? Na fábula enquanto reconquista e celebração do nosso olhar de criança.

Aceitamos o desafio. Era uma vez, pois. Era uma vez uma princesa cantora e um príncipe caçador de monstros que viviam num reino de fantasia à procura do amor eterno. Conhecem-se de manhã, apaixonam-se à tarde e decidem casar e viver felizes para sempre no dia seguinte. Era uma vez também uma rainha malvada que antes do casamento recorre aos seus maléficos poderes para enviar a princesa… para o mundo real. Esse mundo real é a Nova Iorque dos dias de hoje, habitada por personagens frágeis, descrentes e toldadas pelo cinismo dos tempos.

Do choque destes dois mundos nasce toda a magia, um verdadeiro caldeirão de emoções, música e cor cozinhado com a mestria, mas sobretudo com o coração e a memória, da grande herança da Disney. Este filme merece aliás destaque porque não cai no recorrente erro de pensar que basta criar meia dúzia de bonecos falantes ou de príncipes andantes para se construir uma história de fantasia. Ao acreditar verdadeiramente na sua história e nas suas personagens, ao deixar a magia surgir e crescer, «Enchanted» assume-se como uma história de fantasia na sua mais genuína matriz.

A fantasia – a verdadeira fantasia – nasce sempre das personagens e da descoberta que elas fazem (da magia) do mundo e delas próprias. E «Enchanted» nunca tem medo de arriscar essa descoberta e ousa continuamente expor as suas personagens à interrogação capital: pode a fantasia sobreviver à realidade? Ou: ainda há espaço para o sonho fora dos contos de fadas? A resposta é-nos dada pela Disney em todo o seu esplendor e a revelação dessa verdade profunda não podia ser mais encantadora. De resto, é sempre reconfortante saber que uma história de amor ainda se pode decidir numa dança de baile antes das 12 badaladas…

1.12.07

A Tragédia e o Corpo



Finalmente! Digo isto com grande alívio por saber que, vários meses após Inland Empire, é possível encontrar no cinema mais um dos grandes filmes deste ano (que, infelizmente, não foram muitos). Depois de um mergulho profundo no autorismo clássico fordiano com History of Violence, Cronenberg mantém a sua genética cinematográfica no seu mais recente filme - Eastern Promises – reencontrando a biologia do corpo humano como a sua mais iminente e irreversível tragédia. Recentemente, tive a oportunidade de ver o vídeo de uma entrevista de Cronenberg (o Tiago Costa já aqui o colocou) em que o cineasta canadiano se referia ao prolongamento invulgar das suas sequências mais gore e violentas.

Explicava então que a maioria dos filmes corta a sequência antes de acontecer a violação do corpo (um corte de navalha, uma facada, etc), enquanto os seus filmes pretendem explorar um conjunto de reacções desconcertantes que nos assombram ao vermos os segundos seguintes – isto é: a morte do corpo. Mais do que a morte, a própria tentativa biológica do corpo combater a sua morte, o seu destino. Cronenberg torna-se assim uma espécie de encenador operático dos trágicos destinos do nosso corpo, resgatando a gore enquanto estilo vulgarmente associado a série b para um estado de sublimação e catarse da alma humana. Daí que, quando vemos Viggo Mortensen a combater nu e o seu sangue a fundir o corpo com o gélido cenário (e ambos na presença aterrorizante da morte), nada parece estranho nem gratuito. Tudo está contextualizado e pertence a uma realidade formal que o cineasta cuidadosamente preparou e concretizou. Mais do que isso, essa realidade de combater desnudado é quase imposta pelo próprio filme e estranho seria manter-se com a toalha colocada durante a sequência toda. É num certo sentido, a irreversibilidade cronenberguiana. A irreversibilidade da sua tragédia e da sua narrativa.

A história da máfia russa em terras inglesas ajuda a compor um imaginário que, para muitos, será desconcertante e para outros será demasiado próximo. Seja como for, as diferenças culturais serão convenientemente ultrapassadas (mais do que isso, serão assimiladas pelo próprio filme) à medida que se decompõe uma das mais comoventes histórias de amor que o cineasta alguma vez filmou. A dor de Eastern Promises é a mais biológica de todas: a dor de perder um filho. E Cronenberg filma Naomi Watts como um corpo amputado de uma vida que parece querer a todo o custo recuperar numa outra forma (uma bebé que sobreviveu à morte da mãe). E o detalhe afectivo e pictórico de Viggo Mortensen é inquietante!