28.3.07

O que buscamos no Cinema?

Qualquer cinéfilo que se preze (ou, de forma mais lata, qualquer espectador minimamente interessado) encara o Cinema (também) como uma busca. Quer dizer, olha para as imagens em movimento que fazem o Cinema ser Cinema não como acto final ou absoluto mas como caminho. Numa outra formulação, porventura mais evidente, poder-se-á afirmar que o compromisso de sermos espectadores de Cinema é, desde logo, um compromisso de participação e de diálogo com as imagens que recebemos. Esse diálogo com as imagens só existe, no entanto, em sentido pleno, se buscarmos nelas alguma coisa (que, à partida, pode ser tudo, pois o Cinema é a Arte de todas as possibilidades).

O que buscamos, então, quando nos relacionamos com o Cinema? Trata-se, bem sei, de uma questão de irresistível e inultrapassável subjectividade. Mas sempre se poderá dizer, sem grandes imprudências, que buscamos primeiramente memórias. Acima de tudo, memórias. Que memórias? Desde logo, claro, as memórias que o cinematógrafo registou (não esquecer que, em termos naturalísticos, as imagens que vemos projectadas correspondem sempre a um passado). Depois, e sobretudo, buscamos imagens que perdurem em nós enquanto memórias (na nossa memória). Os anos passam e as memórias dos filmes que vemos aglutinam-se no nosso espírito, de tal modo que essas memórias se vão progressivamente transformando em memórias de memórias, num processo de tranquila eternização daquilo que é verdadeiramente marcante. O Cinema é a Arte da memória, pois claro.

Mas mais importante do que aglutinar essas memórias é saber o que fazer com elas. O que nos leva, por sua vez, a uma questão prévia: que tipo de memórias queremos guardar? Ou, noutra formulação, e retomando a questão anteriormente colocada: o que buscamos no Cinema? É esta a perspectiva que neste contexto mais me interessa, porque é nela, de facto, que pode habitar toda a subjectividade do mundo. Cada um de nós busca sempre algo de significativo nos filmes que vê, seja ele a transcendência ou simplesmente o impacto estético, intelectual, emocional ou moral de uma grande história. É claro que qualquer uma dessas dimensões pode coexistir no mesmo filme ou no mesmo espectador. Mas no limite há sempre algo que nos faz correr mais longe…

Pela minha parte, esse “algo” que me faz correr mais longe é o radicalismo. O que mais me mobiliza na minha relação com o Cinema é, de facto, a busca de imagens radicais. E com radicalismo pretendo acentuar as experiências mais próximas das margens do que do centro, que desafiem o olhar para além dos normais desafios da vida. Esta busca do radicalismo é, no fundo, como bem se compreende, uma busca da transcendentalidade (da Arte) das coisas. Certo é que esse radicalismo se pode manifestar nas mais diversas configurações, ter as mais diversas fontes e resultar das mais diversas conjugações. Por exemplo: o radicalismo formal, que dissocia som e imagem, presente em «India Song» (Duras, 75); a obsessão radical vivida por “Scottie” em «Vertigo» (Hitchcock, 58); a viagem ao infinito de «2001: A Space Odyssey» (Kubrick, 68); a transcendência de «Persona» (Bergman, 66); a forma como a incapacidade de amar é retratada em «L’Eclisse» (Antonioni, 62); o abismo que habita o olhar de Anne em «Vredens Dag» (Dreyer, 43); a trepidante evocação de memórias de «Zerkalo» (Tarkovsky, 75); a relação intelectual entre homem e mito presente em «Young Mr. Lincoln» (Ford, 39); a dolorosa busca de amor protagonizada por David em «Artificial Intelligence: AI» (Spielberg, 01), etc.

Vinha tudo isto a propósito de «The Fountain», filme de muitos radicalismos. Ponto a retomar num próximo texto...

25.3.07

Morte para lá da vida



Um filme tão luminescente como a própria vida. Nas lágrimas de Hugh Jackman reencontro o meu próprio desespero da morte. Não a minha, mas a do meu próximo; alguém que, por egoísmo meu, tento manter presa a mim mesmo, ainda que ela própria já não o deseje. No olhar dela (rainha ou escritora, confesso que ainda não me decidi) sente-se a consciência da morte e uma serenidade que delicadamente a contradiz e a transforma numa espécie de anacronismo afectivo (perdida algures nas suas duas personagens divididas pelo tempo e reunidas numa mesma tragédia). Nela misturam-se diferentes olhares: a tristeza do real, a possibilidade de fantástico, o misticismo de diferentes transcendências, mas, antes do mais, sente-se nela o olhar de uma criança que redescobriu que, afinal de contas, a morte não é o fim. Não por (como uma criança) não saber que existe morte, mas por reaprender a viver com ela.

«The Fountain», de Darren Aronofsky encerra a primeira trilogia de filmes do cineasta e, apesar de tematicamente distantes, há sempre uma iminência carnal que partilham: o braço roxo e apodrecido de Jared Leto em «Requiem for a Dream», por exemplo, pode ser reencontrado no dedo anelar de Hugh Jackman que ele próprio, obsessivamente, feriu para marcar no corpo uma memória que quer manter sempre consigo, até ao fim dos tempos. A câmara de Aronofsky mantém-se atenta à rotina das coreografias banais do corpo humano, deliciada pela possibilidade de as filmar como se nada mais no mundo existisse além da mímica do nosso próprio corpo. E, curiosamente, para um cineasta tão obcecado por pequenas referências visuais, «The Fountain» é um filme que, à falta de melhor palavra, é incrivelmente espiritual. Não só por convocar essa temática, mas também por filmar os seus actores com uma proximidade que coloca em causa a sua própria intimidade, as suas próprias ideias e crenças.

Nunca será demais relembrar a qualidade da prestação dos actores, sobretudo de Hugh Jackman cuja entrega mental e afectiva comove para lá dos dilemas da própria personagem. «The Fountain» é um acontecimento nuclear da segunda metade desta década e absolutamente obrigatório.

24.3.07

A peça a mais

Era, à partida, um filme de risco. Il Caimano, no entanto, recupera a tradição da comédia popular italiana, injecta-lhe inteligência político-social, tempera-a com uma honesta revisão do melodrama familiar, e quase sem que nos apercebamos constrói, em surdina, um eficaz fresco da Itália de Berlusconi, questionando mais o desnorte dos italianos (na tão hilariante quanto intrigante personagem do produtor) do que a megalomania do seu dirigente.
Pena que Moretti, na recta final e após uma magistral sequência de cinema, escolha personalizar o seu ódio já público a Berlusconi e vista ele próprio a pele do caimão, destituindo o filme, em poucos minutos, de uma vitalidade e de uma panorâmica mais global que até então, apesar de desequilíbrios narrativos e de momentos cómicos a oscilar entre o inspirado e o excessivamente histriónico, conseguira ter.

Il Caimano, afinal, é um filme político em todos os segundos da sua duração, mesmo quando Berlusconi não surge ilustrado ou em pessoa no écran - é-o no sentido em que os destinos que as vidas tomam são irremediavelmente contaminados pelo cenário em que evoluem, pelas decisões ou indecisões colectivas que afectam cada indivíduo em particular, podendo mesmo, em última instância, corroer o núcleo familiar - é esta a faceta mais rica do filme, aliás. Moretti compreende-o na perfeição, sendo por isso de lamentar o seu grito final, sublinhado a traço grosso, concretizando algo a que a abstracção conferiria um muito mais interessante desfecho. Não resistiu a deixar o seu Lego por completar...

O Grande Silêncio

Face a um objecto como Epic Movie, as palavras escasseiam.
Aliás, só me ocorre uma imagem para resumir esta épica obra.
Aí está ela.
Sim, porque nem a um verdadeiro excremento Epic Movie consegue assemelhar-se. Um dos piores "filmes" de sempre.

18.3.07

The Age of Innocence

O que mais me fascina neste filme de Martin Scorsese é a contenção dramática com que todo aquele universo é filmado. As relações humanas, construídas através de sentimentos e emoções escondidas, são de uma densidade psicológica tal que o próprio Scorsese afirmou que, sem ter uma gota de sangue, este é o seu filme mais violento.

Repare-se, por exemplo, no jantar de despedida de Ellen. A despedida é isso: um jantar com uma multidão, onde os sentimentos não se podem revelar e as emoções têm que ser controladas. E então, Ellen abandona o jantar, dirigindo-se à sua carroça, como se se tratasse de mais uma casualidade e como se fossem voltar a estar juntos no dia seguinte: Newland não lhe disse adeus, nem a ficou a ver a afastar-se, não porque não desejasse, mas devido à sociedade em que se inserem. É a grande proeza de Scorsese, conseguir mostrar o que existe por dentro das personagens, mesmo que isso não seja visível cá fora; captar a frieza do que se vê, contrastando-a com um sentimentalismo invisível. E, por isso mesmo, The Age of Innocence é também um filme profundamente comovente.

16.3.07

Criterion em Março

O destaque vai para The Burmese Harp de Kon Ichikawa. Os detalhes das edições são os seguintes:
The Burmese Harp
Fires on the Plain de Kon Ichikawa
The Naked City de Jules Dassin

15.3.07

A Fonte Pariu um Rato


Depois de seis anos de ausência, o prodígio Aronofsky está de volta. Deixando para trás a originalidade demencial de Pi (1998) e a viagem aos infernos de Requiem for a Dream (2000), o realizador não fez a coisa por menos e decidiu tratar o tema da vida eterna. Após atribuladas discussões, badaladas notícias, reduções de orçamento, trocas de actor principal e anúncios de abandono, o filme aí está, protagonizado pela companheira do realizador Rachel Weisz e pelo australiano Hugh Jackman.

O fio narrativo condutor não podia ser mais simples - Tom Creo (Hugh Jackman) procura desesperadamente encontrar uma cura para o cancro, travando assim a eminente morte da sua mulher Izzi (Rachel Weisz). Paralelamente existem outras duas linhas, uma no tempo da Espanha dos Conquistadores e outra num futuro indefinido, que servem como extensões figurativas da busca de Tom, procurando atingir uma ideia - nunca conseguida aliás - de adimensionalidade temporal e espacial da busca.

Aronofsky centra toda a dinâmica de emoções do filme na relação de Jackman com a mulher e, em particular, no aceitar da morte desta. Talvez o único sucesso do filme seja mesmo a forma como é conseguida em poucas imagens, com alguma subtileza (que falta ao resto do filme) e adoptando uma estética de close-ups, consubstanciar o laço transcendente que une os dois seres e a tragédia íntima que os ameaça.

Partindo daqui eram quase infinitos os caminhos que Aronofsky poderia trilhar, tantos quantas as possibilidades filosóficas, ontológicas, éticas e humanas este tema poderia abarcar. Infelizmente, o escolhido foi a auto-estrada da facilidade.

Respondendo ao que não deveria responder, mostrando aquilo que deveria ser o insondável, o filme embarca numa viagem que converge progressivamente para uma validação de um misticismo new-age, vindo desembocar num simplismo que não pode deixar de ser sancionado. Esteticamente, as imagens apresentadas no sentido da artificialidade, tomando o kitsch o lugar do clímax emocional. A hipnotizante música de Clint Mansell bem tenta resgatar as imagens do espartilho de realismo alucinado, mas não pode dar aquilo que não está lá, conduzindo à esquizofrenia sensorial inevitável - por mais que queiramos aquilo que vemos não é aquilo que estamos a ouvir.

The Fountain é como aqueles detergentes que tem a embalagem mais bonita e a melhor campanha de publicidade, mas que no fim da lavagem deixam as nódoas mais difíceis todas na roupa.

13.3.07

Imortalidade em/do Cinema

The Fountain é um filme que nos fala, a partir de uma história de amor, da busca da imortalidade. E é, também, um filme diferente de qualquer coisa que alguma vez tenha sido feita, na forma como a viagem de Tom (Hugh Jackman) é desenvolvida, para descobrir como ultrapassar a morte. Aronofsky arriscou, e entregou-se, assim como os actores, de forma total ao filme, o que se nota acima de tudo na forma como os actores são filmados, em especial Jackman, que tem uma interpretação magnífica.

Acreditem quando vos digo que adoraria estar aqui a dizer que The Fountain é uma das histórias de amor mais transcendentes alguma vez filmadas. Mas a verdade é que senti sempre um grande distanciamento face às personagens no presente, e consequentemente à busca de Hugh Jackman que se desenvolve nas três linhas narrativas. Poderia entrar na onda de críticas (que não são poucas) que arrasam por completo o lado místico e simbólico do filme, mas não o farei, não porque considere essa vertente do filme magnífica, mas porque penso que não é aí que reside o problema.

Para mim, tudo parte da ligação emocional que se sente inicialmente com as personagens. Aqueles já muito criticados planos grandiosos de Hugh Jackman a flutuar no espaço dentro de uma bolha, entre outros, nada têm de oco ou de espalhafato visual. São completamente serviçais à narrativa e às personagens, e portanto é natural que, para nos identificarmos com eles, nos tenhamos também que, antes disso, identificar com a história que está a ser contada. Aliás, não se trata de uma mera identificação: o que os admiradores do filme descrevem é uma absoluta envolvência emocional, que realmente não senti.

Porque não? É, obviamente, a mais difícil das questões, em especial num filme com aspectos tão fascinantes. Com um só visionamento (e que não foi o melhor dos visionamentos, devido a fraca qualidade sonora e de projecção), posso dizer que umas das razões para esse distanciamento talvez tenha sido o facto de Darren Aronofsky nos colocar de imediato no meio da narrativa. Não temos qualquer informação (e muito menos desenvolvimento, claro) sobre o passado de Tom e Izzi (magnífica Rachel Weisz, também), mas somos de imediato inseridos na busca de Tom. Aronofsky aposta tudo na entrega dos actores (que é de facto, de louvar), mas comigo não foi suficiente.

A propósito, ainda esta semana tive a ver esse filme sublime que é o Solaris de Steven Soderbergh. Acho que tenho direito a esta comparação, na medida em que são dois filmes deste novo milénio, de ficção científica, e a lidar com a procura da imortalidade. Porém, ainda que tematicamente próximos (e são também próximos nas reacções drasticamente opostas que geram), são filmes com abordagens muito diferentes. O objectivo de Aronofsky ao contar aquela história é claro, a sua entrega emocional igualmente, a sua grandiosidade visual, idem. O de Soderbergh é muito mais subtil, as emoções e os sentimentos mais escondidos (basta comparar as interpretações de Clooney e Jackman; o primeiro sempre em extrema contenção dramática, o segundo tem várias cenas em que chora compulsivamente), e sim, também é visualmente belo, mas não grandioso.

Não querendo, à partida, criticar qualquer uma das diferentes abordagens, a verdade é que me senti, contrariamente ao que aconteceu em The Fountain, completamente envolvido no filme de Soderbergh, a ponto de o considerar uma das grandes obras desta década. Fascinou-me muito mais a surdez das emoções e dos sentimentos tão bem capturados p
or Soderbergh, tanto nos silêncios como nos diálogos. Senti-me muito mais envolvido na busca de Clooney, mais abstracta e contida, desde aquela espantosa cena em que a temática da imortalidade é definida, quando, em flashback, se encontra com a mulher pela primeira vez, e cita o poema de Dylan Thomas que o acompanhará em todo o filme. And death shall have no dominion. E sim, encontro muito mais desencantamento, muito mais as perturbações da solidão, em cada plano de cada olhar dos actores de Solaris e em cada frase que é dita e em cada uma que fica por dizer.

Mas, voltando ao filme de Aronofsky, é sem dúvida um filme que quero rever um dia. Uma das razões, é a já referida falta de condições em que o visionamento ocorreu. Outra, será procurar de forma mais clara as razões para ter sentido tal distanciamento. Ou quem sabe, para passados uns tempos, já não sentir tal distanciamento. O Cinema (e a arte em geral) também tem essa particularidade, em especial quando se trata de filmes tão radicais e que vêm directamente do fundo do coração de quem os faz, para a alma de cada espectador. E se The Fountain é alguma coisa, é um filme com alma e coração. Assim como outros filmes que estrearam recentemente. Lady in the Water, de M. Night Shyamalan, é um desses filmes. The New World, de Terrence Malick, é um desses filmes. E essa entrega total, será sempre de admirar. Até porque é ela que também garante a imortalidade do Cinema.

12.3.07

Entre o Poder Ser e o Ser

«The Good German» podia ter sido…
Um filme que, partindo das memórias e dos códigos do cinema dos 40’s do século passado, construísse um espaço cinematográfico capaz de projectar novas imagens e de gerar novas memórias. No fundo, um filme que aliasse a revisitação nostálgica das formas à construção de uma matéria narrativa que se bastasse a si própria. O que estaria em causa não seria, portanto, uma inconsequente ideia de grande citação cinéfila, mas sim uma meticulosa reconversão formal que permitisse acolher uma grande história de hoje. Ou seja, uma verdadeira viagem no tempo sem sair do seu tempo, a impossível vivência presente de um passado que paira em nós apenas sob a forma de nostalgia do não vivido. Só o Cinema, enquanto Arte de todos os impossíveis, é capaz de nos fazer ter saudades de algo que não vivemos. Pedia-se a Soderbergh que acreditasse simplesmente nas possibilidades infinitas do Cinema…

«The Good German» acaba por ser…
Um filme que parte de um conjunto de referências formais e narrativas do cinema dos 40’s do século passado, mas que se mostra incapaz de as utilizar para atingir algo de significativo. Estamos, assim, perante um filme ao mesmo tempo parasitário e falido: vive das formas alheias e mostra-se totalmente inapto para construir novas imagens. O que acaba por ser trágico em «The Good German» é o seu vazio existencial, a sua infertilidade narrativa e a sua enorme debilidade cinematográfica. No limite, a falência deste filme está na sua incapacidade de produzir novas memórias. Nem sequer funciona como campo cinematográfico de reconversão: as memórias que guardamos de «The Good German» são simplesmente as memórias dos filmes que evoca.

Entre aquilo que «The Good German» podia ter sido e aquilo que acaba por ser está a medida do falhanço de Steven Soderbergh, esse verdadeiro cientista da imagem que aqui se limitou a recolher material sem chegar a experimentar fosse o que fosse.

9.3.07

The Tales of Hoffman

Que filme sem alma e sem chama, este Powell/Pressburger absolutamente falhado. Seria supostamente uma reflexão sobre a relação entre o amor e a arte, mas o carácter propositadamente episódico a juntar à repetitividade e redundância de algumas sequências musicais, impede que as ideias dramáticas floresçam e que as ideias cinematográficas (porque as há, ou não se tratasse de Powell/Pressburger...) se sobreponham à falta de pertinência narrativa. Com uma temática idêntica (ainda que num registo completamente diferente, claro), há esse filme sublimíssimo chamado The Red Shoes.

P.S.: Esta capa da edição criterion é que é qualquer coisa de magnífico...

Renascer

Dizer que esta sequência final de Brigadoon é um verdadeiro milagre é dizer pouco. Um milagre é esse local chamado Brigadoon, onde os sonhos são realidade e, quanto à realidade, o contacto mais próximo é durante o sonho, quando essas vozes nostálgicas das gentes do mundo exterior tão desesperadamente procuram um lugar como aquele. Porém, o que aqui acontece, por Tommy amar tanto Fiona, já ultrapassa essa noção de milagre, e por isso é que esta é uma das mais belas cenas de sempre: é um milagre que, de certa forma, tem que ser quebrado, para que possa acontecer outro. Outro ainda mais transcendente e belo: um renascimento antes do tempo de renascer.

7.3.07

Silence

Two Jesuit priests, Sebastião Rodrigues and Francis Garrpe, travel to seventeenth century Japan under the Shogunate regime (which has isolated itself from all foreign contact) to see how the evangelical mission is going. There they witness the persecution of Japanese Christians at the hands of their own government, which wishes to purge Japan of all western influence. Eventually the priests separate and Rodrigues travels the countryside, wondering why God remains silent while His children suffer.

Se isto não tem potêncial para ser o melhor Scorsese de sempre, não sei o que terá. Depois dos vários projectos que se anunciaram, entre eles um de fantasia (!), quem me dera que fosse este o próximo Scorsese...

Confusões de Zhang Yimou...

1. Drama com número de mortes.
2. Grandiosidade de batalhas com multiplicação de soldados em CGI.

P.S.: Em Curse of the Golden Flower, o que resta da complexidade do argumento de Hero (essa obra-prima!), da beleza das imagens sempre ao serviço da narrativa, do desencanto das personagens e da subtileza das relações humanas? A resposta é bastante simples e encontra-se numa única palavra: nada.

Cinema em Silêncio

Uma breve nota para assinalar o visionamento de «Die Große Stille / O Grande Silêncio», seguramente uma das mais extraordinárias experiências cinematográficas de 2007. Este documentário de Philip Gröning oferece-nos uma reconfortante viagem ao interior da Grande Chartreuse, sede da Ordem dos Cartuxos, para documentar o permanente acto de fé dos monges que habitam o mosteiro. Convite, pois, a uma viagem espiritual a partir de uma meticulosa viagem documental.

O grande silêncio que o título do filme evoca está no auto-imposto emudecimento colectivo dos monges, mas não parece que estejamos perante um filme sobre o valor do silêncio, pelo menos em termos absolutos. Na verdade, este notável objecto de cinema parece querer instalar-se progressivamente nos sons da natureza e do mundo, ora acentuando a impossibilidade de filtragem de intromissões sonoras externas, ora procurando a simbiose com a natureza envolvente para poder respirar. É um silêncio de vozes, não um silêncio de sons. Dir-se-ia mesmo que é um silêncio de vozes para que se possa aceder precisamente a esses sons. Aos sons do mundo. Aos sons de tudo.

Mas o que importa verdadeiramente sublinhar aqui é que existe muito Cinema em «Die Große Stille», mais do que aquele que à partida podíamos imaginar. Gröning controla de forma notável o espaço e o tempo cinematográficos e apresenta um exímio trabalho de câmara, ora com grandes planos que parecem penetrar a alma, ora com planos gerais de uma tal sensibilidade que parecem permitir que alma penetre neles. É nesta dialéctica de planos e nesta verdadeira rima de imagens que o filme mais se transcende. O assombroso trabalho de montagem de Gröning faz-nos estremecer incessantemente e corta-nos literalmente a respiração. Como os sons ao silêncio.

6.3.07

Great Expectations

Porque os sonhos não são do tamanho do corpo, mas da alma, o pequeno Pip (órfão, habitante de uma pequena aldeia em Inglaterra) tinha uma grande esperança: tornar-se um gentleman. Porém, não era por questões sociais que o queria fazer, mas porque na casa de uma senhora estranha (Miss Havisham), que por um desgosto de amor há anos não saía para ver a luz do dia, conheceu Estella, por quem se apaixonou, que se viria a tornar uma mulher fria e sem coração, como ela própria se descreve.

As grandes esperanças de Pip acabam por se realizar, pois alguém anónimo decidiu financiar os seus estudos em Londres. A partir daqui, Great Expectations é uma reflexão sobre o amor, sob todas as suas formas e toda a complexidade que esteja associada à palavra. Por um lado, a instável relação com Estella (porque não é o estatudo social que nos traz os sonhos que queremos); por outro, as saudades daqueles que deixou, que mesmo não sendo a sua família era como se fossem, mas que agora estão tanto mais distanciados quanto mais estão juntos, pois é quando as diferenças dos caminhos que tomaram se tornam mais evidentes.

David Lean é talvez o maior dos cineastas ingleses, e este filme é mais uma prova disso. Great Expectations pode ser tão doloroso e desencantado como naquela cena em que Pip volta à sua aldeia e imagina as vozes dos "familiares" e o que lhe diriam se tivesse passado a noite na sua antiga casa, e não no hotel; e ao mesmo tempo tão belo como naquele sublime momento em que Pip abre finalmente as cortinas da velha casa de Miss Havisham. Há muitos anos, tinha sido por amor que Miss Havisham as fechara; agora, é também por amor que a luz do sol pode voltar a entrar pelas janelas para iluminar Pip e Estella.

4.3.07

Sonata para um Homem Bom

SPOILERS


Confesso que era minha intenção fazer este post sobre dois filmes, contrapondo-os e acentuando as suas diferenças, ao mesmo tempo que aplaudia a decisão da Academia em dar o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro a As Vidas dos Outros, em detrimento de O Labirinto do Fauno. Porém, o post que o Miguel escreveu, justificando a dua desilusão relativamente ao filme de del Toro (e que espelha, essencialmente os problemas que eu tive com o filme), tornou esse propósito algo irrelevante e redundante. Limitar-me-ei portanto a (tentar) enaltecer essa obra bem superior (e que bem esteve a Academia em reconhecê-lo!) que é As Vidas dos Outros.

Quando fui ver o filme, sabia apenas duas coisas: que era Alemão, e que tinha ganho o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Sabia também que várias pessoas minhas conhecidas tinham gostado dele. A curiosidade sobre ele ia aumentando.

Não esperava um filme assim. Que assente tanto na complexidade das suas personagens. É ideia comum que, num regime totalitário (estamos a falar, no caso concreto, da República Democrática Alemã - nome que, confesso, sempre me custou um pouco a aceitar, dado o seu contraste vincado com a realidade aí vivida), os partidários desse regime são todos maus, e quem luta contra ele são todos bons. Assim não acontece, e, durante 2 horas e um quarto, assistimos à alteração das convicções de um oficial da Stasi (Polícia Secreta da RDA), de seguidor do regime a traidor ao regime. De inimigo a amigo. De alguém a temer a alguém a agradecer.

As nossas certezas, bem como as das personagens, estão constantemente a ser abaladas. À medida que vai espiando e vivendo a vida de Georg (um dramaturgo, com muitas e sérias relações com outras pessoas contra o regime) e Christa-Maria (uma actriz, sua namorada e amante de um Ministro da RDA), o capitão Wiesler vai-se apercebendo que a vida não é preto e branco, tem toda uma escala de cinzentos. E, ao mesmo tempo que procura desempenhar com sucesso a sua missão, acaba por falhar miseravelmente. Porém, esse facto não o frustra, antes pelo contrário. Percebe-se que ele se sente algo realizado por ter tomado a atitude moralmente correcta.

No fim, pouco muda: o capitão solitário (e a solidão é um dos sentimentos melhor transmitidos pelo filme) torna-se apenas num civil solitário. As suas opções pouco mudaram a sua vida. Tirando talvez, o seu posto na Stasi.

A claustrofobia propositada que se sente em todo o filme é angustiante, e leva a uma empatia forte com as personagens. Não é uma claustrofobia manipulatória, e todos os personagens são bem reais. Não há ali unidimensionalismo básico, mas sim uma complexidade humana muito bem desenvolvida, e principalmente bem interpretada. É impossível não sentirmos simpatia por algumas das personagens. Devido a uma série opções de Wiesler, Georg e Christa-Maria vêem a sua vida alterada do curso que deveria seguir. Isto sem eles saberem. Já perto do final, Georg encontra o Ministro, amante da sua namorada, e pergunta-lhe porque nunca foi espiado. Quando sabe que não só foi espiado, mas que foi das pessoas mais vigiadas na altura, resolve investigar o porquê de nunca ter sido preso.

As últimas cenas, em que investiga o seu ficheiro de vigilância, em que descobre o responsável pela forma que a sua vida decorreu, e em que, finalmente lhe dedica o seu primeiro romance ("Sonata para um Homem Bom" - relevante, não só pelo título, como pela importância que uma outra obra de arte com esse título teve para si mesmo) são secas, quase impessoais, mas é aí que reside a sua emoção.

É material passível de fazer chegar lágrimas aos olhos. E para mais uma vez chegarmos à conclusão de que nem tudo o que parece... é.

3.3.07

Labirinto Sem Saída


El Labirinto del Fauno, o novo filme de Guillermo del Toro depois de Hellboy, aplaudido durante 22 minutos em Cannes e recebido tanto nos EUA como na Europa como a obra-prima de del Toro, revela-se uma das grandes desilusões dos últimos anos e um dos mais sobrevalorizados filmes da década. Algumas notas para justificar a minha opinião:

1) O retrato que del Toro faz da situação política é do mais básico que já se viu, através de uma oposição bons/maus absolutamente simplista. A personagem do Coronel não passa de um boneco sem o mínimo de densidade, e que apenas serve as intenções de manipulação emocional de del Toro. Manipulação que é, aliás, do mais insultuoso que pode haver, sem um pingo de honestidade. A cena com os caçadores de coelhos é por demais evidente. Ou frases com subtileza de elefante como a que o médico diz ao Coronel antes de morrer.

2) A acrescentar à manipulação emocional e à desonestidade das personagens, vem a violência gratuita, visualmente repugnante e sem suporte dramático que a justifique. A personagem do Coronel e as suas acções estão lá para chocar o espectador, e de facto o objectivo é alcançado: é realmente chocante que se confunda vilão, com caricatura básica sem dimensão que mata aleatoriamente tudo o que lhe aparece à frente.

3) O universo fantástico não é mais que um adereço visual e narrativo que só existe para enfeitar. Há uma ideia: a fuga ao mundo real. O resto é acrescentar bonecos sem propósito narrativo e um imaginário pobre e deja vu. A realização das três provas, a preferência pelo seu próprio sangue do que pelo sangue do irmão, etc., etc.: tudo previsível e já mais que visto. A propósito, perante um falhanço monumental deste calibre, vale a pena recuar 60 anos para recordar o Powell/Pressburger A Matter of Life and Death, filme fascinante onde - aí sim - a imaginação e o real, apesar de universos distintos, se reflectem um no outro de forma exemplar. Ou, para os mais esquecidos, podem recuar apenas um par de anos e encontrar esse clássico moderno absoluto que é Big Fish, de Tim Burton.

4) Todo o filme está cheio de pormenores de argumento que parecem de guião escrito numa noite porque tem que estar pronto no dia seguinte para começar a ser filmado. O facto dos rebeldes não levarem ou destruirem o cadeado para que a história possa continuar e ser descoberta a espia, roça o patético e o involuntariamente cómico. Mercedes não matar o Capitão e preferir deixá-lo com um sorriso à Joker para que possa haver cena de violência gratuita com ele a coser a boca, idem.

5) Resumindo: mesmo se o filme não fosse insultuoso e repugnante pelo retrato político básico e pela violência gratuita, continuaria a ser um tremendo falhanço cinematográfico, pelas personagens estereotipadas e caricaturais, pelo imaginário fraco e sem ideias, pela inconsequência do fantástico. Infelizmente, tem ainda essa agravante. Daí que, ainda que tecnicamente competente, não há mesmo volta a dar, nem ponto positivo que desculpe o resto. O labirinto de del Toro não tem saída.

1.3.07

Desilusão e Sobrevalorização

O primeiro pensamento que ocorre é o de amarga desilusão. O segundo, é ainda mais desconcertante: filme mais sobrevalorizado da década? Se não é, não anda longe. Comentário alargado brevemente.