31.12.08

Os Meus Heróis em 2008

Randy "The Ram" Robinson

Mike Terry

17.12.08

O Fado do Cansaço


É irónico pensar no desdém com que é encarado o cinema português pelo público em geral, grupo em que me incluí durante largos anos, e depois contrastá-lo com filmes como Amália, de Carlos Coelho da Silva, também responsável pela última encarnação nas salas d’O Crime do Padre Amaro. O intuito seria capturar na tela um pouco da alma do povo português na sua embaixatriz mais ilustre e celebrada, contando a sua história desde a infância até dez anos antes da sua morte. Coelho da Silva pretende logo impressionar com falsas demonstrações de domínio de câmara, que se vêm revelar inconsequentes e, pior que tudo, académicos, deixando o filme cair na fórmula já muito esbatida do biopic norte-americano. E se este modelo caduco pode já ter sido proveitoso, é totalmente desadequado para Amália Rodrigues, ao ponto de poder ser considerada heresia a desfiguração da pessoa em prol de uma acessibilidade mais banalizante telenovelesca.

Sandra Barata Belo é a única que consegue escapar com uma nesga de redenção, ainda que secundada por um dos piores e mais execráveis elencos dos últimos tempos. Entre os seus trunfos encontram-se diálogos glaciais e debitados à ameaça de bala, gags involuntários e sotaques forçados e ultrajantes, no qual se destaca o inenarrável “dialecto” brasileiro conjurado por Ricardo Carriço para César. A realização não consegue nunca ultrapassar a sua inapta condição atabalhoada e nem mesmo com um “modesto” orçamento de três milhões de euros foi capaz de se elevar para além do programático e do expectável. No entanto, existem certos momentos ou planos de câmara onde se sente o contentamento do maestro em incendiar vastas porções do orçamento. O remate final, já com o ecrã em negro, é “Dizem que morreu em 1999... enganam-se!”.

Numa nota mais pessoal e voyeurista, no final do visionamento, assisti a uma conversa entre uma turista francesa e a amiga portuguesa, que provavelmente a tinha levado a ver o filme para conhecer um pouco melhor a maior figura do mundo artístico português. A primeira estava desiludida, apontando ao filme muitas das suas falhas evidentes, ao que a segunda se desculpou dizendo “para português não está mau”. É este espírito de conformismo debilitante que tem de ser rapidamente combatido. Mas quando a filmes como Amália são financiados e publicitados tão colossalmente e objectos de verdadeiro fulgor artístico como Entre os Dedos são totalmente descartados e deixados ao abandono, é de concluir que não é de todo algo que seja culpa dos que visitam as salas de cinema em busca de alguma empatia. Se haviam esperanças que, tendo em conta a grandiloquência e imortalidade de Amália, pudesse surgir algo do qual se pudessem orgulhar, viram todas essas expectativas dissiparem-se velozmente. Amália merecia melhor. E o público também.

17.11.08

Preto e Branco: As Cores do Amor





* La Frontière de L'aube (Garrel, 2008), um dos filmes maiores deste ano

8.11.08

Serviços Mínimos


Depois do estrondoso sucesso de reinvenção artística e espectáculo que foi Casino Royale, a série Bond volta, por assim dizer, à banalidade que a caracterizou durante largos anos. Funcionando como sequela do filme anterior, num esquematismo transparente de sequência de acção-diálogo inconsequente-sequência de acção, The Quantum of Solace cumpre os mínimos para um filme deste orçamento e magnitude, mas não vai um milímetro além disso. As sequências de acção inspiram-se quase exclusivamente nos filmes de Jason Bourne, faltando no entanto a coerência estética e o domínio da "câmera nervosa" que Greengrass já desenvolveu. As miúdas russa e inglesa são, também elas, ecos de inúmeras bond girls anónimas, caras bonitas que rapidamente cairão nas brumas do esquecimento. Longe, muito longe de Eva Green e da sua Vesper Lynd. Mais que isto tudo, faltam personagens e narrativa, falta a complexidade piscológica que permeava o grande filme de acção que Casino Royale é. Salva-se o carisma que Daniel Craig continua a emprestar a Bond. Mas é pouco, muito pouco mesmo.

7.11.08

Noites de Treta


Também há filmes assim. Fedendo a pretensão por todos lados e cheios de maneirismos até ao tutano. Procura-se assim disfarçar através do excesso de artificialismo a completa vacuidade e desinspiração, se é que de facto se procurou alguma. Kar-Wai parece ter, como tantos antes dele, perdido completamente a sua matriz como criador ao converter-se à língua e produção ocidental. Uma espécie de filme do dia dos namorados em versão posh e in, este My Blueberry Nights faz-me dar graças pela possibilidade que o DVD nos dá de fazer fast-forward. Tempo perdido!

5.11.08

Redbelt ou O Método do Samurai

Por vezes é complicado tentar descortinar as razões pelas quais um determinado filme fica fora de um plano de estreias das distribuidoras. Mais complicado ainda quando se trata de uma obra de um dos mais aclamados dramaturgos dos nossos tempos. Não conquistou quaisquer prémios, não ganhou avultadas quantias nas bilheteiras nem foi o maior “querido” da crítica especializada americana. Factores que parecem ser suficientes para o descartar do mapa de estreias em Portugal ou para o atrasar indefinidamente até cair num pérfido esquecimento e precipitar um lançamento em loja. Irá ser uma das películas apresentadas fora de competição no Festival do Estoril este mês mas é uma acção evasiva ainda que louvável, tendo em conta que Redbelt de David Mamet é um dos grandes filmes (não) estreados em 2008 e uma das mais luminescentes surpresas do ano.

Conhecido maioritariamente pelo seu trabalho nos palcos enquanto famoso encenador e pelos textos tremendamente cerebrais e intelectualizáveis, o primeiro choque com que somos confrontados em Redbelt é a simplicidade e transparência que se abate em cada frame. Na sua essência é um filme de luta, uma actualização contemporânea do mito do samurai. Acompanha Mike Terry, um descomplicado treinador de jujitsu urbano, numa série de problemas que o fazem reavaliar ou reforçar a posição que assume na sua própria vida. Tudo começa quando numa noite como todas as outras, uma mulher em estado de pavor entra pelo seu dojo adentro e acidentalmente, em reacção a uma aproximação inofensiva de um dos discípulos de Terry, dispara uma arma carregada sobre uma das vitrines.

Tudo a partir daqui se desconstrói. A vida simples de Terry é posta em causa, inicialmente e só aparentemente, a seu favor. Defende um célebre actor numa luta de bar induzida pelo álcool e, por fazer nada mais que aquilo em que acredita, é pela primeira vez recompensado, algo que nunca desejou por nada que tivesse concretizado. Mas rápido o sonho impensado de prosperidade também se desmorona e Mike Terry é basicamente levado a entrar num combate, algo que sempre desprezou pelo puro desrespeito e falta de integridade no uso de métodos ancestrais de defesa e concentração meditacional para proveito monetário. Mas fá-lo porque não lhe resta outra solução para defender a sua honra e os princípios que regem e edificam a sua vida.

É aqui que é materializado o conceito de samurai, transposto para uma realidade palpável e quotidiana, de desilusão no mundo efémero que nos rodeia e nos atalhos comprometedores da integridade e da moralidade que todos seguimos para alcançarmos os nossos objectivos. Mas o único objectivo de vida de Mike Terry é a verdade, e nada mais lhe é precioso. Por isso mesmo é visto pelos seus antagonistas como um falhado que nada substanciará, desde um desprezível produtor de cinema à própria mulher que tanto ama. Chiwetel Ejiofor é de uma serenidade reveladora e ao longo do filme vai-nos mostrando a verdade em cada acto e palavra que define não só a sua personagem mas a filosofia de vida que adopta. Raramente se vê uma interpretação tão poderosa, valorosa e verdadeiramente transcendente num receptáculo tão silencioso e despretensioso. Quem vê Ejiofor a ultrapassar os limites do significado da definição de actor, pergunta-se como é possível continuar a não dar o merecido destaque a um actor que, na sua discreta excelência, tem mostrado tudo o que pode dar.

Não desmerecendo o elenco secundário, que inclui pessoas tão díspares quanto Tim Allen e Rodrigo Santoro, onde Mamet revela a sua destreza enquanto dramaturgo. Basta olhar para a personagem transfigurada e multidimensional da também sempre perfeita Emily Mortimer. Mal irrompe pela história, reconhece-se imediatamente o seu tumulto e o medo que exala por todos os poros, mesmo quando posteriormente se mostra enquanto uma profissional e eximia advogada. A relação não-amorosa travada entre Ejiofor e Mortimer é um dos prodígios cinematográficos do ano e de uma arrebatadora significância, tal como é a inesquecível encenação do cru e derradeiro confronto humano. Porque tal como Redbelt em si, guarda importantes segredos por detrás da sua enganadora simplicidade. Neste aspecto, e em muitos outros, esta obra de David Mamet é uma memorável e imensa lição de vida que raramente se vê reflectida com tamanha genuidade e certeza em cinema. Assim se recusa em cair no esquecimento.

American Dream

* Barack Obama, 44.º Presidente dos EUA
"The greatness of America lies not in being more enlightened than any other nation, but rather in her ability to repair her faults..." - Alexis de Tocqueville (1805-1859)

3.11.08

Redbelt

There is no situation that you could not escape from. There is no situation that you could not turn to your advantage.

Há coisas assim. Há filmes assim. Que nos lembram o que vale realmente a pena. Que nos remetem para a fidelidade aos nossos princípios de vida. Que mostram que o único caminho que interessa é aquele que nos dá a mais valiosa das recompensas: estarmos bem connosco próprios. O cinto? Serve apenas para segurar as calças...

31.10.08

2008: Love is in the air...

Elliot & Alma



Mr. Yee & Chia Chi


Juno & Paulie



Bobby & Amanda


WALL•E & EVE


W and Laura

2.10.08

Louisiana, Vampiros e Blues


Quando em 2001 estreou a primeira temporada de Six Feet Under não havia nada que a ela se assemelhasse no panorama televisivo. E quando a família Fisher se despediu há três anos, o legado que deixou ficar é igualmente raro. Ainda é muito cedo para traçar paralelismos com a nova série de Alan Ball, principalmente por serem objectos tão radicalmente diferentes que é quase impossível reconhecer uma origem comum. Mas também se pode fazer uma incontestável afirmação acerca de True Blood: nunca se viu nada assim em televisão.

Não por ser dramaticamente revolucionária e complexa como a anterior criação de Ball. Talvez por invocar elementos quase opostos. True Blood é puro pulp fiction, entretenimento exacerbado com uma história inconcebível, inspirada numa série de livros de Charlaine Harris que tem como heroína Sookie Stackhouse, uma empregada de restaurante que tem a peculiar capacidade de ler os pensamentos de todos os que a rodeiam. Ou melhor, quase todos. Numa noite quente nesta pequena vila do Louisiana, um vampiro entra no estabelecimento onde trabalha e, simultaneamente amedrontada e lasciva, percebe que não o consegue sondar. Se calhar deveria ter feito claro desde o início da exposição da premissa que esta história se passa num mundo paralelo muito semelhante ao nosso, com a diferença de agora os vampiros viverem entre os humanos depois de séculos de reclusão. Advento feito possível pela invenção de um novo sangue sintético que lhes permite ter toda a nutrição necessária sem o incómodo da exsanguinação mortal de humanos.

É neste distorcido universo que as personagens de True Blood moram. E elas são tão complexas na sua simplicidade quanto autênticas na forma como vivem. A linha narrativa principal segue os descobrimentos amorosos de Sookie e de Bill, o seu cortês e misterioso amigo. Nele a quase puritana e virginal Sookie, interpretada soberbamente pela prodigiosa Anna Paquin, encontra pela primeira vez um escape para a sua habilidade nata, uma atracção à qual ela resiste com toda a força da sua moral. Existe um tradicionalismo melodramático na forma como é construída esta relação e na forma quase conservadora como o romance evolui. Talvez porque os vampiros se tenham tornando em objectos de desejo sexual por parte dos comuns mortais e ela luta contra cair nesse estereótipo e em todos os perigos a ele associados.

Também existem Jason, irmão de Sookie e o seu completo oposto a nível de ética sexual, Tara, a sua atiçada melhor amiga, e uma série de interessantes personagens secundárias que injectam vida e sangue nas desventuras desta peculiar vila sulista. E é nestas soturnas e misteriosas ambiências do Sul que assenta toda a magnifica identidade visual da série. O calor incessante e sufocante dos dias (plácidos) e das noites (sórdidas), os blues sujos e pervertidos, a moralidade religiosa distorcida e os cenários pantanosos são idílicos no onirismo conjurado. Mais um lado da exploração de Allan Ball da luz e das trevas, da vida na morte. Apesar de ainda só quatro de doze episódios terem sido transmitidos, True Blood é inequivocamente a nova série a seguir esta temporada.

27.9.08

Paul Newman (1925-2008)

28.8.08

Monumental


Depois disto, torna-se ainda mais difícil sustentar a suposta genialidade da interpretação em Capote.

15.8.08

Encontros Mediatos de 1º Grau


Uma história de amor numa Terra abandonada... é a descrição mais curta que o novo prodígio da Pixar pode ter, um incontornável passo em frente de uma companhia dedicada a reimprimir na cultura popular aquilo que a Disney fez durante décadas. A premissa é já bem conhecida: Wall•E [Waste Allocation Load Lifter Earth-Class] é um robot encarregado de processar o entulho, agora a única coisa que resta no planeta Terra, lixo e vestígios de uma civilização que por um ou outro motivo o abdicou. Sozinho num mundo inóspito e sem sinais de vida para além da dele, Wall•E repete diariamente a sua rotina, limpando e amontoando a sucata em grandes edificações. No final de cada dia de trabalho regressa ao seu abrigo e guarda as preciosidades encontradas no meio dos escombros da Humanidade. E assim cessa cada dia, durante centenas e centenas de anos. Pelo menos até ao dia em que Eve [Extraterrestrial Vegetation Evaluator], uma sonda de reconhecimento de vida autotrófica, aterrar. Aí Wall•E vislumbra um recomeço.

Muito se tem falado da mensagem ecológica de Wall•E. A realidade é que a Pixar fez de forma extremamente interessante e simples uma avaliação do que poderá acontecer ao planeta se a desordem actual continuar a imperar. Vemos o Homem, numa asserção calculável mas não menos relevante, dominado pela máquina num sono de consciência, sobrevivendo apenas, e em total letargia. Contudo não deixa de ser um enredo secundário para o que é a alma e coração de Wall•E, aquele robot solitário, sonhador e com tanto amor para dedicar. A Pixar e o realizador deste filme, Andrew Stanton, que já conhecemos do não menos tocante Finding Nemo, atinge um novo patamar de magnificência na primeira metade do filme, totalmente desprovida de diálogos, quando nos apresenta o amistoso protagonista no meio de um abandonamento involuntário.

Nunca o mundo da animação digital foi tão inventivo, presente e auspicioso. A tecnologia está cada vez mais aprimorada mas é na criação artística de um novo panorama que reside a genialidade da técnica desenvolvida pelos estúdios. Existem muitos detractores do cinema de animação, que insistem ser uma forma menor e desprezável do Cinema em si. Mas em Wall•E os rótulos e categorizações desvanecem-se completamente logo na introdução, quando passados alguns minutos deixamos de olhar para Wall•E enquanto um curioso robot e contemplamos nele algo bem mais primordial e reconhecivelmente humano. Como poderia o romance viver se assim não fosse?

Quando o inofensivo e precário Wall•E se apaixona por Eve, um robot moderno e letal, não existem dúvidas quanto à genuinidade do sentimento. Não é uma mera transposição: ele existe ali, naquele momento. É assim que Wall•E se distingue... na pureza do olhar e na orgânica beleza do gesto. Quando Eve se apercebe das restrições da sua directriz vê isso mesmo. O encontro é terno, comovente e autêntico. E salva o mundo.

24.7.08

The Darkest Knight

É tarefa ingrata a comparação de filmes dedicados a super-heróis provenientes do já muito explorado mundo dos comics. Não que não existam obras no género passíveis de serem mencionadas ao lado dos ditos filmes “comuns”: existem exemplos ainda recentes de Spiderman 2 e especialmente X-Men 2. Um número que parece repetir-se com uma recorrência bizarra, tendo em conta que o primeiro filme que elevou tão deliberadamente a fasquia a um ponto de equiparação inevitável foi também uma sequela envolvendo a personagem que agora se fala. Tim Burton com Batman Returns radicalizou o super-herói e o seu vilão em cinema, ainda que na altura as repercussões não tenham sido tão perceptíveis.

Sem pretender invocar rodeios do destino, parece que o fado de metamorfosear novamente o género só poderia caber a The Dark Knight. Os paralelismos de Nolan com Burton são evidentes: um primeiro filme a apontar uma nova direcção, um renascer das potencialidades do herói enquanto espelho do ser humano comum, mas a ser aprimorado até ao refinamento apenas no segundo capítulo. E é aqui que reside a fatal génese de algo ainda mais problemático de caracterizar devidamente. Não porque o realismo invocado o aproxime mais do retrato do cinema contemporâneo, ainda que isso seja verdadeiro e comparações a obras como Heat não sejam de todo desapropriadas. Mas existe aqui uma força maior que corrompe tudo o resto, inclusivé a própria estrutura do filme. Algo que Nolan, pelas palavras de Joker, assume ser o Caos.

E ele é tão imperceptivelmente devastador e de uma persistência tão sufocante, que no final tudo se desmorona com uma pacificidade devastadora, como se fosse na descoberta da isenção da esperança que se encontrasse a harmonia. No capítulo anterior, Bruce Wayne assume o seu dever involuntariamente, para proteger o que faz sentido, quando ainda tem tudo a perder. No final de The Dark Knight fá-lo novamente, mas num momento em que nada mais parece subsistir para ser demolido. Assume o seu papel de herói ao transformar-se no vilão. Muitos sacrifícios são feitos ao longo do filme, sem qualquer efeito redentor. Mas é para a aparentemente infrutífera busca da redenção que continua a dirigir-se, mesmo quando para isso seja determinante mutar-se no arauto da escuridão.

Assim The Dark Knight ousa redefinir o papel do herói, muito para além dos meandros do género que está inserido. Pode-se falar da acutilância da realização de Christopher Nolan, na forma como cria uma cidade pulsante e reconhecivelmente anónima, como cria um arrebatador enredo que tem como motivos não as frenéticas e inspiradíssimas cenas de acção mas personagens cujo drama psicológico existe muito para além da sua função narrativa. Pode-se falar na audaciosa sinuosidade da música composta novamente por Hans Zimmer e James Newton Howard e do imaculado elenco liderado pelo sempre competente Christian Bale, constituído por alguns dos melhores actores de Hollywood, com Maggie Gyllenhaal a oferecer a Sarah uma dimensão impensável e Aaron Eckhart a exigir dominantemente que se pense mais nele e em tudo o que é capaz. Pode-se falar da perpetuidade da interpretação de Heath Ledger que num verdadeiramente imortal e irrepetível acto de transfiguração nos deixa um legado dolorosamente incompleto. Pode-se, e deve-se, falar em todas estas coisas. Mas a herança maior de The Dark Knight é esta desorientadora e solitária reinvenção do ser humano por detrás do vulgo herói e a determinada, e não desesperada, escolha de um destino inglório para que o mundo gire no seu harmonioso desequilíbrio.

3.6.08

The Strangers (2008)

Promissor...

27.5.08

O Homem que Viveu Duas Vezes


Como poderão ter notado os mais atentos, a secção de links tem um novo blogue. O membro do Claquete e pioneiro da blogosfera de cinema em Portugal, Nuno Gonçalves, lançou O HOMEM QUE VIVEU DUAS VEZES que vem tomar o lugar do agora encerrado Mulholland Drive.

O espaço, de excelente qualidade gráfica, tal como o autor nos habituou, é pontuado agora por textos e complementos multimedia mais libertos do formato apertado da simples crítica, opção que até ao momento se revela certeira.

Vale a pena passar por.

PS - Apesar da sua devoção irracional por esta senhora só ser ultrapassada pela deste blogue, e de já ter recomendado o seu internamento no Júlio de Matos como medida necessária, sou amigo do Nuno, por isso aqui fica o disclaimer.

SYDNEY POLLACK (1934-2008)

23.5.08

Três Semanas


As expectativas sobem cada vez mais e, depois da desilusão que foi Indiana Jones, só Shyamalan poderá salvar a época. E é difícil acreditar que não o fará.

21.5.08

Rembrandt, o guna holandês


Já há algum tempo que não se via tão estuporante exercício de masturbação intelectual como o novo filme de Peter Greenaway, A Ronda da Noite. De um pretensiosismo nauseabundo apenas superado pela total isenção de mise en scene, caracterizado pelo mais inacreditável artificialismo auto-congratulatório. Cenas dispersas sem sentido dramático, quadros bacocos ridiculamente a passarem por imagens pulsantes, um argumento inenarrável na forma como tão descoordenadamente pavoneia restos mortais do que possivelmente seriam personagens. E a pior interpretação dos últimos anos por Martin Freeman, que no seu retrato de Rembrandt invoca a chungaria dos amigos ciganos de Brad Pitt em Snatch. A mais flatulenta das flagelações cinematográficas.

Banda sonora para filme sem imagens


I've always wanted the string quartet to be vital, and energetic, and alive, and cool, and not afraid to kick ass and be absolutely beautiful and ugly if it has to be. But it has to be expressive of life. To tell the story with grace and humor and depth. And to tell the whole story, if possible..."

David Harrington

Grande concerto o do Kronos Quartet, ontem no Centro Cultural de Belém!

Ao vivo, para além do virtuosismo técnico irrepreensível do quarteto (enquadrado num jogo de luzes majestosamente sóbrio), agora mais do que nunca um verdadeiro ensemble e não apenas um projecto liderado por David Harrington, confirma-se a altíssima carga cinematográfica da sua música, bem patente no facto de nem sequer terem sido ouvidos na noite de ontem os temas compostos por Clint Mansell para o Kronos em The Fountain e Requiem For a Dream e, ainda assim, se conseguir atribuir a cada peça imagens de um filme imaginário, de vários filmes!

Foi esse o principal trunfo do espectáculo - o Kronos Quartet é hoje uma força musical internacional, com compositores de todo o mundo constantemente a criarem obras específicas para o quarteto, e isso reflectiu-se ontem, com sonoridades dos Balcãs (...hold me, neighbour, in this storm... arrepiou no seu intimismo épico), do México ou da Índia a contaminarem um classicismo que, quando apresentado na sua forma mais pura (The Beatitudes, de Vladimir Martynov - que bem que esta música ilustraria um épico sentimental!), também deslumbrou. A presença de Rokia Traoré, outra sólida voz do prolífico Mali, combinou na perfeição com as cordas dolentes do quarteto, e provou que não há limites geográficos para a qualidade da sua música.

A juntar a esta transversalidade a nível do espaço, o Kronos também dominou na gestão do tempo, não apenas do tempo estritamente musical - veja-se a importância dada ao silêncio e ao virar das páginas das partituras nas peças apresentadas - mas também da própria evolução temporal dos géneros, irrompendo o experimentalismo entre momentos mais clássicos como no tema de John Zorn, ou sendo dado protagonismo às electrónicas ambientais de Amon Tobin noutro momento alto da noite. Um verdadeiro tubo de ensaio, portanto, em que espaço e tempo, físico e mental, se misturam num processo de constantes descobertas e reinvenções.

Só faltou mesmo a versão ao vivo de Death Is The Road To Awe, prometida em entrevista recente, mas após quatro temas em encore que culminaram com uma magnífica versão de Sigur Rós (!) atingiu-se um estado de encantamento que, coisa rara, conseguiu que o filme imaginado enquanto assistia ao concerto se prolongasse para além daquela sala, ecoando as suas imagens até...

[Fade out]

Raiders of the Lost Ark: Luz e Sombra (II)

18.5.08

Interessante Decepção


Interessante perspectiva sobre a imagem, as suas múltiplas verdades e o papel central que tem na definição da relação do homem moderno (ou pós-moderno, como alguns preferirão) com o(s) outro(s). O banquete de sangue é, claro está, servido no cenário apocalíptico de mortos que regressam à vida, a imagem de marca de Romero.

A ideia de adoptar uma perspectiva de ultra realismo, buscando imagens de câmaras amadoras é recente mas nada inovadora, bastando lembrar os ainda frescos Redacted e Cloverfield. Configurava-se, no entanto, como o dispositivo ideal para Romero voltar à utilização do filme de zombies como objecto de reflexão e crítica social, coisa que vem fazendo como ninguém desde o clássico Night of the Living Dead (1968) até ao excelente Land of the Dead (2005).

É assim com pena que se vê, demasiadas vezes, o discurso sobrepor-se à imagem, a mensagem aos acontecimentos, numa vontade panfletária que cresce exponencialmente com o aproximar do final, acabando por se sobrepor a tudo e comprometer a crueza e as virtudes ponto de vista escolhido. O exemplo mais notório e progressivamente irritante é a voz off do personagem feminino, interpretado por uma actriz limitadíssima, que começa por ser pertinente para acabar a explicar significados de acções e imagens. E, como regra de polegar, um filme está sempre em apuros quando precisa de narração para explicar o que montagem não consegue. Haverá excepções, mas não muitas.

Diary of The Dead é assim um filme menor de Romero, que também os há. O talento do artista percebe-se a léguas, mas a diferença entre o objecto resultante e aquilo que poderia ter sido deixa à tona um sentimento de decepção.

Raiders of the Lost Ark: Luz e Sombra (I)

15.5.08

Génio


Não me lembro de nenhuma caixa da Criterion com aspecto exterior tão pouco cuidado e feito às três pancadas. Mas também não me lembro de nenhuma cujo conteúdo seja composto por três filmes deste nível de transcendência. Depois de me ter submetido, já há algum tempo, a uma das experiências cinematográficas mais extasiantes de que me lembro, com Ordet, pude entretanto verificar que as restantes obras que vêm nesta caixa, embora pessoalmente não tenham o mesmo significado, não estão num patamar inferior de genialidade.

Aproveito este post para lembrar que em Julho há mais Dreyer na Criterion, com o lançamento de uma edição de dois discos de Vampyr com nova transferência restaurada.
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Clicar na imagem para detalhes da edição.

11.5.08

OH MY GOD!


O visual é kitsch e falso para lá de tudo o que se podia imaginar. As interpretações não são dignas desse nome, mesmo as dos nomes respeitáveis. O pretexto de história parece ter sido redigido por um aluno da primeira classe. A banda sonora, que não se silencia por um segundo, é repetitiva e irritante ao ponto de convidar ao assassinato de massas. O comic-relief constituído por uma criança rechonchuda e um macaco inteligente parece recuperado de um mau serial dos primórdios do cinema. O sentido de espaço e composição de plano não existe. As leis da física são as mesmas do Captain Tsubasa aplicadas a automóveis. É, em suma, a pior tentativa de blockbuster desde que existem blockbusters, algo que parece produzido por uma mente sob a influência de uma overdose de uma mistura radical e muito poderosa de crack e LSD.

Em abono da verdade, tudo o que escrevi não faz justiça à experiência verdadeiramente única é Speedracer. Um filme para marcar, ou melhor, traumatizar, uma geração.

Do outro lado de Sunset Boulevard

Raras vezes a era de ouro de Hollywood foi descortinada de forma tão franca como nesta clássica entrevista de Bette Davis a Dick Cavett quando a lenda tinha 63 anos. O resto da entrevista pode (e merece) ser vista aqui.

10.5.08

5 Westerns, 5 Canções - II

My Riffle. my pony and me
(letra e música de Dimitri Tiomkin; cantada por Dean Martin e Ricky Nelson)




The sun is sinking in the west
The cattle go down to the stream
The redwing settles in the nest
It's time for a cowboy to dream
Purple light in the canyons
That's where I long to be
With my three good companions
Just my rifle, pony and me
Gonna hang my sombrero
On the limb of a tree
Comin´ home sweetheart darlin´
Just my rifle, pony and me
Whippoorwill in the willow
Sings a sweet melody
Riding to (Riding to) Amarillo (Amarillo)
Just my rifle, pony and me
No more cows (no more cows) to be ropened (to be ropened)
No more strays (No more strays) will I see
Round the bend (round the bend) she'll be waitin´ (she'll be waitin´)
For my rifle, pony and me
For my rifle, my pony and me

9.5.08

Criterion adere ao Blu-Ray


Embora há já alguns meses aguardasse esta notícia, espero que os preços para as edições Blu-Ray não subam consideravelmente face às edições DVD.

The leading distributor of classic cinema on DVD has gone Blu, with the Criterion Collection announcing the release of their first high-def titles beginning in 2008.

Blasting out of the starting gate strong, Criterion has confirmed via their official email newsletter that they have hand-picked over a dozen initial titles to receive the Blu-ray treatment, with the first releases due by the second half of the year.

The thirteen titles confirmed to be a part of Criterion's first Blu-ray wave include: 'The Third Man,' 'Bottle Rocket,' 'Chungking Express,' 'The Man Who Fell to Earth,' 'El Norte,' 'The 400 Blows,' 'Gimme Shelter,' 'The Complete Monterey Pop,' 'Contempt,' 'Walkabout,' 'For All Mankind,' 'The Wages of Fear,' and both stand-alone and deluxe box set editions of 'The Last Emperor.'

According to Criterion, the new editions will feature "glorious high-definition picture and sound," and all the supplemental content of their companion DVD releases.

Although the company has not set any exact pricing information for any of the titles, MSRPs are expected to match the standard-def editions.

Needless to say, we'll keep you posted as soon as further details and specs are announced, as well as of all future Criterion announcements. Stay tuned!

8.5.08

5 Westerns, 5 Canções - I

The 3:10 to Yuma theme song
(música e letra de Ned Washington e George Duning; cantada por Frankie Laine)



There is a lonely train
Called the 3:10 to Yuma
The pounding of the wheels is more like a mournful sigh
There's a legend and there's a rumour
When you take the 3:10 to Yuma
You can see the ghosts of outlaws go riding by...
In the sky...
Way up high the buzzards keep circling the train
While below the cattle are thirsting for rain
It's also true they say
On the 3:10 to Yuma
A man may meet is faith, for faith travels everywhere
Though you've got no reason to go there
And there ain't a soul that you know there
When the 3:10 to Yuma whistles it's sad refrain...
Take that train...
Take that train...

7.5.08

Yes, HE Can!



Parece que desta é de vez! O maior fenómeno político do novo século será o nomeado democrata à presidência dos Estados Unidos. E, como as coisas estão, tendo sobrevivido a uma campanha especialmente agressiva e negativa no último mês, três quartos do caminho para a Casa Branca estão feitos.

A incrível tenacidade de Hillary Rodham Clinton, que ressuscitou da tumba umas quatro ou cinco vezes nesta campanha, não pode passar despercebida. E um novo renascimento como potencial vice-presidente está ainda em cima da mesa. No entanto, o que ficou mesmo à vista de todos, foi a exposição, dela e do marido, como aquilo que são desde há muito. Como diz Andrew Sullivan, sem papas na língua, "these awful, hollow, cynical people".

Recordo aqui um excerto certeiro de Primary Colors, o algo esquecido filme de Mike Nichols adaptado do excelente livro de Joe Klein, inspirado na campanha presidencial de 1992 do então Governador do Arkansas. Um excerto que poderia facilmente chamar-se "A essência de Hillary Rodham Clinton".


6.5.08

B...A...BA

Há umas semanas, li este texto que comentava um outro meu. Porque entretanto mudei de emprego e de País, ficando no interlúdio sem acesso à Internet, faltou a disponibilidade para responder.

Passado tanto tempo, não me daria a tal trabalho, não fossem as palavras de Domingues sintomáticas de uma de duas maleitas – ou incapacidade intelectual para compreender o que está escrito ou má fé. Como sou optimista, acredito que se tratou da primeira hipótese.

Embora contrariado, porque não tenho vocação para pedagogo, tenho então que explicar a Domingues, que nitidamente não percebeu o que escrevi. Pede-se aos leitores educados que passem ao post seguinte.

Lição nº 1 – Individual versus Colectivo

Como se pode facilmente constatar o Claquete é um blogue colectivo, quer isto dizer, um blogue onde escrevem vários indivíduos. Esses indivíduos não deixam de o ser por escreverem no Claquete. Ou seja, quando um deles assina um texto, esse texto e todas as suas causas e consequências pertencem a ele e não a qualquer outro dos indivíduos que também assinam textos no Claquete.

Portanto, o Claquete não “decidiu investir em favor de Charlton Heston”. Eu, João Pedro Barata da Eira, decidi. E também não seria para o Claquete, mas para mim, que:

“não achar Heston um actor excepcional é um acto de ignorância e desfaçatez política e de "double-thinking”."

No caso da citação anterior, como não escrevi isso, além da confusão entre individual e colectivo, a frase de Domingues enferma de um problema mais sério: citar de forma errada um texto e daí partir para a elaboração de um raciocínio assente em premissas falsas.

Passemos então à lição seguinte.


Lição nº 2 – Ler e Comentar

Quando se lê um texto, e se pretende comentar o mesmo, devem-se comentar os factos apresentados ou afirmações produzidas no mesmo. Não se deve atribuir ao autor do texto algo que ele não disse.

Assim, em lado nenhum eu escrevi que Charlton Heston era “um actor excepcional” mas sim que teve uma “carreira de competência e sucesso”. Se nunca disse que Heston foi um actor excepcional, muito menos poderia ter concluído que quem não achar tal comete “um acto de ignorância e desfaçatez política e de "double-thinking”".

Depois da atribuição falsa de afirmações e pensamentos, Domingues vira-se para a citação directa, tentando recorrer à ironia como forma de explicitar uma opinião divergente. Motivo para uma nova aprendizagem.


Lição nº 3 – A ironia versus a taberna

A utilização da ironia deve ser trabalhada, pensada e treinada. Se utilizada de forma preguiçosa, a acidez corrosiva da palavra é substituída pelo paladar desagradável da cerveja da taberna da esquina.

Assim, quando eu me refiro à intervenção cívica de Charlton Heston, talvez a maneira de tornar a resposta interessante não seja recorrer ao chavão de reduzir a sua personalidade e vida aos anos que passou como Presidente da NRA. Mesmo dando de barato que a questão do porte de arma pode ser vista a preto e branco, a vida pública de Charlton Heston fora da sua actividade profissional não se resumiu a isso. Talvez Domingues não o saiba, e nesse caso perdeu uma boa oportunidade para exercer o seu direito ao silêncio.


Lição nº 4 – Ler e Entender

Depois de repetir pela terceira ou quarta vez o pressuposto falso de que eu disse que Heston era um “actor excepcional”, Domingues passa a acusar-me de fazer politica rasteira e de utilizar Orwell para fazer crítica cinematográfica.

Acontece que em lado nenhum do meu texto faço crítica cinematográfica. Mais, não falo sequer de cinema, facto pelo qual tive até o cuidado de pedir desculpa aos meus colegas de blogue.

Fica assim mais um conselho: , não basta ler, é necessário entender. É verdade que, depois de entender, podemos passar a uma fase mais subjectiva que é interpretar, quando algumas passagens possam ser abertas a isso. Mas não vamos complicar, não só porque o meu texto não contém dessas passagens, mas também porque não quero tornar os conceitos demasiado inacessíveis a Domingues.

Meu caro Domingues, mais simples não consigo. Espero tê-lo ajudado!


Algumas notas sobre aspectos acessórios do texto de Domingues:

1) Os leitores poderão julgar o que são polémicas frívolas e postiças, e o que são textos justificados e pertinentes. Eu, por mim, recomendo vivamente os blogues de Miguel Domingues, as polémicas em que se envolve, onde o debate sobre o cinema toma claramente o primeiro plano, numa visão lúcida, multifacetada, complexa do cinema e da realidade que o envolve, onde o estereótipo e a ideia feita não têm lugar.

Como exemplo, deixo aos leitores um excerto do seu “texto sobre “Tropa de Elite” para que possam partilhar a complexidade que emana das palavras deste vibrante e real blogger, ao contrário de quem escreve nesta cabana postiça e frívola.

"Vai ser o fim da picada: num ano, o quadragésimo aniversário do Maio de 68 – uma espinha na garganta da direita – e a estreia deste Tropa de Elite, futuro filme preferido de muito má gente e por todos os motivos errados. A direita vai cantar vitória e nem a crise em que os mais queques dos partidos dos meninos do Restelo e do eixo Lisboa/Cascais se encontram os vai impedir de cantar vitória. E, no fim de contas, vai tudo estar na mesma. O objectivo, aliás, nunca foi outro. "

2) Miguel Domingues considera cómico citar Pacheco Pereira, e utiliza uma larga exclamação para julgar o adjectivo de lúcido que lhe aplico. Pressuponho que tal exclamação se deve a discordância. Compreendo que, para quem tem uma visão política e social complexa, moderna e de futuro como a que Domingues expressa em textos como o da citação anterior, estar sujeito aos pensamentos derivados das simples regras da lógica como os de Pacheco Pereira seja limitativo.

3) Ainda sobre a citação de Pacheco Pereira e a tentativa que, no final, Domingues faz ao correlacioná-la comigo. É verdade que o texto, ao ser citado, pode sempre ser aplicado a quem o cita. Aliás, o próprio Pacheco Pereira termina o texto dizendo “Como também tenho um blogue, deixo aos leitores o julgamento do que se me aplica do que aqui digo.” É um julgamento subjectivo que fica com cada qual. Para mim é um retrato duro, mas verdadeiro, da pouca blogosfera nacional que leio (cada vez menos), relacionada com cinema, e da que já li no passado, mais centrada em assuntos sociais e políticos. E é esse o principal motivo que me afasta de participar mais, ajudado pela a preguiça e as outras exigências da vida. Certamente eu não serei imune a alguns dos problemas que Pacheco Pereira aponta nesse artigo, apenas posso dizer que me esforço por ser, nas raras vezes em que participo neste blogue.

4) Finalmente, e um pouco a despropósito, Domingues resolve citar o Há Lodo no Cais, blogue da co-autoria do meu colega no Claquete e amigo Miguel Galrinho. Para que não fique a ideia que assobio para o lado, deixo aqui a minha opinião sobre o mesmo. O que li do Há Lodo no Cais revela um blogue mordaz e divertido que me proporcionou várias gargalhadas. Não é um blogue simpático ou consensual, mas isso não é sinónimo de interessante, pelo menos no meu dicionário. A opção pelo anonimato é sempre discutível. No entanto, não vejo razão de monta para isso ser um tópico de relevância neste caso, já que o blogue não o utiliza para injuriar ou caluniar pessoalmente outros, mas sim para por em causa opiniões, posturas e afirmações de pessoas em textos de carácter público. Poderá existir um ou outro excesso que cai numa zona cinzenta, não fui reler, mas nada que justifique o alarido.

30.4.08

Sentir «Blade Runner»

«Blade Runner», a obra-prima que Ridley Scott realizou há 25 anos, encontra-se actualmente em reposição em Lisboa, no seu final cut. Vê-lo projectado num grande ecrã e senti-lo no escuro de uma sala de cinema é um privilégio cinéfilo impagável. E ir revisitar as suas imagens pela milésima vez é sempre um desafio sedutor.

Gosto precisamente de pensar em «Blade Runner» como um imenso território, cheio de ambiguidades e contrastes, que está sempre receptivo a uma visita nossa. Antes da história e das personagens, há uma Los Angeles futurista a ser explorada e isso é o que sempre mais me fascinou e exaltou. É uma Los Angeles desconcertante: há o negrume, há uma chuva ácida que não pára de cair, há o caos urbano e populacional; mas há, também, algo de profundamente aconchegante, intimista e sensual. É um desconcerto arrepiante. Como aquele arrepio que sentimos quando ficamos aconchegados na cama a ouvir a chuva furiosa que cai lá fora! Não há muitos filmes assim, que despertem de forma tão impressiva esta sensação de fusão de mundos.

O desafio mais atraente de «Blade Runner» é este desafio de adaptação, de conhecimento, de percepção. É uma viagem que exige sensibilidade apurada e sentidos bem despertos: para captar as imagens e os sons, para tentar respirar aquele ar congestionado, para experimentar sentir aquela chuva a molhar os nossos rostos, para arriscar cheirar os odores entrelaçados no ar, para explorar aquelas ruas apinhadas de gente das mais diversas proveniências ou os becos mais sombrios e abandonados…

É este, confesso, o desafio que mais me mobiliza. Mas há outros. Muitos outros. Vale a pena, a esse propósito, recordar o que aqui escreveu o Tiago Pimentel em 2006 sobre o original cut.

11.4.08

Solidão Instalada


«Coeurs» afirma-se desde já como um dos mais interessantes filmes lançados entre nós neste paupérrimo início de 2008. Quase cinquenta anos volvidos sobre a estreia da sua obra-prima, «Hiroshima Mon Amour» (1959), o veteraníssimo Alain Resnais decide filmar aqui a solidão não como programa ou percurso, mas como irreversível sentimento instalado. As personagens cruzam-se mas nunca saem realmente do mesmo sítio e surgem no ecrã sem contexto e sem futuro. Vamos percebendo, a cada fotograma que se acumula, que o movimento exterior destas personagens corresponde tristemente a um movimento estático interior.

Mais do que no argumento (que não nos assalta o espírito nem faz a diferença) importa atentar na realização de Resnais, notável a todos os títulos: os planos picados que esmagam as personagens, o posicionamento da câmara na exploração dos espaços que lhes aprisiona o olhar, a ausência de exteriores que as sufoca sem remissão. E a neve, claro, que transforma as personagens em meros bonecos fechados numa redoma em cima de uma cidade, Paris, que nunca vemos realmente. Talvez não seja um filme assim tão distante do abstraccionismo formal presente no genial «L’Année dernière à Marienbad» (1961).

8.4.08

Planeta dos Macacos

Charlton Heston deixou ontem o mundo dos vivos, depois de uma carreira de competência e sucesso no grande ecrã complementada, de uma forma da qual poucas “estrelas” se poderão gabar, com uma participação cívica de monta. Foi, acima de tudo, um lutador pela mais moderna e radical das liberdades – a necessidade de permitir a cada ser humano viver e pensar de forma independente, para além de esquematismos ou conveniências políticas e sociais do momento. A tenacidade com que defendia as suas convicções e a sua forte veia individualista transpiravam nos personagens maiores que a vida que interpretou.

Estava eu lendo várias reacções e artigos sobre a vida e morte desta figura ímpar, quando me aparece no ecrã este obituário. É verdade, antes não tivesse lido. Mas, caído nas areias movediças do lodo, ou se esgravata para sair ou se é engolido de vez. Ainda tentei deixar passar – João, não vale a pena, vozes de burro não chegam ao céu… - mas perante o nível do disparate, a revolta venceu a comodidade do silêncio.

Uma simples busca de cinco minutos no Google e no Youtube permite ao cibernauta curioso que queira saber mais, perceber a coerência das ideias de Heston, a forma como as suas posições sociais e políticas são articuladas e sustentadas em argumentos. Algo que, claramente, o autor do epitáfio acima não se deu ao trabalho de fazer, porventura porque obrigaria a um esforço intelectual um tudo nada superior a traduzir e reciclar notícias sobre rodagens, cartazes e trailers do momento.

Se a falta de curiosidade e ignorância não chocam, a estupidez exercida com um tal grau de altivez não pode deixar de incomodar. Poucas coisas causam mais asco do que ver um rato denegrir a rectidão de um Homem (sim, com H bem grande) ou um cobarde a aproveitar para enxovalhar um morto que mesmo na tumba mexe mais do que ele.

Será que o double-thinking de Orwell já anda por aí? De que outra forma justificar que a inteligência e o argumento passem por imbecilidade e o insulto por heroísmo, como parece acontecer na caixa de comentários do referido post? Ou que o imberbe berrante insulte o activista esforçado? Como explicar que mentiras factuais primárias (a NRA e Heston não deram a vitória a ninguém em 2000 e Heston não mudou de partido “da noite para o dia”) sejam postuladas como verdades intocáveis? Que, cravando um último prego no caixão da decência, um homem – com “h”´s e sabe-se lá mais o quê pequeno – chame fingido ao honesto?

Perante coisas destas, como é que ainda pode haver surpresa perante as lúcidas palavras de José Pacheco Pereira:

“O que se passa é que esse verdadeiro mostruário em linha, feito de mil egos à solta, revela mesmo a nossa pobreza, a nossa rudeza, a falta de independência face aos poderosos, grandes, pequenos e médios, os péssimos hábitos de pensar a falta de estudos e trabalho, de leitura e de "mundo", que caracterizam o nosso "Portugalinho". Nem podia ser de outra maneira. Com a diferença que nos blogues o retrato é mais brutal porque mais arrogante e mais solto, ou pelo anonimato, ou pela completa falta de noção de si próprio de quem, por poder escrever sem edição para os milhões de leitores potenciais da Rede, acha que é crítico de cinema instantâneo, engraçadista brilhante, analista político, escritor genial de aforismos, herói único da denúncia dos males do mundo, e portador de todas as soluções que só não são aplicadas porque os outros, a começar pelo blogue do lado e a acabar no fim do mundo, são todos corruptos, vendidos e tristes.”

As minhas desculpas aos meus colegas de blogue por ocupar tanto espaço com uma questão lateral, pelo menos em primeira análise, à temática deste blogue.

Charlton Heston, descansa em paz.

2.4.08

5... Clássicos Esquecidos

Cross of Iron (Sam Peckinpah 1977)


Midaregumo (Mikio Naruse 1967)


Dangerous Game (Abel Ferrara 1993)


Der Verlorene (Peter Lorre 1951)


Gun Crazy (Joseph H. Lewis 1950)