Tim Burton é, hoje em dia, mais popular que nunca. Aquele rebelde que edificava estranhos mundos e histórias que só eram apreciados e aclamados por alguns é, desde Big Fish, o mais recorrentemente mencionado cineasta na praça pública. Basta olhar para os números das bilheteiras para este fim-de-semana nos Estados Unidos e também no nosso país para perceber que o toque Burton passou de um pequeno fenómeno a uma marca globalizada. Mas se há realizadores que sabem gerir e simultaneamente a arte e o êxito – basta olharmos para a carreira de Steven Spielberg – há outros que parecem perder o Norte e aquilo que os tornou singulares e tão prezados. Tim Burton parece estar a chegar a um ponto em que tem de se radicalizar a si próprio ou arrisca ver o seu legado acabar muitíssimo mais cedo do que previsto.
Alice in Wonderland é uma adaptação livre dos dois livros de Lewis Carroll, uma história surrealista e encantatória sobre uma menina que se refugia num mundo de maravilhas e alguns horrores, repleta de personagens riquíssimas e bizarras que também elas têm muito para contar. Um onirismo transcendente como significante mecanismo de maturação pessoal e psicológico. Agora vemos uma Alice mais velha, sem memória do vivenciou em criança, preparada para casar mas novamente segue o Coelho Branco e entra neste universo que ela julga agora ter construído. Mas tudo parece diferente.
E é-o. É quase impossível descobrir o mundo fantástico e alucinado de Carroll aqui, numa tentativa declarada de Tim Burton de torná-lo mais identificável e acessível. Para trás fica a alma do texto original e da sua própria marca autoral enquanto realizador. Este universo é completamente indistinto, seguindo a fórmula já cansada dos filmes de fantasia pós-Senhor dos Anéis. Para alguém que de raiz criava cosmos inteiros de demência gótica, a dimensão visual deste filme é tão densa ou peculiar quanto tudo o que já se viu nas Crónicas de Nárnia e seus derivados.
Desta forma, e pelo argumento absolutamente inconsequente que traça, trai todas as personagens do conto de onde foi beber inspiração, tirando-lhes toda a vida e reduzindo-as a meros peões serviçais de um enredo patético e incongruente. É logo de notar que o maior protagonismo deste filme é dado, não à sua personagem principal, interpretada por uma Mia Wasikowska com potencial aqui desperdiçado, mas a Johnny Depp no papel de Chapeleiro Louco. Depp, actor exímio que mostrou recentemente uma grande interpretação em Public Enemies, parece agora condenar-se a repetir variações da mesma caricatura desinspirada e sonolenta com aquele já que foi o seu maior aliado. A própria Helena Bonham Carter, a única que mostra alguma capacidade de transfiguração, cedo se cansa do seu retrato vazio.
Tudo aqui é tristemente inócuo e desprovido de qualquer significado narrativo ou meramente visual. No final tudo se resume a uma batalha igual a todas as outras, sem provocar qualquer mudança em nenhum dos seus intervenientes, Alice incluída. Esta passagem pelo buraco de coelho deixou-a exactamente igual a como entrou, ainda que o final de inspiração desonesta queira fazer crer em contrário. E este filme de Tim Burton é igualmente esquecível, incapaz de conjurar uma imagem ou momento que perdurem para além do final do visionamento. Algo que se está a tornar demasiado expectável no percurso do realizador. Mas para quem afirma que em Alice in Wonderland vemos o cineasta de forma automatizada e desinteressada, tal não podia ser menos verdade: Tim Burton não está aqui de todo.
NOTA: Evitar a projecção 3D a todo o custo. É muito fácil perceber que de facto não foi concebido de raiz para ser visto desta forma, reduzindo-se a um trabalho de pós-pós-produção preguiçoso e ganancioso.