22.11.06

O Anjo da Morte



Porque a Arte não morre, e porque a melhor homenagem que se pode fazer a um artista que parte é ver e escrever sobre as suas obras, queria deixar aqui uma pequena nota de admiração relativamente ao último (grande) filme de Robert Altman.

«A Prairie Home Companion», estreado entre nós há poucas semanas e ainda em cartaz, é um dos melhores filmes deste ano. Trata-se de um objecto que se propõe retratar o último dia (o fim, portanto) do programa de rádio com título homónimo, gravado ao vivo num teatro do Minnesota há anos a fio: os bastidores e o palco, os seus recantos visíveis e escondidos, as suas personagens e a sua alma.

Robert Altman, mestre absoluto do cruzamento e multiplicação de histórias e de personagens, filma tudo isto com uma simplicidade tocante e faz do espectador um cúmplice perfeito de tão nostálgica contemplação. É um filme divertido (e não haverá certamente, em todo o ano cinematográfico de 2006, filme que arranque gargalhadas tão espontâneas e contínuas quanto este), mas esse tom de comédia é apenas uma forma de libertar a infinita tristeza e o supremo desencantamento que as personagens carregam no corpo e na alma. É, nesse sentido, um filme sobre a decadência da Arte e do Artista, um último fôlego de algo que está prestes a acabar.

Ter sido este o último filme da longa e profícua carreira de Robert Altman, eis um dado simbólico que importa reter. Não há, de facto, maneira mais bela de encerrar uma carreira do que com este filme, um último fôlego que parece conter em si a libertação de uma vida de notável inspiração…


PS: O Anjo mencionado no título deste comentário refere-se à personagem interpretada no filme por Virginia Madsen – precisamente um Anjo que vagueava pelo teatro (e é da perspectiva do Anjo que grande parte do filme é filmado) em busca de uma pessoa para levar para o céu. Robert Altman?

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