the brightest lights in the darkest night
«Babel», a mais recente obra-prima de Alejandro González Iñárritu, regressa à estrutura de filme mosaico que o realizador já tinha explorado, mas que está agora mais apurada que nunca. Narrando quatro histórias que se ligam - directa ou indirectamente - entre si, têm todas algo em comum, muito mais importante que o seu ponto concreto de ligação: as consequências da incomunicabilidade (causada pelos mais diversos factores) nos dias de hoje, quando, curiosamente, os meios de comunicação estão cada vez mais desenvolvidos. Ou seja, a raíz do problema afirma-se como algo que não é exterior ao ser humano, mas completamente interior. Por outras palavras, é como se os meios de comunicação, que nos permitem estar cada vez mais próximos, nos tornassem cada vez mais afastados na capacidade de compreender o outro, seja numa frase ou palavra proferida, seja no mais sincero dos sorrisos ou na mais desencantada das lágrimas, ou até no mais profundo momento de silêncio. Ou ainda: como se esse facilitismo que nos é concedido pela tecnologia nos estivesse, gradualmente, a retirar a humanidade.
Em Marrocos, dois jovens têm uma arma que usam para proteger as suas cabras de outros animais. Para testarem a capacidade da arma, disparam contra um autocarro que passa ao longe, na estrada. Aparentemente, para desilusão de ambos, nada aconteceu, pois o autocarro continua calmamente a seguir o mesmo trajecto. (Parece que, afinal, a arma não é assim tão boa.) Prestes a abandonarem o local, reparam, de repente, que algo mudou: o autocarro parou no meio da estrada. Os dois rapazes fogem a correr do local: curiosamente, a desilusão havia dado lugar a algo muito mais perturbante, como consequência de uma atitude irreflectida; ou, melhor, da incapacidade de antecipação das várias consequências possíveis caso a bala atingisse realmente o autocarro. Mas porquê fugirem quando viram o autocarro a parar? Ter-se-ão, agora, apercebido do que o aquela bala poderá ter feito? Ou, por outro lado, tratar-se-á de um instinto anterior à reflexão; ou seja, terá sido simplesmente uma reacção imediata de arrependimento, tomando consciência de que cometeram uma atitude errada, mas não ainda do que esta poderia provocar?
O arrependimento é, de uma forma geral, um tema fundamental em «Babel». Tomando atitudes e decisões precipitadas e irreflectidas, as personagens parecem desesperadas em ser ouvidas, tentando atenuar as consequências desses actos. Porém, nem o mais sincero e desesperado grito de socorro parece chegar a um destinatário que o compreenda, ou, no limite, que sinta compaixão por ele e esteja pronto a ajudar. Veja-se o exemplo da empregada mexicana que tem que tomar uma decisão: obedecer às ordens do patrão e tomar conta dos seus filhos sem sair dos EUA, ou deslocar-se ao México para ir ao casamento do filho. O amor pelo filho foi mais forte, mas, chegada a altura de reconhecer que um erro foi cometido, o arrependimento e a preferência por salvar as crianças mais que a sua própria vida, parecia não chegar. Porém, é certo: numa situação extrema como essa, no meio do desespero, foram as relações afectivas, e não o egoísmo ou o individualismo, que salvaram a situação.No limite, na mais extrema das situações, quando já não é a esperança, mas o desespero, que fazem continuar a lutar, o ser humano parece, finalmente, encontrar um certo conforto numa relação que estabelece com outro ser humano: escrever os sentimentos mais íntimos a alguém que sabemos que os compreenderá, ainda que nada possa fazer a seu respeito; ouvir a voz de um filho, mesmo que se encontre a milhares de quilómetros de distância; ou fazer um sacrifício para se salvar um irmão. Atente-se especialmente neste último ponto: ao consciencializar-se da probabilidade da morte, depois de várias discussões com o irmão sobre de quem seria a culpa, o rapaz marroquino sente uma necessidade instintiva de salvar o irmão, como se necessitasse desse arrependimento e da força dessa relação para definir a sua humanidade. Ou como se apenas nas situações mais radicais nos lembrássemos do que somos e do que realmente nos une. É dessa necessidade que as personagens de «Babel» se parecem esquecer, mas que procuram desesperadamente encontrar quando já não resta mais esperança: a sua luz mais brilhante na noite mais escura, como Iñárritu dedica o filme aos filhos. É aí que todos estamos ligados: no sofrimento e na procura de algo que o atenue.
Além disso, diria ainda que a morte aparece-nos aqui com uma abordagem diferente. Ou seja, trata-se acima de tudo de algo que parte do interior: primeiro, porque sabemos que Chieko já teve que lidar com a morte, quando a mãe se suicidou; segundo, a possibilidade de Chieko seguir os mesmos passos é, naturalmente, uma opção dela, contrariamente às outras narrativas, em que a morte (ou possibilidade de) surge como uma ameaça exterior. Quando, no final, a câmara de Iñárritu entra na varanda, naquela que parece ser a noite mais desencantada do mundo, não podemos deixar de considerar a hipótese de suicídio, como na história que contara ao polícia. Mas, quando verificamos que Chieko está lá, na varanda, nua, contemplando a noite de Tokyo, perdida na imensidão dos seus sentimentos, não temos motivos para sorrir. Pelo contrário: o olhar da jovem parece agora, distorcido pelas lágrimas, mais desencantado que nunca, como se a vida a tivesse, de facto, abandonado. Não é um olhar frustrado ou de raiva, como tinhamos visto anteriormente, mas não é também um olhar feliz: é um olhar sem vontade de continuar a lutar, que só consegue encontrar conforto na esperança de conseguir vir um dia, não a ultrapassar, mas a lidar com esse sofrimento; aceitá-lo e suportá-lo, como se este fosse - e não é...? (para ela e para todos nós) - parte inseparável da vida.
Haverá mais triste conforto ou mais desencantada esperança?
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