16.3.08

Caro Hugo Alves


Feliz ou infelizmente (dependendo da perspectiva) não tenho por hábito elaborar quadros justificativos a pedido. Quando pretendo justificar algo, justifico; quando pretendo enumerar algo, enumero.

Deixar-lhe-ei, todavia, três breves notas sobre a matéria objecto do seu post (saudando naturalmente o facto de não começar por presumir os filmes que conheço e os livros de cinema que li, ao contrário do que fez na última vez em que debateu com este blogue: é um bom princípio):

1 – Só numa cinefilia do terceiro mundo é que a simples enumeração de meia dúzia de filmes reputados que não veneramos poderá causar algum tipo de espanto ou de indignação. Aliás, a indignação face a uma simples escolha de filmes (preferidos, sobrevalorizados, seja o que for), mais do que infantil é imbecil. E se a infantilidade pode ser descontada, a imbecilidade deve ser ignorada. E vir invocar o decoro a propósito de uma escolha de preferências é já ultrapassar a linha que separa a cinefilia saudável do delírio irreflectido. E a agressão verbal é para desesperados ou mal-educados. Que, pela minha parte, ficarão naturalmente a falar sozinhos ou com quem compactue com a sua falta de elevação. Adiante.

2 – Depois, em matéria de olhar cinéfilo, é evidente que depuramos o nosso olhar na razão proporcional dos filmes que vemos e analisamos. É uma banalidade em que não vale a pena estar a insistir. Como óbvia é a circunstância de que a relevância histórica é a relevância histórica e a relevância pessoal é a relevância pessoal. Falar em nome pessoal como se se estivesse a falar em nome da História é não apenas um exercício de arrogância: é uma patetice para a qual não contribuo. Praticar a cinefilia através da escrita é veicular, através de outro meio, impressões pessoais sobre filmes. É falar mais sobre nós do que sobre os filmes e é o caminho que me interessa. Os filmes falam por si e os livros especializados de Cinema também.

3 – Finalmente, a questão do absoluto. Se digo que determinados filmes são sobrevalorizados é porque realmente são sobrevalorizados. Para mim, claro. Absoluto ou relativo? Subjectivo. Irrelevante? Porventura. Mas não tão irrelevante como enunciar meia dúzia de clichés sobre determinado filme que nada dizem sobre as impressões subjectivas vividas enquanto espectador. Deixemo-nos, Hugo, de efabulações ou mistificações: este seu post, em que enumera sem justificar nada, é uma fuga em frente? É propenso a fomentar a agressão verbal? É falar por falar? É absoluto? O Hugo lá saberá…

Cumprimentos

5 comments:

Anonymous said...

Não ligue... são comentários menores de quem se dá como grande entendido na matéria... eu então vejo filmes há 20 anos, trabalho (ou tento...) em cinema e há uma quantidade imensa de vacas sagradas que os pseudo cinéfilos veneram, mas que me passam completamente ao lado.
Continue como tem continuado, continuarei a apreciar os seus posts de qualquer maneira.

Sérgio Dias Branco said...

´É falar mais sobre nós do que sobre os filmes'

Não quero ser insistente mas como penso que não escrevemos para os 'amigos', volto a perguntar: qual é o interesse? Interesse, devo especificar, para o leitor, se o propósito se esgota neste narcisismo disfarçado de 'subjectividade' que liquida qualquer possibilidade de discussão por ser 'indiscutível'.

'Falar em nome pessoal como se se estivesse a falar em nome da História'

Claro que falamos sempre em nome pessoal, assinamos os textos, mas isso não devia ser uma desculpa para dizer 'o que nos apetece'. Porquê? Porque estas palavras ou images pertencem a um espaço público de discussão em que os argumentos e como se argumenta deve valer mais do que as 'embirrações'.

Várias vezes pensei que seria melhor não assinar textos exactamente por isso: não sou eu que interesso, são as minhas ideas e ponto de vista, não fala de mim, falo dos filmes, 'daquilo que outros podem ver nos filmes tão claramente como eu'. Esqueçam-me.

E já agora, ninguém fala em nome da história (embora haja quem tente). A históra tem uma voz própria que só pode ser dada a ouvir através de investigação e confirmação. Não há nada de especulativo ou subjectivo nisto.

Sérgio Dias Branco said...

A razão pela qual o meu nome permanece escrito? Só há uma: para que o diálogo e o debate se mantenham.

Não estou a defender o anonimato das ideas e dos argumentos, apenas que não é a 'pessoa' que deve falar, mas o 'crítico', o profissional da crítica. Ou o 'professor', o 'académico', ou o 'historiador',... Como distinguir um do outro? Os segundos seguem princípios partilhados que definem a relevância e o valor do seu discurso. Não podem dizer 'qualquer coisa'. Ou melhor., poder podem, mas serão esquecidos dada a irrelevância e insignificância do que dizem.

Cumprimentos

João Ricardo Branco said...

Caro Sérgio,

No limite tudo pode ser discutido/discutível. Incluindo filmes historicamente consagrados. Se me permite: não fui eu, certamente, que pretendi veicular a ideia de que há questões intocáveis ou indiscutíveis… Existem, todavia, questões mais interessantes para debater do que outras. Uma lista de filmes, por exemplo, enquanto comum (e irresistível) exercício cinéfilo pode naturalmente ser objecto de discordância, embora me pareça mais interessante que as diferenças sejam sublinhadas pela elaboração de listas alternativas do que pela singela enunciação de críticas. Era isso que esperava (e pretendia) que tivesse sido feito na zona de comentários do meu anterior post.

Para quê/quem escrever sobre cinema? Esta questão não reveste para mim especial interesse, nem se compadece, aliás, com respostas unívocas ou simplistas. E tudo dependerá, claro, do contexto em que se escreve/pensa. Naturalmente que um crítico profissional de um jornal escreverá para os leitores do mesmo e seguindo certos parâmetros típicos da crítica profissional e do próprio jornal, embora me pareça que o que interessa, no fundo, é o quanto gostou de certo filme e as sensações, ideias ou associações que o mesmo lhe despertou.

Neste blogue dedicado ao Cinema não existem críticos profissionais, nem cineastas, nem professores de Cinema, nem historiadores. Compreendo que exista na blogosfera quem escreva sobre Cinema para atenuar a sua frustração por não ser cineasta, crítico, historiador ou professor. Mas no Claquete não padecemos, felizmente, dessa amargura. Somos um singelo grupo de amigos com uma paixão comum e usamos este blogue para cultivar e exprimir essa paixão. Com este blogue — como poderá verificar no post inaugural — pretende-se abandonar o modelo rígido da tradicional crítica de filmes e apostar em esquemas mais soltos de expressão individual. O que nos interessa é precisamente esse acto de expressão. Que é sempre um gesto pessoal e intransmissível. E que enquanto gesto perceptível externamente pode ser naturalmente observado, pensado ou criticado.

Finalmente, ainda bem que o seu segundo comentário esclarece algo que tinha esboçado algo obscuramente no primeiro sobre a separação entre as ideias e o indivíduo (e com o qual me preparava para discordar veementemente). Assim sendo, e uma vez que nenhum de nós é crítico profissional ou académico, teremos, segundo a sua lógica, que continuar a falar em nosso próprio nome. É o que temos feito!

Quanto ao mais, de facto há por aí quem tente falar em nome pessoal como se estivesse a falar em nome da História ou porventura do próprio Cinema. Mas é um exercício que no seu flagrante exibicionismo chama demasiado a atenção sobre si próprio e queda-se aos olhos de quem sabe pensar por si como um gesto — esse sim — de um narcisismo patético e confrangedor.

Cumprimentos,

Ursdens said...

http://projectordosotao.blogspot.com/2008/03/quest-ce-que-le-cinema.html

Cumprimentos cinéfilos!