Redbelt ou O Método do Samurai

Conhecido maioritariamente pelo seu trabalho nos palcos enquanto famoso encenador e pelos textos tremendamente cerebrais e intelectualizáveis, o primeiro choque com que somos confrontados em Redbelt é a simplicidade e transparência que se abate em cada frame. Na sua essência é um filme de luta, uma actualização contemporânea do mito do samurai. Acompanha Mike Terry, um descomplicado treinador de jujitsu urbano, numa série de problemas que o fazem reavaliar ou reforçar a posição que assume na sua própria vida. Tudo começa quando numa noite como todas as outras, uma mulher em estado de pavor entra pelo seu dojo adentro e acidentalmente, em reacção a uma aproximação inofensiva de um dos discípulos de Terry, dispara uma arma carregada sobre uma das vitrines.
Tudo a partir daqui se desconstrói. A vida simples de Terry é posta em causa, inicialmente e só aparentemente, a seu favor. Defende um célebre actor numa luta de bar induzida pelo álcool e, por fazer nada mais que aquilo em que acredita, é pela primeira vez recompensado, algo que nunca desejou por nada que tivesse concretizado. Mas rápido o sonho impensado de prosperidade também se desmorona e Mike Terry é basicamente levado a entrar num combate, algo que sempre desprezou pelo puro desrespeito e falta de integridade no uso de métodos ancestrais de defesa e concentração meditacional para proveito monetário. Mas fá-lo porque não lhe resta outra solução para defender a sua honra e os princípios que regem e edificam a sua vida.
É aqui que é materializado o conceito de samurai, transposto para uma realidade palpável e quotidiana, de desilusão no mundo efémero que nos rodeia e nos atalhos comprometedores da integridade e da moralidade que todos seguimos para alcançarmos os nossos objectivos. Mas o único objectivo de vida de Mike Terry é a verdade, e nada mais lhe é precioso. Por isso mesmo é visto pelos seus antagonistas como um falhado que nada substanciará, desde um desprezível produtor de cinema à própria mulher que tanto ama. Chiwetel Ejiofor é de uma serenidade reveladora e ao longo do filme vai-nos mostrando a verdade em cada acto e palavra que define não só a sua personagem mas a filosofia de vida que adopta. Raramente se vê uma interpretação tão poderosa, valorosa e verdadeiramente transcendente num receptáculo tão silencioso e despretensioso. Quem vê Ejiofor a ultrapassar os limites do significado da definição de actor, pergunta-se como é possível continuar a não dar o merecido destaque a um actor que, na sua discreta excelência, tem mostrado tudo o que pode dar.
Não desmerecendo o elenco secundário, que inclui pessoas tão díspares quanto Tim Allen e Rodrigo Santoro, onde Mamet revela a sua destreza enquanto dramaturgo. Basta olhar para a personagem transfigurada e multidimensional da também sempre perfeita Emily Mortimer. Mal irrompe pela história, reconhece-se imediatamente o seu tumulto e o medo que exala por todos os poros, mesmo quando posteriormente se mostra enquanto uma profissional e eximia advogada. A relação não-amorosa travada entre Ejiofor e Mortimer é um dos prodígios cinematográficos do ano e de uma arrebatadora significância, tal como é a inesquecível encenação do cru e derradeiro confronto humano. Porque tal como Redbelt em si, guarda importantes segredos por detrás da sua enganadora simplicidade. Neste aspecto, e em muitos outros, esta obra de David Mamet é uma memorável e imensa lição de vida que raramente se vê reflectida com tamanha genuidade e certeza em cinema. Assim se recusa em cair no esquecimento.
1 comment:
filme espetacular e o melhor que vi este ano também, é a lealdade e honra debatidas ao longo de todo o filme, e um homem contra numa luta desigual contra os valores perdidos! a destreza do argumento, aliada à banda sonora colocado numa sintonia perfeita conduzida ao clímax na luta final creio fazer deste um dos filmes com maior impacto, e marcante por isso mesmo, da minha vida!
Post a Comment