9.1.09

«Changeling» e os seus vários filmes


Há vários filmes em «Changeling» (Eastwood, 2008), e desses apenas um vale realmente a pena. Os outros perdem-se ou falham por diversas razões ou limitam-se a gerir competentemente as suas informações. «Changeling» surge, assim, como um objecto bom e estimável, mas que é directamente remetido para as margens da obra de Clint Eastwood, onde se situam os seus filmes menos memoráveis.

Em matéria de filmes dentro do filme, há, desde logo, o filme da mãe solitária que vê o seu filho desaparecer de casa. É o melhor dos filmes de «Changeling». Aquele em que emerge um melodrama sombrio e ponderado, esteticamente elegante e sempre triste, muito triste, de uma tristeza imperturbável que se instala delicadamente nas imagens, sem imposições artificiais nem movimentos abruptos. É o filme que ilumina o rosto soturno de Angelina Jolie e é contaminado pela convicção dos seus gestos e pela obstinação do seu olhar. Dir-se-ia que é o filme clássico de «Changeling», pautado por uma perfeita harmonia e equilíbrio entre a composição das imagens e as personagens e emoções que as habitam, numa gestão rítmica sem mácula.

Depois, há o resto. Há o filme policial, em que se investiga o desaparecimento da criança e outras situações relacionadas; há o filme político-social, em que se procura caracterizar a corrupção e a falência moral das forças públicas da Los Angeles dos anos 20 e 30 do século XX; e há, enfim, o filme de tribunal, sobre a Justiça enquanto instituição e enquanto valor intrínseco. Nenhum destes filmes convence totalmente ou impressiona do ponto de vista cinematográfico. Eastwood já fez mais e melhor em cada uma dessas áreas e em «Changeling» não só não traz nada de significativo, como, de um modo geral, simplifica e retira complexidade ao que já mostrou no passado. O filme policial, por exemplo, é totalmente convencional nos seus termos, rotineiro até; longe, muito longe, da complexidade e do peso que habitava cada frame do fabuloso «Mystic River» (Eastwood, 2003). Por outro lado, se o filme de tribunal é relativamente eficaz e bem engendrado — contando, aliás, com a excelente e fordiana personagem do advogado —, já o filme político-social é pouco mais do que medíocre nas suas componentes fundamentais e perde-se numa série de maniqueísmos e de simplismos que prejudicam irremediavelmente a obra.

Em geral, existe também uma construção algo duvidosa de certas personagens, ora reduzidas a meros bonecos despidos de qualquer dimensão humana (de que é exemplo paradigmático o psiquiatra), ora erigidas a meros instrumentos narrativos sem existência própria (por exemplo, a prostituta), ora reduzidas ao mínimo de complexidade (e portanto de interesse) possível (a personagem do polícia ou do pastor, por exemplo). De resto, a experiência cinematográfica surge também prejudicada, a espaços, por certos desvios de tom (como pequenos laivos de comédia de duvidosa pertinência) e por alguns excessos de realismo que contrastam de forma demasiado pronunciada com a subtileza e contenção geral do drama.

Regressando ao delicado melodrama que eleva qualitativamente a obra, não pode deixar de realçar-se o admirável trabalho de representação de Angelina Jolie, brilhante em todas as cenas em que aparece e com uma gestão de emoções verdadeiramente impressionante. Despido de tudo o resto — da política e da polícia, da justiça e da sociedade — «Changeling» consegue ser intimista e vibrante. Angelina Jolie e o drama que solitariamente consegue construir fazem-nos pensar no quão extraordinário poderia ter sido «Changeling» se tivesse ficado apenas com ela.

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