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6.9.09

Grandes Trilogias (II)



A frieza, o distanciamento e a solidão de Blue, o humor negro e o surreal argumento de White e o sentimentalismo, a emoção e o poder das relações humanas de Red fazem com que esta seja uma das melhores trilogias da História do Cinema. Krzysztof Kiesloweski é um génio (não esquecer também Dekalog e The Double Life of Veronique).

1.4.07

Dekalog 1

I Am The Lord Thy God: Thou Shalt Have No Other God But Me (52.55)

"It should not be out of place to observe that they have the very rare ability to dramatise their ideas rather than just talking about them. [...] They do this with such dazzling skill, you never see the ideas coming and don't realize until much later how profoundly they have reached your heart."

É talvez a citação mais famosa a propósito desta série de dez episódios, pensada inicialmente para um filme de 10 horas. A citação é de Stanley Kubrick, e o
they a que o realizador de 2001: A Space Odyssey se refere é obviamente a Krzysztof Kieslowski e ao seu co-argumentista (não só desta série, mas também das conceituadas obras que se seguiram - La Double Vie de Véronique e os filmes da Trilogia das Cores) Krzysztof Piesiewicz.

E, de facto, Kubrick diz tudo nestas duas frases.
Dekalog baseia-se em cada um dos Dez Mandamentos, mas o objectivo de Kieslowski não é falar sobre o seu significado, mas usá-los apenas como ponto de partida para abordar valores morais universais, através de situações concretas. Em que se baseiam as imagens que estamos a ver até acaba por ser irrelevante. Repare-se que Kieslowski nem sequer nos diz de que trata o Mandamento em que cada episódio se baseia, como fiz eu no início deste texto. Isto porque, essencialmente, de onde tudo parte é das relações humanas e dos problemas e sentimentos que lhe estão subjacentes.

"Tudo
parte das relações humanas", disse eu. Sim, parte, porque em Kieslowski nunca há só seres humanos que se relacionam entre si, mas sobretudo a forma como estes, por sua vez, se relacionam com aquilo que transcende a sua (nossa?) compreensão. É claro que, falando de La Double Vie de Véronique ou de Trois Couleurs: Rouge, essa abordagem é óbvia. Mas é quase sempre possível encontrar em Kieswloski, seja de forma mais óbvia ou menos óbvia, algo de divino. Não necessariamente religioso, no sentido corrente da palavra, mas de divino e de transcendente. Ou seja, Kieslowski vai buscar uma questão anterior: porque nos relacionamos com determinada(s) pessoa(s)?, talvez seja uma forma de a colocar. Ou, relacionado de forma mais concreta com o primeiro episódio de Dekalog, fará mais sentido perguntar: de que forma é que aquilo que não compreendemos pode afectar a nossa relação com o(s) outro(s)?

Pawel, uma criança muito inteligente, é educado pelo pai desde cedo sobre questões lógico-matemáticas, com auxílio de um computador que usam para calcular, por exemplo, a dureza do gelo do exterior. A sua tia, por outro lado, acredita que o rapaz deve ter também acesso a uma educação religiosa. Mais uma vez, as questões levantadas serão as mesmas, mas este primeiro episódio fala-nos essencialmente daquilo que para a ciência e para nós é imprevisível, consequência da aleatoriedade de certos aspectos do mundo e da vida, o que torna impossível prever tudo de forma exacta. Kieslowski reconhece essa impossibilidade, e, como tal, aborda esse lado transcendente precisamente dessa forma: reconhecendo-o sem o tentar compreender. É nesse sentido que não há nada de religioso em Kieslowski: não se procuram respostas para o incompreensível, mas apenas reconhecê-lo como tal; como transcendente da compreensão humana.

12.1.07

Weronika

O ÊXTASE NO FEMININO
por Kieslowski

6.1.07

Memórias do Futuro

Vermelho é, de longe, o melhor filme da Trilogia das Cores, de Kieslowski. Uma jovem modelo atropela um cão e resolve procurar o seu dono, conhecendo assim um velho juíz, já reformado, que espia as chamadas telefónicas dos vizinhos. Ele é cínico e distante, ela é bondosa e simpática. Curiosamente, entre ambos nascerá um sentimento de fraternidade cada vez mais forte, que os leva a partilharem os sentimentos mais íntimos. Ou, pensando melhor, talvez não seja assim tão curioso: afinal de contas, mais ainda do que as semelhanças que partilhamos, são as diferenças que nos aproximam. Trata-se, no limite, de uma componente especificamente humana da qual nos parecemos esquecer, e que Kieslowski faz questão de desenvolver neste filme.

Enquanto ele lhe conta a história da mulher que amou na universidade, acompanhamos outras personagens que não estão aparentemente ligadas, mas que são desenvolvidas numa espécie de construção de filme-mosaico, e que, no final, fazem tudo ter perfeito sentido. Um sentido que não é só narrativo, mas acima de tudo dramático. Sem querer revelar pormenores da narrativa, direi apenas que se repare no plano da troca de olhares, perto do final: raramente o amor à primeira vista foi capturado de forma tão magistral, em que o espectador, cúmplice dos sentimentos e das vivências de cada uma das personagens, percebe o que as une, mas elas próprias não. Depois de
Le Double Vie de Veronique, Kieslowski parece voltar a encontrar algo que une a humanidade; que une as almas umas às outras, sem que nos apercebamos disso, ainda que nos cruzemos diariamente.

Sem querer tirar mérito aos outros dois filmes da trilogia, que, como já referi neste blog, considero excelentes,
Vermelho está de facto noutro nivel de transcendência, com presença obrigatória numa lista dos melhores filmes da década passada.

2.1.07

Ainda a Memória

O segundo filme da Trilogia das Cores, de Kieslowski - Branco - é o menos perfeito da trilogia, tanto formalmente como a nível de complexidade e profundidade das relações, não deixando de ser, no entanto, menos hipnótico e fascinante.

Aliás: mesmo sendo o menos consistente dos três, trata-se provavelmente da experiência mais fascinante da trilogia, porque a menos convencional de um ponto de vista estritamente narrativo. Partindo de um divórcio entre uma francesa e um polaco, seguimos a vida que o homem leva a seguir, ainda apaixonado e consumido pela mais louca das paixões. O que poderia ser uma reflexão sobre o amor, a dor e a perda (como é
Azul), torna-se, sob o tema da (des)igualdade, uma espécie de comédia satírica (intercalada por algumas subtilezas dramáticas) sobre as consequências desse louco amor, tendo como base um argumento que assenta nas situações mais absurdas e irrealistas. Aquilo que cairia facilmente no ridículo, caso não tivesse uma realização que lhe conseguisse dar o tom adequado, torna-se, graças ao talento de Kieslowski, num fabuloso filme sobre as consequências do amor quando não consegue ser esquecido (o problema da memória, mais uma vez).

Sem dúvida mais metafórico que realista - atente-se especialmente à troca de gestos e de olhares (e de lágrimas...) na cena final -, mas por isso mesmo tão fascinante e encantador. Ou, se quisermos simplificar: cinema em estado puro!

30.12.06

A Persistência da Memória

O primeiro filme da famosa Trilogia das Cores, de Kieslowski - Azul - tem como tema a liberdade, que aborda de forma bastante curiosa: uma mulher, após perder o marido (compositor mais famoso da Europa) e a filha num acidente de automóvel, tenta ultrapassar o sofrimento desligando-se de todas as recordações que tinha da família e evitando laços afectivos, procurando um sentimento de total liberdade. Ou, por outras palavras, tenta lidar com a dor da perda abandonando o espaço físico que habitava, na esperança de que a memória (e mesmo acontecimentos presentes, com o recurso constante à música que compunha) não persistisse em trazer-lhe recordações do marido. Desta forma, pensava, poderia atingir a liberdade que desejava. Mas a liberdade não será às vezes a maior das prisões?

Uma obra de arte absoluta, construída numa simbiose perfeita entre imagem e som, em que cada silêncio ou cada fragmento de música que é ouvido pode ter a mais poderosa função dramática.