Dekalog 1
I Am The Lord Thy God: Thou Shalt Have No Other God But Me (52.55)
"It should not be out of place to observe that they have the very rare ability to dramatise their ideas rather than just talking about them. [...] They do this with such dazzling skill, you never see the ideas coming and don't realize until much later how profoundly they have reached your heart."
É talvez a citação mais famosa a propósito desta série de dez episódios, pensada inicialmente para um filme de 10 horas. A citação é de Stanley Kubrick, e o they a que o realizador de 2001: A Space Odyssey se refere é obviamente a Krzysztof Kieslowski e ao seu co-argumentista (não só desta série, mas também das conceituadas obras que se seguiram - La Double Vie de Véronique e os filmes da Trilogia das Cores) Krzysztof Piesiewicz.
E, de facto, Kubrick diz tudo nestas duas frases. Dekalog baseia-se em cada um dos Dez Mandamentos, mas o objectivo de Kieslowski não é falar sobre o seu significado, mas usá-los apenas como ponto de partida para abordar valores morais universais, através de situações concretas. Em que se baseiam as imagens que estamos a ver até acaba por ser irrelevante. Repare-se que Kieslowski nem sequer nos diz de que trata o Mandamento em que cada episódio se baseia, como fiz eu no início deste texto. Isto porque, essencialmente, de onde tudo parte é das relações humanas e dos problemas e sentimentos que lhe estão subjacentes.
"Tudo parte das relações humanas", disse eu. Sim, parte, porque em Kieslowski nunca há só seres humanos que se relacionam entre si, mas sobretudo a forma como estes, por sua vez, se relacionam com aquilo que transcende a sua (nossa?) compreensão. É claro que, falando de La Double Vie de Véronique ou de Trois Couleurs: Rouge, essa abordagem é óbvia. Mas é quase sempre possível encontrar em Kieswloski, seja de forma mais óbvia ou menos óbvia, algo de divino. Não necessariamente religioso, no sentido corrente da palavra, mas de divino e de transcendente. Ou seja, Kieslowski vai buscar uma questão anterior: porque nos relacionamos com determinada(s) pessoa(s)?, talvez seja uma forma de a colocar. Ou, relacionado de forma mais concreta com o primeiro episódio de Dekalog, fará mais sentido perguntar: de que forma é que aquilo que não compreendemos pode afectar a nossa relação com o(s) outro(s)?
Pawel, uma criança muito inteligente, é educado pelo pai desde cedo sobre questões lógico-matemáticas, com auxílio de um computador que usam para calcular, por exemplo, a dureza do gelo do exterior. A sua tia, por outro lado, acredita que o rapaz deve ter também acesso a uma educação religiosa. Mais uma vez, as questões levantadas serão as mesmas, mas este primeiro episódio fala-nos essencialmente daquilo que para a ciência e para nós é imprevisível, consequência da aleatoriedade de certos aspectos do mundo e da vida, o que torna impossível prever tudo de forma exacta. Kieslowski reconhece essa impossibilidade, e, como tal, aborda esse lado transcendente precisamente dessa forma: reconhecendo-o sem o tentar compreender. É nesse sentido que não há nada de religioso em Kieslowski: não se procuram respostas para o incompreensível, mas apenas reconhecê-lo como tal; como transcendente da compreensão humana.
"It should not be out of place to observe that they have the very rare ability to dramatise their ideas rather than just talking about them. [...] They do this with such dazzling skill, you never see the ideas coming and don't realize until much later how profoundly they have reached your heart."
É talvez a citação mais famosa a propósito desta série de dez episódios, pensada inicialmente para um filme de 10 horas. A citação é de Stanley Kubrick, e o they a que o realizador de 2001: A Space Odyssey se refere é obviamente a Krzysztof Kieslowski e ao seu co-argumentista (não só desta série, mas também das conceituadas obras que se seguiram - La Double Vie de Véronique e os filmes da Trilogia das Cores) Krzysztof Piesiewicz.
E, de facto, Kubrick diz tudo nestas duas frases. Dekalog baseia-se em cada um dos Dez Mandamentos, mas o objectivo de Kieslowski não é falar sobre o seu significado, mas usá-los apenas como ponto de partida para abordar valores morais universais, através de situações concretas. Em que se baseiam as imagens que estamos a ver até acaba por ser irrelevante. Repare-se que Kieslowski nem sequer nos diz de que trata o Mandamento em que cada episódio se baseia, como fiz eu no início deste texto. Isto porque, essencialmente, de onde tudo parte é das relações humanas e dos problemas e sentimentos que lhe estão subjacentes.
"Tudo parte das relações humanas", disse eu. Sim, parte, porque em Kieslowski nunca há só seres humanos que se relacionam entre si, mas sobretudo a forma como estes, por sua vez, se relacionam com aquilo que transcende a sua (nossa?) compreensão. É claro que, falando de La Double Vie de Véronique ou de Trois Couleurs: Rouge, essa abordagem é óbvia. Mas é quase sempre possível encontrar em Kieswloski, seja de forma mais óbvia ou menos óbvia, algo de divino. Não necessariamente religioso, no sentido corrente da palavra, mas de divino e de transcendente. Ou seja, Kieslowski vai buscar uma questão anterior: porque nos relacionamos com determinada(s) pessoa(s)?, talvez seja uma forma de a colocar. Ou, relacionado de forma mais concreta com o primeiro episódio de Dekalog, fará mais sentido perguntar: de que forma é que aquilo que não compreendemos pode afectar a nossa relação com o(s) outro(s)?
Pawel, uma criança muito inteligente, é educado pelo pai desde cedo sobre questões lógico-matemáticas, com auxílio de um computador que usam para calcular, por exemplo, a dureza do gelo do exterior. A sua tia, por outro lado, acredita que o rapaz deve ter também acesso a uma educação religiosa. Mais uma vez, as questões levantadas serão as mesmas, mas este primeiro episódio fala-nos essencialmente daquilo que para a ciência e para nós é imprevisível, consequência da aleatoriedade de certos aspectos do mundo e da vida, o que torna impossível prever tudo de forma exacta. Kieslowski reconhece essa impossibilidade, e, como tal, aborda esse lado transcendente precisamente dessa forma: reconhecendo-o sem o tentar compreender. É nesse sentido que não há nada de religioso em Kieslowski: não se procuram respostas para o incompreensível, mas apenas reconhecê-lo como tal; como transcendente da compreensão humana.
1 comment:
Compartilho completamente de sua visão sobre o Decálogo. Acabo de ser introduzida neste uiverso de Kieslowski e o que me impressionou foi justamente esta delicadeza do diretor em tocar em questões tão profundas. Embates "ïnvisíveis" entre o lógico e o transcendente; entre o eu e o outro; entre o certo e o errado - questões cotidianas que abordadas pelo diretor com sua lente de aumento nos tocam, sem que percebamos o quanto podem ser fortes, presentes, nossas.
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