24.10.06

Lágrimas de Felicidade?


Vale a pena regressar a 1988, sobretudo quando as últimas animações japonesas me têm passado ao lado, em particular as de Hayao Miyazaki, onde não posso deixar de sentir que à perfeição técnica e formal se opõe um conteúdo vazio e disperso, mais preocupado em que as personagens sejam meros símbolos ou metáforas de uma ou outra coisa, do que em explorar o seu lado humano e desenvolver a sua complexidade dramática. Curiosamente, é o que não se passa em Grave of the Fireflies, de Isao Takahata, em que são as personagens (a sua densidade humana e dramática) que definem o mundo que estas habitam, e não o contrário. E é por isso que Grave of the Fireflies é um dos filmes mais tocantes de sempre. É, acima de tudo, um filme que sabe aproximar-se do espectador pela humanidade que atribui às suas personagens, pela genuinidade das suas relações.

E é também importante referir que a primeira coisa que sabemos no filme é que o destino das personagens principais será a morte. Na verdade, a primeira frase do filme é de Seita, dizendo-nos a noite em que morreu... 21 de Setembro de 1945. Em plena Segunda Guerra Mundial, após a morte da mãe, Seita e Setsuko fazem o que podem e o que não podem para sobreviver sozinhos. Porém, a inocência da idade permite-lhes encontrar felicidade do meio do desespero. E é sobretudo daí que vem o impacto de
Grave of the Fireflies: as personagens não têm consciência dos seus destinos; nós, espectadores, temos. Na verdade, diria mesmo que quanto mais felizes são as cenas, mais tocantes, desencantadas e tristes são para o espectador. As lágrimas causadas por esses momentos não são, pois, de felicidade, mas sim por termos consciência da efemeridade dessa felicidade; por termos consciência de que em breve dará lugar à morte.

1 comment:

Filipa Lopes said...

Tudo o que tu dizes é acertadíssimo, e este "Túmulo dos Pirilampos" é de facto, um filme extraordinário.

O exageradamente aclamado "Nobody Knows" tenta ser tudo isso, sem conseguir. Tudo o que nesta animação é transmitido em pouco mais de hora e meia; leva quase o dobro em "Nobody Knows", fazendo com que, muitas vezes, o espectador se distrai daquilo que está a ver, e chegue a desejar que o filme acabe depressa, sem sentir a empatia desejada com os personagens; o que não deixa de suceder por um segundo que seja no "Túmulo dos Pirilampos".

É na contraposição destas duas obras que mais uma vez se verifica que quantidade (neste caso, de tempo) não significa qualidade...