26.2.08

There Will Be Blood

Começando pelo lado que me desiludiu, There Will Be Blood não se aproxima, ao contrário do que esperava, do nível dessa obra-prima monumental que é Magnolia (para mim, o melhor filme da década de 90), assim como não está ao nível de outras obras-primas desta década, como por exemplo The Aviator, de Martin Scorsese, com o qual tem evidentes semelhanças. Falta-lhe, na verdade, toda a ambiguidade moral que Paul Thomas Anderson conseguiu atingir em Magnolia, e entrar completamente a fundo na mente das personagens. Recorde-se a cena em que Howard Hughes, em The Aviator, se fecha naquela sala de projecção: onde é que em There Will Be Blood existe uma cena de igual nível de intensidade e profundidade na abordagem do lado psicológico de Daniel Plainview?

Não é, porém, a inferioridade face a obras-primas deste calibre que faz com que o mais recente filme de Paul Thomas Anderson não seja magnífico. Pelo contrário, magnificência e poder são coisas que não faltam a There Will Be Blood, começando desde logo pelo poder visual de cada imagem por si. E não há melhor sequência para o demonstrar do que a da explosão (melhor cena do filme?), em que a fotografia apuradíssima desempenha um papel importante, mas o fundamental está mesmo na realização de PTA, sendo a escolha e sequência de planos verdadeiramente responsável pelo impacto visual e dramático da cena. E destaque seja feito àquele sublime travelling que acompanha Plainview a levar o filho para longe da explosão, e a ambiguidade que aí se verifica (depois de o por a salvo, volta a abandoná-lo).

Tal ambiguidade está, aliás, presente em todo o filme, que PTA vai construindo subtilmente, muito mais através de imagens do que de palavras. Apesar da constatação óbvia de Plainview usar o filho com interesses comerciais e económicos, essa relação acaba por ser tudo menos óbvia. Veja-se, por exemplo, a cena na Igreja: é irrelevante para Daniel Plainview pedir perdão a Deus e ser humilhado em público, sabendo que o faz com interesses económicos; não é, no entanto, com a mesma facilidade que, nessa mesma cena, admite ter abandonado o filho. Outro exemplo disso é o estado em que Plainview fica depois da conversa final com o filho (apesar da despreocupação que pretende demonstrar), e o flashback que entra de seguida, relembrando-se das brincadeiras de criança de H.W. com a rapariga que se tornou sua esposa.

O referido momento tem um significado especialmente tocante, na medida em que é um dos raros em que a banda sonora que o acompanha é consonante e melodiosa, em contraste com o resto do filme, em que é maioritariamente atonal e à base de percussão; uma réstia de humanidade e emoção no meio de toda a frieza e desumanidade que assombram o filme. Todo esse distanciamento e ausência de emoção é perturbante pela forma extrema como PTA o filma. E não há melhor exemplo disso do que a cena em que Daniel decide que H.W. deve regressar depois de o ter abandonado, e PTA filma toda a cena (inclusive o abraço entre pai e filho!) com um distanciamento incrível (literalmente), utilizando um imenso plano geral que não oferece espaço para uma única pinga de emoção.

E, de facto, só assim podia acontecer para ser fiel à psicologia da personagem principal, cuja complexidade provém não tanto da sua humanização, mas sobretudo da sua desumanização. Esse é, aliás, um dos grandes méritos do filme, que pertence não só a Paul Thomas Anderson, mas sobretudo a Daniel Day-Lewis, cuja interpretação monumentalíssima dispensa quaisquer comentários. Neste contexto, a cena em que percebe que o homem que se diz seu irmão não o é verdadeiramente adquire um impacto dramático arrebatador, na medida em que se tratava da sua última esperança de construir uma relação com outro ser humano que tivesse de facto como base o factor humano.

Finalmente, não se pode deixar de destacar a importância da já referida banda sonora. Se por um lado é maioritariamente dissonante, por outro a forma como se conjuga com as imagens é de uma consonância absoluta. Diria mesmo que é impossível imaginar aquelas imagens com outra música a acompanhar: o retrato desumano, frio, vazio nunca teria sido tão arrebatador sem os sons atonais, dissonantes e com grande recurso a instrumentos de percussão que o acompanha. Raras vezes a música foi usada com tal função dramática, de tal forma que se pode mesmo dizer que, neste filme, imagens e música não se podem separar.

O objectivo de Paul Thomas Anderson com There Will Be Blood era construir uma obra monumental sobre o poder, a religião, a ambição. No entanto, apesar de todo o meu fascínio pelo filme, não posso afirmar que esse objectivo seja plenamente conseguido. Pergunto-me, por exemplo, até que ponto é que a (excelente, diga-se) cena final não teria tido um dramatismo ainda maior como conclusão do confronto entre poder e religião se o padre Eli Sunday, interpretado por Paul Dano, tivesse sido retratado com maior ambiguidade. A personagem funciona, mas falta, de uma forma geral ao argumento de Paul Thomas Anderson, uma maior complexidade e profundidade que levaria de facto o filme ao estatuto da obra-prima que não é, mas que claramente pretende atingir. Não deixa, porém, de ser um filme magnífico.

24.2.08

And the Oscar will go to...


Alguns membros do Claquete apresentam abaixo as suas previsões sobre quem vai vencer na próxima madrugada. Na medida dos filmes vistos por cada um, e dentro do lote dos nomeados, apresentam-se também as preferências de vitória pessoais para cada categoria.

Segunda-feira pela manhã saberemos quem tinha a bola de cristal mais afinada...

12.2.08

Fantasporto 2008

Destaques:

Secção Oficial Cinema Fantástico – Competição:
I’m a Cyborg, but That’s Ok – Chan-wook Park – Cor Sul – 105 min – Orient Express
Inside – Julien Maury, Alexandre Bustillo – Fra – 83 min
Mother of Tears – Dario Argento – Ita – 98 min
Rec – Jaume Balagueró, Paco Plaza – Esp – 90 min
Teeth – Michael Lichetenstein – EUA – 90 min
The Orphanage – Juan Antonio Bayona – Esp - 100 min
Sukiyaki Western Django – Takashi Miike – Jap – 121 min


Secção Oficial Semana dos Realizadores – Competição:
Boarding Gate - Olivier Assasyas – Fra – 106 min
Breath – Kim Ki Duk – Cor Sul – 84 min – Orient Express
Interview – Steve Buscemi – EUA, Hol – 85 min
The Band’s Visit – Eran Kolirin – Isr, EUA, Fra – 87 min
You, the Living – Roy Andersson – Swe – 95 min


Secção Oficial Orient Express – Competição
Triangle - Tsui Hark, Ringo Lam, Johnnie To – HK, Chi – 100 min
Tuya’s Marriage – Quanan Hang – Chi – 96 min

cartaz completo aqui

11.2.08

Haverá Sangue, Assombro, Génio, Cinema e Muito, Muito Mais…


Perante uma coisa desta dimensão, confesso-me incapaz de articular gestos ou palavras que se possam constituir num discurso minimamente racional. É nestas alturas que invejo os grandes escritores, aqueles que conseguem pela palavra dar vida a uma realidade, no presente caso a intensidade de emoções, pensamentos e sensações que There Will Be Blood me despertou. Nos momentos que se sucederam à projecção, o grande silêncio da total sideração foi mesmo a única resposta que consegui produzir. Hoje, dois dias depois, não tendo o dom do verbo, pouco mais consigo articular que um conjunto de banalidades. Sim, é genial, único, inovador, clássico instantâneo, obra-prima absoluta, maior que a vida, avassalador, sublime, filme maior. Tudo isso e provavelmente todos os outros superlativos de que se lembrem. Tem plano perfeito atrás de plano perfeito. Tem a melhor interpretação de Daniel Day-Lewis (ou seja, tem uma das melhores interpretações já vistas). Tem uma banda sonora que é agente activo na gestão do espaço e do ambiente, como não me lembro de ver (ouvir) na minha vida adulta. Na verdade, isolar qualquer aspecto desta estarrecedora experiência é de alguma forma menorizá-la, por isso fica apenas o testemunho da minha total e incondicional rendição a There Will be Blood e a PT Anderson.

4.2.08

Lust, Caution: cinema de anulação

Depois do enorme sucesso de «Brokeback Mountain» (um bom mas limitado melodrama), Ang Lee decide agora fazer uma incursão pelo drama de espionagem, trocando as verdejantes pradarias americanas pela sombria Shanghai dos 1940’s. O resultado é um enorme desastre chamado «Lust, Caution».

Em termos directos e intuitivos pode dizer-se que «Lust, Caution» é a transformação do romance literário de Eileen Chang (pequeno livrinho com escassas dezenas de páginas) num inenarrável pastelão cinematográfico de quase 3 horas, onde se vão aglutinando imagens sem gravidade ou tensão. As imagens deste penoso filme são, aliás, imagens de verdadeira anulação: anulam o espaço, as personagens e as suas tensões; anulam as outras imagens e a seguir anulam-se a si próprias. Não há uma vertigem dramática, um acontecimento que desequilibre, uma emoção que expluda, um sentimento que se afirme. Apenas o vazio. E o enorme desinteresse em ser espectador deste filme.

As tão badaladas cenas de sexo explícito – que em termos programáticos cumprem aqui a função de marketing que a homossexualidade cumpriu no filme anterior de Lee – tentam a determinada altura conferir ao filme um certo peso visceral que até aí não existia, mas esbarram com o vazio que percorre a obra e o seu efeito acaba irremediavelmente anulado. O adorno formal deste filme constrói-se, assim, sobre o vazio e as personagens (?) deambulam pelo espaço como autónomos a percorrer o guião. Cinema de anulação, segundo Ang Lee.