Numa noite
A melancolia visual de Antonioni é um dos grandiosos e memoráveis marcos desta idade de ouro do cinema italiano. La Notte é uma das suas obras inseridas nessa era, o relato de menos de 24 horas no dia de um casal constituído por Giovanni, um escritor a atingir o sucesso, e a sua esposa Lidia. Tudo começa com a visita a um amigo moribundo e a reacção de ambos é distinta e toma formas opostas. Reúnem-se de noite, para frequentar uma extravagante festa que irá definir o futuro de ambos. Parte de uma trilogia temática, antecedido por L’Avventura e precedido por L’Eclisse, La Notte é um ensaio contemplativo sobre a morte e estagnação de sentimentos, a apatia do quotidiano, e a maneira como se decide lidar, ou não, com tal. A mulher procura na solidão reencontrar a pessoa quem era há anos, primeiro vagueando, como um espectro do passado, a zona de Milão onde viveu, e depois tentando vislumbrar no marido o amor que nutria por ele. Este, em total antagonismo, tenta desesperadamente sorver a vida de tudo aquilo que o rodeia, numa vaga de impulsos descontrolados e inconsequentes. As interpretações de Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni são assombrosas, de uma mudez alarmante, incarnações contrárias de um mesmo sentimento de letargia e morte. Monica Vitti é também ela arrebatadora na pele da mulher que, naquela longa e reveladora noite, os afasta e simultaneamente os reúne pela primeira vez em anos. A precisão e beleza arrebatadora da realização de Antonioni, na forma como acompanha e ilumina as suas personagens para depois as abandonar na escuridão e vice-versa, faz parte do legado do mais puro cinema clássico (e não só) e este La Notte é mais um testemunho da sua perpetuidade.