13.3.07

Imortalidade em/do Cinema

The Fountain é um filme que nos fala, a partir de uma história de amor, da busca da imortalidade. E é, também, um filme diferente de qualquer coisa que alguma vez tenha sido feita, na forma como a viagem de Tom (Hugh Jackman) é desenvolvida, para descobrir como ultrapassar a morte. Aronofsky arriscou, e entregou-se, assim como os actores, de forma total ao filme, o que se nota acima de tudo na forma como os actores são filmados, em especial Jackman, que tem uma interpretação magnífica.

Acreditem quando vos digo que adoraria estar aqui a dizer que The Fountain é uma das histórias de amor mais transcendentes alguma vez filmadas. Mas a verdade é que senti sempre um grande distanciamento face às personagens no presente, e consequentemente à busca de Hugh Jackman que se desenvolve nas três linhas narrativas. Poderia entrar na onda de críticas (que não são poucas) que arrasam por completo o lado místico e simbólico do filme, mas não o farei, não porque considere essa vertente do filme magnífica, mas porque penso que não é aí que reside o problema.

Para mim, tudo parte da ligação emocional que se sente inicialmente com as personagens. Aqueles já muito criticados planos grandiosos de Hugh Jackman a flutuar no espaço dentro de uma bolha, entre outros, nada têm de oco ou de espalhafato visual. São completamente serviçais à narrativa e às personagens, e portanto é natural que, para nos identificarmos com eles, nos tenhamos também que, antes disso, identificar com a história que está a ser contada. Aliás, não se trata de uma mera identificação: o que os admiradores do filme descrevem é uma absoluta envolvência emocional, que realmente não senti.

Porque não? É, obviamente, a mais difícil das questões, em especial num filme com aspectos tão fascinantes. Com um só visionamento (e que não foi o melhor dos visionamentos, devido a fraca qualidade sonora e de projecção), posso dizer que umas das razões para esse distanciamento talvez tenha sido o facto de Darren Aronofsky nos colocar de imediato no meio da narrativa. Não temos qualquer informação (e muito menos desenvolvimento, claro) sobre o passado de Tom e Izzi (magnífica Rachel Weisz, também), mas somos de imediato inseridos na busca de Tom. Aronofsky aposta tudo na entrega dos actores (que é de facto, de louvar), mas comigo não foi suficiente.

A propósito, ainda esta semana tive a ver esse filme sublime que é o Solaris de Steven Soderbergh. Acho que tenho direito a esta comparação, na medida em que são dois filmes deste novo milénio, de ficção científica, e a lidar com a procura da imortalidade. Porém, ainda que tematicamente próximos (e são também próximos nas reacções drasticamente opostas que geram), são filmes com abordagens muito diferentes. O objectivo de Aronofsky ao contar aquela história é claro, a sua entrega emocional igualmente, a sua grandiosidade visual, idem. O de Soderbergh é muito mais subtil, as emoções e os sentimentos mais escondidos (basta comparar as interpretações de Clooney e Jackman; o primeiro sempre em extrema contenção dramática, o segundo tem várias cenas em que chora compulsivamente), e sim, também é visualmente belo, mas não grandioso.

Não querendo, à partida, criticar qualquer uma das diferentes abordagens, a verdade é que me senti, contrariamente ao que aconteceu em The Fountain, completamente envolvido no filme de Soderbergh, a ponto de o considerar uma das grandes obras desta década. Fascinou-me muito mais a surdez das emoções e dos sentimentos tão bem capturados p
or Soderbergh, tanto nos silêncios como nos diálogos. Senti-me muito mais envolvido na busca de Clooney, mais abstracta e contida, desde aquela espantosa cena em que a temática da imortalidade é definida, quando, em flashback, se encontra com a mulher pela primeira vez, e cita o poema de Dylan Thomas que o acompanhará em todo o filme. And death shall have no dominion. E sim, encontro muito mais desencantamento, muito mais as perturbações da solidão, em cada plano de cada olhar dos actores de Solaris e em cada frase que é dita e em cada uma que fica por dizer.

Mas, voltando ao filme de Aronofsky, é sem dúvida um filme que quero rever um dia. Uma das razões, é a já referida falta de condições em que o visionamento ocorreu. Outra, será procurar de forma mais clara as razões para ter sentido tal distanciamento. Ou quem sabe, para passados uns tempos, já não sentir tal distanciamento. O Cinema (e a arte em geral) também tem essa particularidade, em especial quando se trata de filmes tão radicais e que vêm directamente do fundo do coração de quem os faz, para a alma de cada espectador. E se The Fountain é alguma coisa, é um filme com alma e coração. Assim como outros filmes que estrearam recentemente. Lady in the Water, de M. Night Shyamalan, é um desses filmes. The New World, de Terrence Malick, é um desses filmes. E essa entrega total, será sempre de admirar. Até porque é ela que também garante a imortalidade do Cinema.

1 comment:

diogo said...

Belíssimo texto.
Também tive oportunidade de visionar "Solaris" recentemente. Belíssmo filme.
:)