3.3.07

Labirinto Sem Saída


El Labirinto del Fauno, o novo filme de Guillermo del Toro depois de Hellboy, aplaudido durante 22 minutos em Cannes e recebido tanto nos EUA como na Europa como a obra-prima de del Toro, revela-se uma das grandes desilusões dos últimos anos e um dos mais sobrevalorizados filmes da década. Algumas notas para justificar a minha opinião:

1) O retrato que del Toro faz da situação política é do mais básico que já se viu, através de uma oposição bons/maus absolutamente simplista. A personagem do Coronel não passa de um boneco sem o mínimo de densidade, e que apenas serve as intenções de manipulação emocional de del Toro. Manipulação que é, aliás, do mais insultuoso que pode haver, sem um pingo de honestidade. A cena com os caçadores de coelhos é por demais evidente. Ou frases com subtileza de elefante como a que o médico diz ao Coronel antes de morrer.

2) A acrescentar à manipulação emocional e à desonestidade das personagens, vem a violência gratuita, visualmente repugnante e sem suporte dramático que a justifique. A personagem do Coronel e as suas acções estão lá para chocar o espectador, e de facto o objectivo é alcançado: é realmente chocante que se confunda vilão, com caricatura básica sem dimensão que mata aleatoriamente tudo o que lhe aparece à frente.

3) O universo fantástico não é mais que um adereço visual e narrativo que só existe para enfeitar. Há uma ideia: a fuga ao mundo real. O resto é acrescentar bonecos sem propósito narrativo e um imaginário pobre e deja vu. A realização das três provas, a preferência pelo seu próprio sangue do que pelo sangue do irmão, etc., etc.: tudo previsível e já mais que visto. A propósito, perante um falhanço monumental deste calibre, vale a pena recuar 60 anos para recordar o Powell/Pressburger A Matter of Life and Death, filme fascinante onde - aí sim - a imaginação e o real, apesar de universos distintos, se reflectem um no outro de forma exemplar. Ou, para os mais esquecidos, podem recuar apenas um par de anos e encontrar esse clássico moderno absoluto que é Big Fish, de Tim Burton.

4) Todo o filme está cheio de pormenores de argumento que parecem de guião escrito numa noite porque tem que estar pronto no dia seguinte para começar a ser filmado. O facto dos rebeldes não levarem ou destruirem o cadeado para que a história possa continuar e ser descoberta a espia, roça o patético e o involuntariamente cómico. Mercedes não matar o Capitão e preferir deixá-lo com um sorriso à Joker para que possa haver cena de violência gratuita com ele a coser a boca, idem.

5) Resumindo: mesmo se o filme não fosse insultuoso e repugnante pelo retrato político básico e pela violência gratuita, continuaria a ser um tremendo falhanço cinematográfico, pelas personagens estereotipadas e caricaturais, pelo imaginário fraco e sem ideias, pela inconsequência do fantástico. Infelizmente, tem ainda essa agravante. Daí que, ainda que tecnicamente competente, não há mesmo volta a dar, nem ponto positivo que desculpe o resto. O labirinto de del Toro não tem saída.

3 comments:

C. said...

Nas histórias que se querem de fantasia e fábula, o contraste bom/mau é e sempre foi simplista. Se o filme pretendesse ser apenas um retrato da guerra civil espanhola e do franquismo, concordaria contigo. Como o filme não é (só) isso...

Tu também te questionas da densidade de personagens como a bruxa má de 'Branca de Neve', da Ursula de 'A Pequena Sereia'? São más e pronto ;)

Miguel Galrinho said...

Colocar "Branca de Neve" e "Labirinto do Fauno" no mesmo saco na comparação das personagens parece-me errado, por várias razões.

Em primeiro lugar, ao contrário de "Branca de Neve", Del Toro pega numa situação real, que procura explorar. Independentemente de ser só isso ou muito mais, uma das coisas que o filme faz é retratar essa situação real, que tem importância para a narrativa, e que começa logo por ser contextualizado no início do filme. Uma das razões, portanto, que obrigaria a uma maior preocupação em se fazer um retrato mais complexo da situação. Uns são identificados como fascistas, os outros como comunistas. Perante isto, não posso aceitar que se caia em simplismos no retrado de bons e maus, assim como não o poderia fazer se a oposição fosse entre americanos bons e alemães maus, ou brancos bons e negros maus, ou vice-versa.

Depois, muito mais importante do que a questão do real é a questão do realismo. Grande parte do filme incide sobre o sofrimento humano causado pela opressão do regime sobre determinados indivíduos. E a forma como Del Toro pretende explorar esse sofrimento tem muito pouco de fábula e de fantasia. A fantasia está lá, aliás, precisamente como oposição a esse mundo real cruel, de sofrimento realista. Portanto, para que as pretensões dramáticas do filme funcionassem, senti que faltava maior honestidade e respeito no tratamento das personagens, em vez de as tornar personagens de cartoon para depois se desculpabilizar com "universo de BD" ou "filme de fantasia".

C. said...

Os exemplos são extremos para mostrar um ponto de vista. Para mim o filme é uma fábula e o maniqueísmo é necessário numa fábula. O mal é absoluto, logo tentar compreender a sua raiz não faz muito sentido, ele existe e pronto.

O filme está recheado de metáforas e analogias, como a cena do banquete, a chave dentro do sapo, o sacríficio, por isso, negar a orientação ideológica do filme não faz muito sentido. O filme nunca quis, a meu ver, ser um retrato fiel da situação política e social da Espanha de Franco e da Guerra Civil.