4.3.07

Sonata para um Homem Bom

SPOILERS


Confesso que era minha intenção fazer este post sobre dois filmes, contrapondo-os e acentuando as suas diferenças, ao mesmo tempo que aplaudia a decisão da Academia em dar o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro a As Vidas dos Outros, em detrimento de O Labirinto do Fauno. Porém, o post que o Miguel escreveu, justificando a dua desilusão relativamente ao filme de del Toro (e que espelha, essencialmente os problemas que eu tive com o filme), tornou esse propósito algo irrelevante e redundante. Limitar-me-ei portanto a (tentar) enaltecer essa obra bem superior (e que bem esteve a Academia em reconhecê-lo!) que é As Vidas dos Outros.

Quando fui ver o filme, sabia apenas duas coisas: que era Alemão, e que tinha ganho o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Sabia também que várias pessoas minhas conhecidas tinham gostado dele. A curiosidade sobre ele ia aumentando.

Não esperava um filme assim. Que assente tanto na complexidade das suas personagens. É ideia comum que, num regime totalitário (estamos a falar, no caso concreto, da República Democrática Alemã - nome que, confesso, sempre me custou um pouco a aceitar, dado o seu contraste vincado com a realidade aí vivida), os partidários desse regime são todos maus, e quem luta contra ele são todos bons. Assim não acontece, e, durante 2 horas e um quarto, assistimos à alteração das convicções de um oficial da Stasi (Polícia Secreta da RDA), de seguidor do regime a traidor ao regime. De inimigo a amigo. De alguém a temer a alguém a agradecer.

As nossas certezas, bem como as das personagens, estão constantemente a ser abaladas. À medida que vai espiando e vivendo a vida de Georg (um dramaturgo, com muitas e sérias relações com outras pessoas contra o regime) e Christa-Maria (uma actriz, sua namorada e amante de um Ministro da RDA), o capitão Wiesler vai-se apercebendo que a vida não é preto e branco, tem toda uma escala de cinzentos. E, ao mesmo tempo que procura desempenhar com sucesso a sua missão, acaba por falhar miseravelmente. Porém, esse facto não o frustra, antes pelo contrário. Percebe-se que ele se sente algo realizado por ter tomado a atitude moralmente correcta.

No fim, pouco muda: o capitão solitário (e a solidão é um dos sentimentos melhor transmitidos pelo filme) torna-se apenas num civil solitário. As suas opções pouco mudaram a sua vida. Tirando talvez, o seu posto na Stasi.

A claustrofobia propositada que se sente em todo o filme é angustiante, e leva a uma empatia forte com as personagens. Não é uma claustrofobia manipulatória, e todos os personagens são bem reais. Não há ali unidimensionalismo básico, mas sim uma complexidade humana muito bem desenvolvida, e principalmente bem interpretada. É impossível não sentirmos simpatia por algumas das personagens. Devido a uma série opções de Wiesler, Georg e Christa-Maria vêem a sua vida alterada do curso que deveria seguir. Isto sem eles saberem. Já perto do final, Georg encontra o Ministro, amante da sua namorada, e pergunta-lhe porque nunca foi espiado. Quando sabe que não só foi espiado, mas que foi das pessoas mais vigiadas na altura, resolve investigar o porquê de nunca ter sido preso.

As últimas cenas, em que investiga o seu ficheiro de vigilância, em que descobre o responsável pela forma que a sua vida decorreu, e em que, finalmente lhe dedica o seu primeiro romance ("Sonata para um Homem Bom" - relevante, não só pelo título, como pela importância que uma outra obra de arte com esse título teve para si mesmo) são secas, quase impessoais, mas é aí que reside a sua emoção.

É material passível de fazer chegar lágrimas aos olhos. E para mais uma vez chegarmos à conclusão de que nem tudo o que parece... é.

4 comments:

Nelson Magina Pereira said...

Um filme que anseio ver. Infelizmente não é muito facil encontrá-lo nas muitas salas de cinema que insistem em ocupar duas salas ou mais com filmes "mais rentáveis".

Cumps.

Edisonbr said...

Olá,
Gostei do artigo e do blog.
retomei o meu há pouco tempo e comentei o mesmo filme. Veja lá se quiser:
www.lusco-fusco.blogger.com.br

Anonymous said...

Olá,
Gostei do artigo e do blog.
retomei o meu há pouco tempo e comentei o mesmo filme. Veja lá se quiser:
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Anonymous said...

Well said.