Um ano de cinema em Portugal - O Pior (III)
O ACADEMISMO
2006 veio reforçar a tendência para uma certa academização do cinema. Convém começar por explicitar o que se entende por academismo neste contexto. Pretende-se nesse termo condensar uma certa forma de ver o cinema como não mais que um veículo para relatar factos, ficcionais ou reais. Partimos assim de uma história, à qual há vezes a dificuldade em chamar argumento, dada a sua esparsa densidade. Nessa história, existem figuras com nomes, que não passam de representações icónicas, seja de sentimentos ou atitudes, muitas vezes traduzindo estereótipos de diversas ordens. A essas figuras falta qualquer dimensão humana (ou outra) para que se possam chamar de personagens. Pegando nesta história, passa-se então ao processo de a converter para imagens, alocando para tal amiúde vastos meios e produção. O resultado é muitas vezes um conjunto de imagens bonitas (às vezes nem isso), musicadas agradavelmente (dependendo dos gostos) mas irremediavelmente comprometido pela fina espessura do material original aliada à completa falta de visão artística do empreendimento. Uma secura criativa marca visual, narrativa e, porque não dizê-lo, espiritualmente estes objectos anónimos e unidimensionais, que vivem muitas vezes de boas intenções e bons sentimentos em detrimento de bom cinema. Memoirs of a Gueisha, North Country, Poseidon, Walk the Line são apenas alguns exemplos.
Dir-se-à, com propriedade que este “cinema” sempre existiu e não vem daí mal ao mundo. Se isto é em parte verdade, não é menos verdade que 2006 vem acentuar esta tendência, e que se anteveêm nos céus sinais preocupantes. Um desses sinais é a forma como realizadores indiscutivelmente talentosos, alguns até com uma distinta marca autoral, aceitam colocar os seus préstimos ao serviço de tais vacuidades artísticas. Um outro, talvez ainda mais sintomático do estado das coisas, é o facto de cada vez mais sectores tidos como vanguardistas caucionarem estes objectos com rasgados e surpreendentes elogios.
Ridley Scott estreou Um Ano Especial, um exemplo de boas intenções traduzidas num tratamento estereotipado de situações e sentimentos apresentados numa bandeja de anonimato visual e indigência narrativa. Tudo pronto a servir, sinal porventura de dias em que o espaço e sobretudo o tempo para a digestão do alimento intelectual deixou simplesmente de existir.
Mas mais marcante é, contudo, o caso de The Queen. Trata-se de um pretenso estudo sobre o peso da realeza e os seus costumes anacrónicos centrado na figura de Isabel II aquando da morte da Princesa Diana. Na realidade, não passa de uma colecção de figuras estereotipadas, desde o Príncipe Consorte arrogante e rabujento a um Tony Blair com o carisma de um nabo mal cozido, passando por uma esposa histérica que debita sound bytes anti monárquicos ou um Príncipe Carlos retirado de uma qualquer grupo de saltimbancos afectados. Decorado por infindáveis imagens de arquivo da Princesa Diana, esta colecção de figurinhas é servida num argumento nada trabalhado, a que apenas escapa a figura da própria Isabel II, por mérito exclusivo da interpretação de Helen Mirren. Stephen Frears é indiscutivelmente um realizador aclamado e, gostando mais ou menos de alguns ou de todos os seus filmes, é alguém a quem se reconhece uma visão própria e um modo de fazer cinema. Como pode um objecto que em nada se distingue de um banal drama televisivo sobre a realeza ostentar a sua assinatura tem tanto de preocupante como de enigmático.
Dir-se-à, com propriedade que este “cinema” sempre existiu e não vem daí mal ao mundo. Se isto é em parte verdade, não é menos verdade que 2006 vem acentuar esta tendência, e que se anteveêm nos céus sinais preocupantes. Um desses sinais é a forma como realizadores indiscutivelmente talentosos, alguns até com uma distinta marca autoral, aceitam colocar os seus préstimos ao serviço de tais vacuidades artísticas. Um outro, talvez ainda mais sintomático do estado das coisas, é o facto de cada vez mais sectores tidos como vanguardistas caucionarem estes objectos com rasgados e surpreendentes elogios.
Ridley Scott estreou Um Ano Especial, um exemplo de boas intenções traduzidas num tratamento estereotipado de situações e sentimentos apresentados numa bandeja de anonimato visual e indigência narrativa. Tudo pronto a servir, sinal porventura de dias em que o espaço e sobretudo o tempo para a digestão do alimento intelectual deixou simplesmente de existir.
Mas mais marcante é, contudo, o caso de The Queen. Trata-se de um pretenso estudo sobre o peso da realeza e os seus costumes anacrónicos centrado na figura de Isabel II aquando da morte da Princesa Diana. Na realidade, não passa de uma colecção de figuras estereotipadas, desde o Príncipe Consorte arrogante e rabujento a um Tony Blair com o carisma de um nabo mal cozido, passando por uma esposa histérica que debita sound bytes anti monárquicos ou um Príncipe Carlos retirado de uma qualquer grupo de saltimbancos afectados. Decorado por infindáveis imagens de arquivo da Princesa Diana, esta colecção de figurinhas é servida num argumento nada trabalhado, a que apenas escapa a figura da própria Isabel II, por mérito exclusivo da interpretação de Helen Mirren. Stephen Frears é indiscutivelmente um realizador aclamado e, gostando mais ou menos de alguns ou de todos os seus filmes, é alguém a quem se reconhece uma visão própria e um modo de fazer cinema. Como pode um objecto que em nada se distingue de um banal drama televisivo sobre a realeza ostentar a sua assinatura tem tanto de preocupante como de enigmático.
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