Showing posts with label balanço. Show all posts
Showing posts with label balanço. Show all posts

11.1.09

2008 (João Eira)

As estreias em sala no ano que passou foram escassas em qualidade. Consequência dos avanços tecnológicos que ditam um aumento da pluralidade de meios de divulgação das artes audiovisuais, mas também da já tradicional e generalizada mediocridade nas decisões dos responsáveis nacionais pela distribuição e divulgação dos filmes.

Nos media especializados, é difícil distinguir o amador do (supostamente) profissional. O número de revistas de cinema parece aumentar na proporção inversa da geração de verdadeiro pensamento crítico. A adjectivação fácil, comparação gratuita, a reciclagem das mesmas tretas sobre reinvenção do género ou sobre a invasão da mediocridade televisiva. O tomar a pequenez e irrelevância da crítica nacional (que se confunde aliás com a irrelevância do próprio cinema português) como sinal de independência ou criatividade, são já um hábito deste País cheio de críticos e cineastas incompreendidos.

Antes de deixar os meus favoritos do ano, não posso deixar de destacar o inédito Redbelt, verdadeiro tratado sobre a honra, e uma pedrada no charco que é este mundo de relativização de valores e códigos éticos. Para lá de qualquer enquadramento religioso ou filosófico, Mike Terry, protagonista do filme, permanece comigo como exemplo do que é dar sentido a uma Vida.


Sem mais rodeios, aqui ficam os filmes que me marcaram neste (pela positiva e pela negativa):

Os Dez Mais

There Will Be Blood - Paul Thomas Anderson


We Own the Night - James Gray
No Country for Old Men - Joel & Ethan Coen
Before the Devil Knows You´re Dead - Sidney Lumet
The Dark Knight - Christopher Nolan
The Happening - M. Night Shyamalan
La Frontière de l`Aube - Phillipe Garrel
Lust, Caution - Ang Lee -
Indiana Jones and the Kingdom of the Cristal Skull - Steven Spielberg
Hunger - Steve McQueen

Merecendo ainda referência os regressos de Coppola com Youth Without Youth e de Resnais com Coeurs, a ousadia politica e socialmente incorrecta de Stallone em Rambo e de Padilha em Tropa de Elite, a candura indie de Juno, a dureza do drama de 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias.


Recycle Bin

The Assassination yadda yadda
Cloverfield
Rendition
Sleuth
In the Valley of Elah
10000 BC
The Mist
Speedracer
Gomorra
Paris

1.1.09

Balanço de 2008 (João Ricardo Branco)



1. Ne Touchez pas la Hache (Jacques Rivette)
2. The Happening (M. Night Shyamalan)
---------------------------------------------------
3. Before the Devil Knows You're Dead (Sidney Lumet)
4. La Frontière de L'aube (Philippe Garrel)
5. There Will Be Blood (P.T. Anderson)
6. Aquele Querido Mês de Agosto (Miguel Gomes)
7. We Own the Night (James Gray)
8. Tropa de Elite (José Padilha)
9. Cassandra’s Dream (Woody Allen)
10. Coeurs (Alain Resnais)

E eis que ao cair do pano chega o filme do ano! Na verdade, «Ne Touchez pas la Hache» não é de 2008 (o seu ano de produção é 2007) nem sequer estreou nas salas de cinema portuguesas: foi lançado directamente nas prateleiras do mercado de DVD nestas últimas semanas do ano. E se isto, só por si, diz muito (e mal) sobre o estado da distribuição de filmes no nosso país, nada diz, no entanto, sobre o maravilhoso filme de Rivette.

«Ne Touchez pas la Hache» é um filme que nos atinge como um raio na mesma medida em que as palavras de Antoinette atingem o general Montriveau no início da narrativa quando esta — agora uma freira enclausurada — lhe suplica humildemente que não a trate por Antoinette porque as lembranças do passado são dolorosas… O diálogo prossegue depois mais uns momentos até que as cortinas que separam a freira e o visitante se fecham abruptamente e o filme suspende em absoluto a acção presente e viaja, num enorme flashback, até 5 anos antes, altura em que os dois se conhecem e, contra a sociedade parisiense de início de século XIX, se apaixonam.

É nesse imenso e doloroso passado que Rivette se instala para, com precisão de relojoeiro e sensibilidade de poeta, contar mais uma história de amor louco. O realizador adapta aqui muito fielmente o belíssimo «La Duchesse de Langeais» de Balzac, preservando inclusivamente a riqueza da escrita do novelista francês, ao mesmo tempo que, do ponto de vista cinematográfico, vinca fortemente as suas marcas de realizador, sobretudo no que respeita ao tratamento do tempo e da mise-en-scène. A dupla de actores Guillaume Depardieu e Jeanne Balibar faz o resto, num insuperável trabalho de representação: a tristeza lancinante empregue por Depardieu e o abismo interior criado por Balibar são quase milagrosos e esmagam-nos por completo. Tudo o que é preciso saber sobre o amor está neste filme.

Destacado de tudo o resto surge também «The Happening», a extraordinária obra que Shyamalan nos entregou em meados do ano. A personagem central do filme chama-se Alma — como em «Persona» de Bergman — e é com ela que o filme ultrapassa as suas próprias circunstâncias e assume, com a máxima simplicidade, aquilo que verdadeiramente lhe dá vida: a descoberta do sentido maternal. É claro que «The Happening» é também um filme muito inteligente sobre ecologia, política e família. Mas o grande arco narrativo do filme, o seu caminho dramático e emocional, é percorrido por Alma na progressiva descoberta das suas próprias emoções. De resto, nos muito económicos, directos, empolgantes e tensos 90 minutos de película, Shyamalan constrói um notável sentido de urgência, continuando a acreditar, como sempre, no poder transformador do Cinema e na verdade dos seus temas de eleição.

Quanto ao mais, considero que 2008 foi, em termos de estreias nas salas portuguesas, um dos piores anos cinematográficos desde 1930 (para nos ficarmos apenas pela era sonora), porventura mesmo o pior. Tirando os dois filmes acima referidos — e apesar da qualidade dos outros filmes que compõem o TOP10 — pouco mais há que ameace ultrapassar, de forma significativa, as fronteiras do tempo e da memória.

Fora da 7.ª Arte. No Teatro nada me arrebatou tanto como a peça «Rock ‘n’ Roll», que passou pelo Teatro Aberto no primeiro semestre do ano e que fui ver 4 vezes. Impressionaram-me igualmente os monólogos de Beatriz Batarda (a melhor actriz portuguesa) em «De Homem para Homem» (Teatro da Cornucópia/Bairro Alto) e de João Lagarto em «Começar a Acabar» (Teatro Nacional D. Maria II). E em termos de concertos, guardo sobretudo na memória as actuações dos The National (Aula Magna, 11 de Maio), de Róisín Murphy (Optimus Alive, 12 de Julho), de Leonard Cohen (Passeio Marítimo de Algés, 19 de Julho) e de Ornette Coleman (Aula Magna, 5 de Novembro).

E quanto à minha vida em 2008… bom, isso não é para ser revelado neste blogue! Feliz 2009!

13.5.07

top 10 2000-2007

Por ordem cronologica, limitando um filme por realizador.

Artificial Intelligence (2001) de Steven Spielberg
Mulholland Dr. (2001) de David Lynch
25th Hour (2002) de Spike Lee
All the Real Girls (2003) de David Gordon Green
Elephant (2003) de Gus Van Sant
Tropical Malady (2004) de Apichatpong Weerasethakul
Million Dollar Baby (2004) de Clint Eastwood
The New World (2005) de Terrence Malick
Juventude em Marcha (2006) de Pedro Costa
I Don't Want to Sleep Alone (2006) de Tsai Ming Liang

8.5.07

TOP10 2000-2007

Seguindo esta iniciativa do Tiago Ribeiro – cinéfilo que os membros do Claquete estimam, sobretudo pela frontalidade dos seus textos e pelo facto de explicitar essencialmente a sua visão sobre os filmes que vê, ao contrário, diga-se, de outros que, em pose ostensivamente didáctica, apostam em textos indistintos e quase confundíveis com os mais básicos livrinhos de cinema –, deixo aqui também aquele que é hoje o meu TOP10 desta década (muito provavelmente mais rica que as duas décadas anteriores), por ordem alfabética e com um auto-imposto limite de um filme por realizador:

«25th Hour» (Lee, 01)

«Almost Famous» (Crowe, 00)

«Artificial Intelligence: AI» (Spielberg, 01)

«The Fountain» (Aronofsky, 06)

«Gangs of New York» (Scorsese, 02)

«INLAND EMPIRE» (Lynch, 06)

«Lost in Translation» (S. Coppola, 03)

«Million Dollar Baby» (Eastwood, 04)

«Moulin Rouge!» (Luhrmann, 01)

«The Village» (Shyamalan, 04)

19.2.07

Como o Ciclo Foi Belo


O 50.º filme do ciclo «Como o Cinema Era Belo» passou ontem na Gulbenkian. Ciclo terminado. Altura de balanços.

Entre visionamentos e revisionamentos não fui ver todos os filmes que gostaria de ter visto. Em 50 vi apenas 12. Todos belos (mesmo o falhado «The New World», que fui rever em nome da segunda oportunidade que devemos sempre dar às coisas). Todos vistos em sessões com óptima afluência (um penhor para futuros ciclos). Quase todos vistos na primeira fila da sala grande. Óptimas memórias, portanto. Dos filmes e desse acto cada vez mais dessacralizado que é o visionamento em si.

Segue a lista dos 12 filmes vistos, ordenada por ordem de preferência pessoal

1- Viaggio in Italia (Rossellini)
2- Senso (Visconti)
3- Letter From an Unknown Woman (Ophüls)
4- Some Came Running (Minnelli)
5- The Shop Around the Corner (Lubitsch)
6- Leave Her to Heaven (Stahl)
7- Vivre Sa Vie (Godard)
8- The Girl in the Red Velvet Swing (Fleischer)
9- The River (Renoir)
10- Au Hasard Balthazar (Bresson)
11- Ivan Grozny (Eisenstein)
12- The New World (Malick)

15.2.07

Insónia

Porque estou sem sono... e se a Sight & Sound e a Empire fazem porque é que eu não hei-de fazer?

Os Melhores Filmes dos Anos 30

Gone with the Wind, Fleming (39)

Only Angels Have Wings, Hawks (39)
Bringing up Baby, Hawks (38)

Young Mr. Lincoln, Ford (39)
Mr. Smith Goes to Washington, Capra (39)
The Scarlet Empress, Sternberg (34)
Lost Horizon, Capra (37)
A Farewell to Arms, Borzage (32)
Ninotchka, Lubitsch (39)
10º Modern Times, Chaplin (36)

11º La Règle du Jeu, Renoir (39)
12º The Adventures of Robin Hood, Curtiz (38)
13º Holiday, Cukor (38)
14º Mr. Deeds Goes to Town, Capra (36)
15º Trouble in Paradise, Lubitsch (32)
16º The Wizard of Oz, Fleming (39)
17º King Kong, Cooper & Schoedsack (33)
18º Stagecoach, Ford (39)
19º Duck Soup, McCarey (33)
20º Snow White and the Seven Dwarfs, (37)

3.1.07

Balanço de 2006 (Claquete)

Este ano o Claquete procurou escapar à simples lógica da contagem matemática de listas. O plenário dos membros do Claquete reuniu-se e, após horas de suado, aceso e enriquecedor debate, convergiu para uma escolha que todos consideraram representativa do que foi o ano de 2006 em termos de cinema.

Aqui estão os 10 filmes CLAQUETE de 2006, por ordem alfabética:

Babel, de Alejandro González Iñárritu


The Black Dahlia, de Brian De Palma


Caché, de Michael Haneke


Dans Paris, de Christophe Honoré


The Departed, de Martin Scorsese


A History of Violence, de David Cronenberg


Lady in the Water, de M. Night Shyamalan


Match Point, de Woody Allen


Munich, de Steven Spielberg


Nobody Knows, de Hirokazu Kore-eda

Os Melhores do Ano (João Pedro Jorge)

1. Munique, de Steven Spielberg
2. Uma História de Violência, de David Cronenberg
3. The Departed - Entre Inimigos, de Martin Scorsese
4. Babel, de Alejandro González Iñárritu
5. A Dália Negra, de Brian DePalma
6. Mary, de Abel Ferrara
7. Marie Antoinette, de Sophia Coppola
8. A Senhora da Água, de M. Night Shyamalan
9. Os Três Enterros de Melquíades Estrada, de Tommy Lee Jones
10. Kiss Kiss Bang Bang, de Shane Black

2.1.07

Os Melhores do Ano (Nuno Gonçalves)

1. Uma História de Violência, de David Cronenberg
2. Babel, de Alejandro González Iñárritu
3. O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee
4. The Departed - Entre Inimigos, de Martin Scorsese
5. A Senhora da Água, de M. Night Shyamalan
6. Ninguém Sabe, de Kore-eda Hirokazu
7. Marie Antoinette, de Sofia Coppola
8. O Novo Mundo, de Terrence Malick
9. Miami Vice, de Michael Mann
10. Munique, de Steven Spielberg

1.1.07

Balanço de 2006 (Paulo Albuquerque)

1- New World, de Terrence Malick
2- Juventude em Marcha, de Pedro Costa
3- Munich, de Steven Spielberg
4- The World, de Jia Zhang-Ke
5- A History of Violence, de David Cronenberg
6- Lady in the Water, de M. Night Shyamalan
7- The Black Dahlia, de Brian De Palma
8- Nobody Knows, de Hirozaku Kore-Eda
9- Miami Vice, de Michael Mann
10- Children of Men, de Alfonso Cuarón

Sem Distribuição:
1- Be With Me, de Eric Khoo
2- The Death of Mr Lazarescu, de Cristi Puiu
3- Un Couple Parfait, de Nobuhiro Suwa
4- Mutual Apreciation, de Andrew Bujalski
5- Keane, de Lodge Kerrigan

Um ano de cinema em Portugal - Os Melhores Filmes (João Eira)

Aqui ficam, sem mais, os dez melhores filmes de 2006 por ordem crescente de importância:

10. Superman Returns de Bryan Singer

Super-Homem e Clark Kent representam, depois do filme de Singer, uma só entidade; ou melhor, Singer conseguiu humanizar de tal forma o personagem do herói, que agora além do Super temos também o Homem, tornando Clark Kent num alter ego dispensável. Singer obteve assim a mistura perfeita entre a densidade psicológica que tal transformação acarreta e a dimensão de espectáculo que um filme desta dimensão inevitavelmente exige. Destaque-se ainda a surpresa de Kate Bosworth no papel de Lois Lane. Mais uma prova que Hitchcock não andaria longe da verdade. Os actores podem de facto ser comparados a gado. Se o condutor da manada for bom, até o mais limitado pode atingir patamares insuspeitos.

9. Fauteuils d'Orchestre de Danièle Thompson

Depois do muito conseguido Jet Lag, a experiente argumentista continua a capitalizar e a reforçar-se como nome incontornável do cinema francês. Thompson mantém-se fiel à herança dos grandes realizadores franceses para quem trabalhou, ao mesmo tempo que não tem medo de enraizar o seu cinema nos mais profundos cânones do melodrama clássico americano. Um filme pleno de emoção, comoção e humor e uma soberba homenagem à Vida.

8. Little Miss Sunshine de Jonathan Dayton e Valerie Faris

A comédia do ano é a prova da vitalidade do cinema independente norte-americano. O território já muitas vezes explorado da família disfuncional é aqui magistralmente reciclado, com todos os clichés postos em causa. Tudo num humor vivo, oscilando entre a mordacidade e a eficácia do nonsense.

7. Brokeback Mountain de Ang Lee

Se há tema que é recorrente no universo autoral de Lee é o da repressão de sentimentos e das convulsões internas e, por consequência externas, motivadas por esse recalcamento. De Mikey Carver a Li Mu Bai, passando por Hulk todos são conduzidos a um sofrimento auto induzido pela ocultação de algo de cuja a aceitação pelo mundo exterior duvidam. Tocando agora o tópico da homossexualidade, Lee filma uma das mais belas histórias de amor, fiel à emoção contida que torna o seu cinema único e que atinge aqui um ponto máximo

6. Caché de Michael Haneke

O mais enigmático e formalmente brilhante filme do ano. Caché pede múltiplos visionamentos sem nunca oferecer uma resposta concreta para os seus vários mistérios. Jogo de espelhos e identidades, desesperante viagem pelos caminhos da culpa e da procura interior da impossível redenção, o filme de Haneke é pontuado por imagens que têm tanto de inesquecível como de perturbante.

5. Casino Royale de Martin Campbell

O melhor James Bond – filme – de sempre. O melhor James Bond – personagem – de sempre. O melhor James BondDaniel Craig – de sempre. A refundação de uma saga incontornável do cinema mundial a justificar plenamente a inclusão neste top.

4. Dans Paris de Christophe Honoré

A homenagem de Honoré à Nouvelle Vague, produzida por Paulo Branco foi a surpresa do ano. A insustentável leveza da dor e do amor vistas pelo olho de Honoré, com uma Paris apaixonante em fundo. As magistrais interpretações de Garrell e especialmente de Duris reforçam a grandiosidade simples deste objecto. A sequência musical interpretada por Duris e Preiss, homenagem a Demy, que nada fica a dever à fonte inspiradora, é o melhor momento musical em cinema nos últimos (largos) anos.

3. The Departed de Martin Scorsese

Scorsese confirma a boa forma demonstrada o ano passado com o sublime The Aviator. Regressando aos territórios narrativos com que é mais facilmente associado – a saga de gangsters – aproveita para se emergir num dos mais fascinantes estudos sobre a identidade e a inadaptação de que o cinema tem memória. Tudo isto a propósito de um remake que muitos dizem, depreciativamente, de encomenda. A ser assim, que as encomendas continuem por muitos e bons anos.

2. A History of Violence de David Cronenberg

O mais recente opus de David Cronenberg é um colosso cinematográfico, também ele fundado nos territórios da identidade. Com inacreditável precisão e limpeza, Cronenberg transporta-nos para uma alucinante viagem existencial, não se coibindo de pelo caminho nos presentear com sucessivos e inesperados golpes, murros e cacetadas violentas. A tareia tem tanto de visceral como de cerebral e dificilmente poderemos olhar o que nos rodeia da mesma forma depois de sermos transformados por este filme.

1. Munich de Steven Spielberg

É talvez o mais incompreendido filme de Spielberg. Pelas mais diversas razões ou porque, sendo um filmes dos tempos, é claramente um filme à frente do seu tempo. Pegando num incidente ocorrido há três décadas, o mais brilhante autor da actualidade demonstra toda a sua vitalidade e mestria nesta reflexão sobre o presente e que futuro espera a Humanidade. Parece lugar comum, mas Spielberg não está em busca de um qualquer destino teleológico para todos nós. Parte sim da unidade fundamental – um ser humano – pondo em causa, passo a passo, a sua humanidade até que já nada reste dela a não ser o desespero da sua ausência. Um filme para a eternidade.

Balanço de 2006 (João Ricardo Branco)

1- Munich, de Steven Spielberg
2- Lady in the Water, de M. Night Shyamalan
3- The Departed, de Martin Scorsese
4- Babel, de Alejandro González Iñárritu
5- A History of Violence, de David Cronenberg
6- Good Night, and Good Luck, de George Clooney
7- Caché, de Michael Haneké
8- Match Point, de Woody Allen
9- A Prairie Home Companion, de Robert Altman
10-Miami Vice, de Michael Mann





Os mais memoráveis filmes de 2006 foram aqueles que não negaram as influências do complexo clima de incerteza que varre este mundo do pós-11 de Setembro, e que, pelo contrário, incorporaram o conjunto de dúvidas e angústias que ditam o pulsar contemporâneo. Não é, pois, de espantar que os mais marcantes (anti-)heróis deste ano sejam personagens dilaceradas e sombrias, que caminham desamparadas em direcção ao abismo. Avner, a personagem central de «Munich» que parece carregar às costas todas as dúvidas e inquietações do mundo de hoje, é o exemplo mais radical disso mesmo; mas Billy Costigan («The Departed»), Cleveland Heep («Lady in the Water»), Tom Stall («A History of Violence»), Chieko («Babel»), Georges Laurent («Caché»), ‘Sonny’ («Miami Vice»), Chris Wilton («Match Point») e Evey Hammond («V for Vendetta») são também casos evidentes de personagens inquietas e fustigadas pelos tempos.

Neste contexto surge «Munich», a obra máxima deste ano e um dos mais lancinantes filmes da década. Steven Spielberg, no auge da sua genialidade, filma uma história passada nos anos 1970 com os olhos postos em 2006 e constrói uma tragédia tão dilacerante e radical que não encontra paralelo em nenhum outro filme deste ano. O nível de depuração das suas emoções (filma-se uma das histórias mais tristes do mundo com uma sobriedade implacável), a forma como as suas personagens são expostas à mais brutal das solidões existenciais e o labiríntico cruzamento entre pessoa, família e pátria fazem de «Munich» um doloroso espaço cinematográfico que nos marca irremediavelmente. Ninguém sai igual depois de ver este filme: um pouco de nós morre com ele! A tão criticada cena de sexo é, quanto a mim, uma aterradora ilustração da morte espiritual de Avner: num único plano, Spielberg consegue juntar todas as equações do filme (pessoa, família, pátria, passado, presente, obsessão, vingança) para demonstrar que o seu protagonista continua vivo, mas está já morto enquanto Ser Humano. Foi, de longe, a mais forte e devastadora experiência que vivi nas salas em 2006.

M. Night Shyamalan propôs-nos olhar as mesmas incertezas e angústias do presente através de um conto de fadas e brinda-nos com uma obra-prima de beleza indizível e de transcendental clarividência. «Lady in the Water» é um filme pessoal e de coração e uma desarmante manifestação de personalidade artística que nos guia por uma viagem inesquecível ao lugar de todas as descobertas: o interior do Ser Humano. A «Babel», filme fabuloso sobre a incomunicabilidade com ressonâncias universais do mal-estar contemporâneo, interessa, por seu turno, partir dessa viagem interior para atentar na complexidade da sua exteriorização. Nele se cruzam gestos da mais pura e genuína liberdade com o mais triste e soturno dos aprisionamentos, numa cruel ambivalência que deixa o espectador literalmente despedaçado. Alguns dos mais belos momentos de cinema de 2006 podem encontrar-se aqui.

«The Departed» e «A History of Violence» transformam os ecos da realidade contemporânea em brilhantes estudos sobre a identidade, a violência e o desvanecimento do sonho americano. São ambos filmes com personagens desamparadas, dilacerantes jogos de personas e empreendimentos cinematográficos à altura do melhor dos respectivos realizadores. Também dos EUA, e também de um realizador de créditos firmados, veio «Miami Vice», obra insinuante e esteticamente envolvente que nos leva de lancha até Cuba para nos seduzir irreversivelmente, como a personagem de Colin Farrell seduz a de Gong Li, numa dança de corpos errantes a caminho da trágica aniquilação do amor. Em contraponto a isto surge «Good Night, and Good Luck», apenas a segunda obra de George Clooney, mas que parece carregar já a mestria dos grandes clássicos: filme genuinamente liberal, brilhante e fundamental reflexão em ritmos jazz sobre o poder do jornalismo e da televisão e mais um caso exemplar de análise do presente através dum olhar sobre o passado.

«Caché» e «Match Point» são dois dos filmes mais perturbantes do ano. Partem de uma superfície “thrillesca” para abordar temáticas universais como o sentimento de culpa, a inquietação provocada pela mentira, a indiferença social e as relações inter-classistas. São marcos indeclináveis de 2006, quer pela mestria que patenteiam, quer pela relevância política e social das temáticas que exploram. «A Prairie Home Companion», obra terminal de Robert Altman, é, enfim, um filme que se destaca pela beleza da sua temática e pela forma como na sua aparente neutralidade não se escondem as implicações do(s) tempo(s). É um filme enorme sobre a decadência do artista, sobre a morte da Arte e uma das experiências mais comoventes do ano.

Merecem ainda destaque: «Black Dahlia», grande film-noir do mestre Brian De Palma sobre a decadência de Hollywood; «World Trade Center», a comovente evocação de Oliver Stone sobre o 11 de Setembro; «V for Vendetta», grandioso e singular blockbuster onde o futuro serve de metáfora do presente; «Volver», um Almodóvar maior; «Inside Man», brilhante exercício de estilo de Spike Lee; «Juventude em Marcha», o filme português do ano; e «Le Temps qui Reste», belíssimo filme de Ozon sobre a relação com a certeza da morte.

E porque os filmes têm uma inevitável base humana, queria ainda destacar:

a) Steven Spielberg, como o melhor realizador do ano. E ainda, por ordem de preferência: Shyamalan, Scorsese, Iñárritu, Cronenberg, DePalma, Mann, Haneke, Clooney e Stone.

b) Isabelle Huppert («Gabrielle»), na categoria de melhor actriz principal. E ainda, por ordem de preferência: Natalie Portman («V for Vendetta»), Ana Moreira («Transe»), Penélope Cruz («Volver») e Kirsten Dunst («Marie Antoinette»).

c) Eric Bana («Munich»), na categoria de melhor actor principal. E ainda, por ordem de preferência: David Strathairn («Good Night, and Good Luck»), Paul Giamatti («Lady in the Water»), Leonardo DiCaprio («The Departed»), Philip Seymour Hoffman («Capote») e Viggo Mortensen («A History of Violence»).

d) Maria Bello («A History of Violence»), na categoria de melhor actriz secundária. E ainda, por ordem de preferência: Vera Farmiga («The Departed»), Scarlett Johansson («Match Point»), Bryce D. Howard («Lady in the Water»), Juliette Binoche («Caché»), Rinko Kikuchi («Babel») e Gong Li («Miami Vice»).

e) Jack Nicholson («The Departed»), na categoria de melhor actor secundário. E ainda, por ordem de preferência: o elenco de secundários de «Munich», George Clooney («Syriana»), Ed Harris («A History of Violence») e Brad Pitt («Babel»).

As maiores desilusões do ano vieram de onde menos se esperava: de Sofia Coppola, que em «Marie Antoinette» perde-se na contemplação do vazio; de Terrence Malick, que em «The New World» constrói um terreno de amarga aridez emocional e destituído de dimensão humana; e de Sam Mendes, que em «Jarhead» não escapa à banalidade e à irrelevância e realiza aqui o seu primeiro filme falhado.

E, enfim, os filmes maus aglutinaram-se ao longo dos meses. Eis os dez piores que vi nas salas em 2006 (por ordem de mediocridade): «Borat», «Lavado em Lágrimas», «Drawing Restraint 9», «Basic Instinct 2», «Aeon Flux», «The Libertine», «The Illusionist», «Half Light», «Walk the Line» e «Crank».

Que 2007 seja um grande ano de cinema!

31.12.06

Um ano de cinema em Portugal - O Pior (V)

FILMES

Já destaquei o academismo e o conjunto de estreias que invadem as salas sem que se vislumbre qualquer critério por parte de quem tem a responsabilidade de definir a programação. Existem no entanto obras que merecem destaque individual, pois, por razões diversas, marcaram negativamente o ano.

Pride and Prejudice
Risível adaptação de Jane Austen, que recebeu considerável apoio crítico e destaque mediático. Um tratamento visual anónimo, uma realização incompetente, desempenhos que parecem destinados a uma comédia nonsense. Tenebroso filme, a fazer certamente a autora de Sense and Sensibility revirar-se no túmulo!

Gabrielle
Patrice Chéreau, autor do desafiante Intimacy, regressou com novo projecto arrojado. Apesar das louváveis intenções, Gabrielle é um objecto de identidade vaga, oscilando entre os extremos do teatro filmado e de um abstraccionismo demasiadamente radical. Um filme com bons momentos, perdidos num mar de verborreia sonolenta proclamada em off que testa a paciência do mais estóico dos espectadores.

The Aristocrats
Colectânea de insultos de indescritível mau gosto disfarçada de documentário sobre o mundo da comédia stand-up. Cinema = ZERO.

Mission: Impossible III
O famoso produtor televisivo de Lost abraçou a realização da terceira encarnação do agente Ethan Hunt. Abrams mimetizou para o grande ecrã os visuais e o espírito narrativo da série Alias que o lançou para o sucesso. Tal como em Alias o único elemento de interesse é o carisma da protagonista, aqui a força de Tom Cruise segura o barco. Mas o resto - twists absurdos, um estilo visual marcado por grandes planos e uma sucessão acelerada, por vezes nauseante, de imagens e um completo desprezo pelas mais elementares regras do storytelling - faz ainda menos sentido que no pequeno ecrã e traduz uma contaminação de espaços que não tem só aspectos positivos.

The Proposition
Projecto independente rodeado de expectativas que pariu um gordo e rechunchudo rato. Carregado de violência gratuita e indigência visual, é o retrato de um cinema que quer ser indie, mas esquece-se de ser cinema.

98 Octanas
Marcado por uma patológica obssessão com a Nouvelle Vague e particularmente com Godard, este 98 Octanas tem tudo o que de negativo têm os últimos filmes de Godard, com alguns bónus extra. Disconexo e testando os limiares do pretenciosismo, atinge dimensões de ridículo surpreendentes, mesmo para um cinema português fértil no capítulo das megalomanias autorais. Para onde vai 98 Octanas? Para lado nenhum. E onde é que isso fica? Esperemos que longe, muito longe!

Lady in the Water
Shyamalan é porventura a maior revelação do cinema mundial da última década. Em meia dúzia de filmes construiu um universo com uma marca autoral sólida, visualmente arrebatador e com densidade ímpar. Pode até dizer-se, passe o exagero, que muita da esperança da sobrevivência do cinema clássico e de renovação do mesmo assenta nos ombros do jovem cineasta de Filadélfia. Mas, em Lady in the Water, Shyamalan deixou de acreditar no transcendente e passou a acreditar cegamente que ele era o Messias. A Fé nas imagens e no Cinema passou assim a ser a Fé no poder messiânico da sua própria história e na infalibilidade do seu cinema. Lady in the Water é assim um filme proclamativo, demagógico e maniqueísta, vítima ele próprio de muito daquilo que pretende criticar. É um objecto perigoso, pois vem embrulhado no papel dos belos visuais proporcionados pelo inegável talento de Shyamalan e do director de fotografia Christophe Doyle. Felizmente poucos mais convenceu que os grupos de fãs do realizador e alguns autoristas fanáticos. Recomenda-se a propósito o visionamento do pouco conhecido Wide Awake, segunda longa metragem do realizador e uma pequena obra prima, de um tempo em que o realizador se limitava a acreditar em Deus, não se julgando a sua encarnação terrena.

The Science of Sleep
Michel Gondry já havia nos havia trazido o simpático mas inconsequente Eternal Sunshine of the Spotless Mind. Confirma-se agora que Gondry, grande realizador de videoclips, não tem, pelo menos por ora, dimensão como cineasta. The Science of Sleep é uma colecção de lugares comuns mal ligados, martelados por um universo visual oriundo de um videoclip de Björk. Cheio de chico espertices, armado aos cucos e nascido no ninho da preguiça intelectual é um filme completamente idiota.

Um ano de cinema em Portugal - O Pior (IV)

O CASO BÉNARD

Os factos falam por si. Há países onde existem leis, regras, compromissos que devem ser e são respeitados por todos. Outros há, onde a lei só se aplica apenas ao comum dos mortais mas onde uma oligarquia reinante, perene e imortal, se considera e, está, de facto, acima da lei.
Alguém chega ao fim do seu mandato. Quem detém o poder decide -legitimamente- que, dada a longa permanência no cargo, o facto de já estar há três anos para lá do limite de idade inscrito na lei e a necessidade de renovação, é altura de mudar. O visado estrebucha, o séquito revolta-se, o poder cede. Mil setecentos e vinte e cinco pessoas deixam o seu nome na Internet e fazem política pelo governo. Viva a democracia! Viva Portugal!

Os Melhores de 2006 (Tiago Pimentel)

1. «Munique», de Steven Spielberg

Um dos grandes monumentos da década! Um filme que retrata a violência sem receio de assumir um ponto de vista que nada tem a ver com clubismo político, mas antes se centra na desumanização de todas as formas de violência. Em Avner podemos ver tudo: desde a paixão violentamente humana de vingar os seus conterrâneos, até à extinção moral do seu corpo, do seu espírito e de tudo aquilo em que ele acreditou.

2. «Uma História de Violência», de David Cronenberg

Um dos grandes filmes da carreira de Cronenberg teria que figurar nos lugares cimeiros desta pequena lista. Um pequeno milagre de cinema, de arte e de catarse como epílogo da tragédia que lhe antecedera. É também um filme sobre o medo: não só o medo dos outros, mas o medo daquilo que fomos e que podemos voltar a ser.

3. «The Departed: Entre Inimigos», de Martin Scorsese

Com esta obra prima de Scorsese, fica completa a trilogia da violência e identidade (juntamente com Munique e Uma História de Violência). Um grande filme, devolvendo a Nicholson o protagonismo dos grandes secundários e consagrando DiCaprio como o grande actor da sua geração.

4. «A Dália Negra», de Brian De Palma

Um dos filmes máximos de De Palma. Um filme negro que permite ao cineasta a liberdade formal necessária para desconstruir todas as convenções interiores ao género e encenar um dos filmes mais hipnóticos do ano.

5. «Maria Madalena», de Abel Ferrara

É um dos filmes mais espirituais da década. Uma história de fé desconstruída pelo desencanto da actualidade. Forest Whitaker é assombroso.

6. «Match Point», de Woody Allen

O regresso de Woody Allen aos grandes filmes, depois de um punhado de filmes muito interessantes, mas menores na sua carreira. Quem diria que era preciso Allen sair da sua Nova Iorque para se reencontrar?

7. «Em Paris», de Christophe Honoré

Foi um bom ano também para o cinema francês (relembremos ainda o muito bom Le Temps Qui Reste, de Ozon), em particular para esta pérola sobre a amizade de dois irmãos, com a sobriedade necessária para retratar uma tragédia, mas com a liberdade formal (sinais de Nouvelle Vague - enfim, Godard, Rivette, ...) possibilitando um encantamento irresistível sobre os lugares, as personagens e a errância dos seus dilemas.

8. «Babel», de Alejandro González Iñárritu

Filme portentoso sobre a incomunicabilidade do mundo. Um filme fundamental de 2006 e que não podia deixar de figurar nesta lista.

9. «World Trade Center», de Oliver Stone

Um comovente reencontro com Oliver Stone e (através dele) com os trágicos acontecimentos vividos em 11 de Setembro de 2001, no World Trade Center. Um filme que dignifica a memória daqueles que perderam a vida nesse dia, mas que sustenta também uma invulgar força anímica para quem os ficou cá a chorar.

10. «Nada a Esconder», de Michael Haneke

Sabendo que se fala tanto (eu incluído) na indisponibilidade do olhar do espectador face às imagens que recebe, Haneke filma este magnífico Nada a Esconder com a subtileza dos vários olhares que o percorrem. É um filme sobre o(s) olhar(es) mas também sobre as imagens e as suas várias decomposições.

30.12.06

Balanço do Ano (Miguel Galrinho)

2006 foi, de uma forma geral, um muito bom ano de cinema, sobretudo pelas cinco obras-primas que estrearam nas salas, e que se encontram nos cinco primeiros lugares deste top. Este, tem o valor efémero de qualquer top, dependendo muito do estado espírito em que me encontro quando o elaboro. De qualquer forma, penso que deve haver uma divisão: os cinco primeiros lugares nunca se alteraríam, na medida em que nenhum outro filme poderia substituir qualquer um desses, apesar da ordem entre eles poder variar. Exceptuando o primeiro lugar: Munique, de Steven Spielberg, por uma razão: trata-se, para mim, da obra máxima do realizador e, como tal, de um dos grandes filmes da História, pelo que nunca abandonaria o lugar em que se encontra neste ano cinematográfico. O resto do top é incerto, havendo outros filmes que lá podiam figurar: Maria Madalena, de Abel Ferrara; Infiltrado, de Spike Lee; A Prairie Home Companion - Bastidores da Rádio, de Robert Altman; ou 007 - Casino Royale, de Martin Campbell.

1. Munique, de Steven Spielberg
2. Babel, de Alejandro González Iñárritu
3. The Departed - Entre Inimigos, de Martin Scorsese
4. A Senhora da Água, de M. Night Shyamalan
5. Uma História de Violência, de David Cronenberg
6. Match Point, de Woody Allen
7. Ninguém Sabe, de Hirokazu Kore-eda
8. A Dália Negra, de Brian De Palma
9. World Trade Center, de Oliver Stone
10. Miami Vice, de Michael Mann

Pela negativa (não falarei os piores do ano, até porque tentei evitá-los) devo referir que O Novo Mundo, de Terrence Malick, foi talvez a maior desilusão que alguma vez tive numa sala de cinema, já que não consegui encontar no filme o encantamento do sublime Thin Red Line (um dos grandes filmes da década passada), mas apenas o mesmo registo usado de forma redundante e distanciada das suas personagens. Destaque-se ainda pela negativa Um Ano Especial, que vem demonstrar (novamente) que Ridley Scott é um realizador desequilibradíssimo, capaz do melhor e do pior, e neste filme a única coisa que consegue é uma comédia com gags sem piada, intercalada com um drama sem construção de personagens e um romance banalíssimo.

Num ano fraco em comédias, sinto-me obrigado a referir um filme francês que passou bastante despercebido: Faça Favor..., de Pierre Salvadori, que apesar de ter uma duração ligeiramente excessiva, tem também grandes interpretações (em especial de Daniel Auteuil) e um argumento engenhoso capaz de construir muito bem personagens, o que lhe permite tornar credíveis as situações mais absurdas. Para finalizar, devo reconhecer que apesar das minhas fracas expectativas, The Prestige - O Terceiro Passo marca o regresso de Christopher Nolan à boa forma depois do desinspirado e desequilibrado Batman: O Início. Mesmo com uma narrativa com algumas banalidades, a realização de Nolan permite criar ambientes soturnos e de suspense exemplares, enquanto que a desordem (mas uma desordem ordenada) cronológica narrativa é essencial para a construção dos mistérios e até para a evolução psicológica das personagens. O que se podia tornar num banal blockbuster com realização e montagem descuidadas (como no seu filme anterior), acaba por ser um interessantíssimo exercício de estilo, mesmo que imperfeito, e com marca autoral bem presente.

Esperemos um grande ano cinematográfico para 2007!

Os Melhores do Ano (Filipa Lopes)


1 - Munique, de Steven Spielberg
2 - Uma História de Violência, de David Cronenberg
3 - The Departed - Entre Inimigos, de Martin Scorsese
4 - World Trade Center, de Oliver Stone
5 - Match Point, de Woody Allen
6 - O Segredo de Brokeback Mountain, de Ang Lee
7 - O Tempo que Resta, de François Ozon
8 - A Prairie Home Companion - Os Bastidores da Rádio, de Robert Altman
9 - 007 - Casino Royale, de Martin Campbell
10 - Voltar, de Pedro Almodóvar

25.12.06

Um ano de cinema em Portugal - O Pior (III)

O ACADEMISMO

2006 veio reforçar a tendência para uma certa academização do cinema. Convém começar por explicitar o que se entende por academismo neste contexto. Pretende-se nesse termo condensar uma certa forma de ver o cinema como não mais que um veículo para relatar factos, ficcionais ou reais. Partimos assim de uma história, à qual há vezes a dificuldade em chamar argumento, dada a sua esparsa densidade. Nessa história, existem figuras com nomes, que não passam de representações icónicas, seja de sentimentos ou atitudes, muitas vezes traduzindo estereótipos de diversas ordens. A essas figuras falta qualquer dimensão humana (ou outra) para que se possam chamar de personagens. Pegando nesta história, passa-se então ao processo de a converter para imagens, alocando para tal amiúde vastos meios e produção. O resultado é muitas vezes um conjunto de imagens bonitas (às vezes nem isso), musicadas agradavelmente (dependendo dos gostos) mas irremediavelmente comprometido pela fina espessura do material original aliada à completa falta de visão artística do empreendimento. Uma secura criativa marca visual, narrativa e, porque não dizê-lo, espiritualmente estes objectos anónimos e unidimensionais, que vivem muitas vezes de boas intenções e bons sentimentos em detrimento de bom cinema. Memoirs of a Gueisha, North Country, Poseidon, Walk the Line são apenas alguns exemplos.

Dir-se-à, com propriedade que este “cinema” sempre existiu e não vem daí mal ao mundo. Se isto é em parte verdade, não é menos verdade que 2006 vem acentuar esta tendência, e que se anteveêm nos céus sinais preocupantes. Um desses sinais é a forma como realizadores indiscutivelmente talentosos, alguns até com uma distinta marca autoral, aceitam colocar os seus préstimos ao serviço de tais vacuidades artísticas. Um outro, talvez ainda mais sintomático do estado das coisas, é o facto de cada vez mais sectores tidos como vanguardistas caucionarem estes objectos com rasgados e surpreendentes elogios.

Ridley Scott estreou Um Ano Especial, um exemplo de boas intenções traduzidas num tratamento estereotipado de situações e sentimentos apresentados numa bandeja de anonimato visual e indigência narrativa. Tudo pronto a servir, sinal porventura de dias em que o espaço e sobretudo o tempo para a digestão do alimento intelectual deixou simplesmente de existir.

Mas mais marcante é, contudo, o caso de The Queen. Trata-se de um pretenso estudo sobre o peso da realeza e os seus costumes anacrónicos centrado na figura de Isabel II aquando da morte da Princesa Diana. Na realidade, não passa de uma colecção de figuras estereotipadas, desde o Príncipe Consorte arrogante e rabujento a um Tony Blair com o carisma de um nabo mal cozido, passando por uma esposa histérica que debita sound bytes anti monárquicos ou um Príncipe Carlos retirado de uma qualquer grupo de saltimbancos afectados. Decorado por infindáveis imagens de arquivo da Princesa Diana, esta colecção de figurinhas é servida num argumento nada trabalhado, a que apenas escapa a figura da própria Isabel II, por mérito exclusivo da interpretação de Helen Mirren. Stephen Frears é indiscutivelmente um realizador aclamado e, gostando mais ou menos de alguns ou de todos os seus filmes, é alguém a quem se reconhece uma visão própria e um modo de fazer cinema. Como pode um objecto que em nada se distingue de um banal drama televisivo sobre a realeza ostentar a sua assinatura tem tanto de preocupante como de enigmático.

Um ano de cinema em Portugal - O Pior (II)

DEGRADAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE EXIBIÇÃO PÚBLICA


Acompanhando a degradação da oferta esteve a deterioração das condições de exibição nas salas. A pequenez da visão do empresário de cinema nacional revela-se mais uma vez em todo o seu esplendor. Perante a diminuição do número de espectadores e consequente redução de receitas, a política é cortar a direito, dispensar quaisquer custos de manutenção e reduzir o pessoal ao mínimo. Projecções no formato errado, microfones na tela, desfocagens, lâmpadas gastas, cadeiras desconfortáveis, cópias degradadas, falhas de som. Enfim, um rol extenso de problemas que quem frequentou as salas no ano transacto certamente sentiu na pele (ou nos olhos) e que se acumulam perante a passividade alarve dos exibidores. A cereja no topo do bolo desta política é a concentração da venda de bilhetes e consumíveis alimentares (pipocas, refrigerantes, cachorros, gelados e afins) num único lugar. Ir ao cinema é, afinal, o mesmo que ir ao café. Que nos espera em 2007? Talvez a exibição de filmes no Continente.

Um ano de cinema em Portugal - O Pior (I)

EXCESSO DE ESTREIAS

Para quem ainda se lembra, e não é necessário recuar mais do que meia dúzia de anos, o número de estreias semanais em Portugal raramente ultrapassava as três. As queixas por parte da elite cinéfila eram grandes, reflectindo a reduzida oferta para além dos assim chamados blockbusters. A programação, com pontuais excepções além dos cinemas King e Nimas, era caracterizada por uma oferta que pouco mais fazia que reflectir as cadeias de transmissão do marketing internacional.

Foi assim com regozijo geral que foi visto o aumento para mais do dobro do número de estreias médio que ocorreu há cerca de dois anos. O que este contentamento obnubilou, como o demonstra o panorama consolidado actualmente, é que este aumento de estreias é feito exactamente pelos mesmos programadores que interpretam o seu trabalho como o de (maus) tradutores de nomes de filmes, sinopses e cartazes. Somos confrontados por vezes com um número de estreias semanal a aproximar a dezena, mas entre as quais encontramos filmes de qualidade duvidosa, em muitos casos lançados directamente em video nos países de origem.

As distribuidoras nacionais, em muitos casos as mesmas empresas que detêm as salas de exibição, alargaram o número de estreias numa medida puramente contabilistica para preencher o crescemente número de espaços disponíveis. Na sua esmagadora maioria, os departamentos de distribuição, desenvolvimento e promoção dos filmes são constituídos por gente que, além de incompetente, tem a visão estratégica de um funcionário público do governo de Salazar. Revelam uma preocupante incapacidade inata para distinguir as diferenças entre as propostas dos diversos filmes e as distinções que consequentemente devem marcar a sua introdução no mercado. As salas de cinema passaram assim a ser contentores do lixo destinados a limpar os catálogos das compras por atacado que os distribuidores nacionais fazem nos mercados de cinema.

Com uma média de cinco ou seis estreias semanais filmes tão diferentes mas relevantes como A Scanner Darkly ou American Dreamz não encontram lugar no mapa de estreias, ao passo que obras como Fauteuils d´orchestre ou Infamous são exibidas num anonimato que parece imitar um espião de Le Carré.

Muito se escreve, inclusivé na blogosfera, sobre a baixa exigência intelectual do espectador português. Mas, em abono da verdade e passando a sempre redutora generalização, o distribuidor nacional não lhe fica atrás.