Balanço de 2006 (João Ricardo Branco)
1- Munich, de Steven Spielberg
2- Lady in the Water, de M. Night Shyamalan
3- The Departed, de Martin Scorsese
4- Babel, de Alejandro González Iñárritu
5- A History of Violence, de David Cronenberg
6- Good Night, and Good Luck, de George Clooney
7- Caché, de Michael Haneké
8- Match Point, de Woody Allen
9- A Prairie Home Companion, de Robert Altman
10-Miami Vice, de Michael Mann
Os mais memoráveis filmes de 2006 foram aqueles que não negaram as influências do complexo clima de incerteza que varre este mundo do pós-11 de Setembro, e que, pelo contrário, incorporaram o conjunto de dúvidas e angústias que ditam o pulsar contemporâneo. Não é, pois, de espantar que os mais marcantes (anti-)heróis deste ano sejam personagens dilaceradas e sombrias, que caminham desamparadas em direcção ao abismo. Avner, a personagem central de «Munich» que parece carregar às costas todas as dúvidas e inquietações do mundo de hoje, é o exemplo mais radical disso mesmo; mas Billy Costigan («The Departed»), Cleveland Heep («Lady in the Water»), Tom Stall («A History of Violence»), Chieko («Babel»), Georges Laurent («Caché»), ‘Sonny’ («Miami Vice»), Chris Wilton («Match Point») e Evey Hammond («V for Vendetta») são também casos evidentes de personagens inquietas e fustigadas pelos tempos.
Neste contexto surge «Munich», a obra máxima deste ano e um dos mais lancinantes filmes da década. Steven Spielberg, no auge da sua genialidade, filma uma história passada nos anos 1970 com os olhos postos em 2006 e constrói uma tragédia tão dilacerante e radical que não encontra paralelo em nenhum outro filme deste ano. O nível de depuração das suas emoções (filma-se uma das histórias mais tristes do mundo com uma sobriedade implacável), a forma como as suas personagens são expostas à mais brutal das solidões existenciais e o labiríntico cruzamento entre pessoa, família e pátria fazem de «Munich» um doloroso espaço cinematográfico que nos marca irremediavelmente. Ninguém sai igual depois de ver este filme: um pouco de nós morre com ele! A tão criticada cena de sexo é, quanto a mim, uma aterradora ilustração da morte espiritual de Avner: num único plano, Spielberg consegue juntar todas as equações do filme (pessoa, família, pátria, passado, presente, obsessão, vingança) para demonstrar que o seu protagonista continua vivo, mas está já morto enquanto Ser Humano. Foi, de longe, a mais forte e devastadora experiência que vivi nas salas em 2006.
M. Night Shyamalan propôs-nos olhar as mesmas incertezas e angústias do presente através de um conto de fadas e brinda-nos com uma obra-prima de beleza indizível e de transcendental clarividência. «Lady in the Water» é um filme pessoal e de coração e uma desarmante manifestação de personalidade artística que nos guia por uma viagem inesquecível ao lugar de todas as descobertas: o interior do Ser Humano. A «Babel», filme fabuloso sobre a incomunicabilidade com ressonâncias universais do mal-estar contemporâneo, interessa, por seu turno, partir dessa viagem interior para atentar na complexidade da sua exteriorização. Nele se cruzam gestos da mais pura e genuína liberdade com o mais triste e soturno dos aprisionamentos, numa cruel ambivalência que deixa o espectador literalmente despedaçado. Alguns dos mais belos momentos de cinema de 2006 podem encontrar-se aqui.
«The Departed» e «A History of Violence» transformam os ecos da realidade contemporânea em brilhantes estudos sobre a identidade, a violência e o desvanecimento do sonho americano. São ambos filmes com personagens desamparadas, dilacerantes jogos de personas e empreendimentos cinematográficos à altura do melhor dos respectivos realizadores. Também dos EUA, e também de um realizador de créditos firmados, veio «Miami Vice», obra insinuante e esteticamente envolvente que nos leva de lancha até Cuba para nos seduzir irreversivelmente, como a personagem de Colin Farrell seduz a de Gong Li, numa dança de corpos errantes a caminho da trágica aniquilação do amor. Em contraponto a isto surge «Good Night, and Good Luck», apenas a segunda obra de George Clooney, mas que parece carregar já a mestria dos grandes clássicos: filme genuinamente liberal, brilhante e fundamental reflexão em ritmos jazz sobre o poder do jornalismo e da televisão e mais um caso exemplar de análise do presente através dum olhar sobre o passado.
«Caché» e «Match Point» são dois dos filmes mais perturbantes do ano. Partem de uma superfície “thrillesca” para abordar temáticas universais como o sentimento de culpa, a inquietação provocada pela mentira, a indiferença social e as relações inter-classistas. São marcos indeclináveis de 2006, quer pela mestria que patenteiam, quer pela relevância política e social das temáticas que exploram. «A Prairie Home Companion», obra terminal de Robert Altman, é, enfim, um filme que se destaca pela beleza da sua temática e pela forma como na sua aparente neutralidade não se escondem as implicações do(s) tempo(s). É um filme enorme sobre a decadência do artista, sobre a morte da Arte e uma das experiências mais comoventes do ano.
Merecem ainda destaque: «Black Dahlia», grande film-noir do mestre Brian De Palma sobre a decadência de Hollywood; «World Trade Center», a comovente evocação de Oliver Stone sobre o 11 de Setembro; «V for Vendetta», grandioso e singular blockbuster onde o futuro serve de metáfora do presente; «Volver», um Almodóvar maior; «Inside Man», brilhante exercício de estilo de Spike Lee; «Juventude em Marcha», o filme português do ano; e «Le Temps qui Reste», belíssimo filme de Ozon sobre a relação com a certeza da morte.
E porque os filmes têm uma inevitável base humana, queria ainda destacar:
a) Steven Spielberg, como o melhor realizador do ano. E ainda, por ordem de preferência: Shyamalan, Scorsese, Iñárritu, Cronenberg, DePalma, Mann, Haneke, Clooney e Stone.
b) Isabelle Huppert («Gabrielle»), na categoria de melhor actriz principal. E ainda, por ordem de preferência: Natalie Portman («V for Vendetta»), Ana Moreira («Transe»), Penélope Cruz («Volver») e Kirsten Dunst («Marie Antoinette»).
c) Eric Bana («Munich»), na categoria de melhor actor principal. E ainda, por ordem de preferência: David Strathairn («Good Night, and Good Luck»), Paul Giamatti («Lady in the Water»), Leonardo DiCaprio («The Departed»), Philip Seymour Hoffman («Capote») e Viggo Mortensen («A History of Violence»).
d) Maria Bello («A History of Violence»), na categoria de melhor actriz secundária. E ainda, por ordem de preferência: Vera Farmiga («The Departed»), Scarlett Johansson («Match Point»), Bryce D. Howard («Lady in the Water»), Juliette Binoche («Caché»), Rinko Kikuchi («Babel») e Gong Li («Miami Vice»).
e) Jack Nicholson («The Departed»), na categoria de melhor actor secundário. E ainda, por ordem de preferência: o elenco de secundários de «Munich», George Clooney («Syriana»), Ed Harris («A History of Violence») e Brad Pitt («Babel»).
As maiores desilusões do ano vieram de onde menos se esperava: de Sofia Coppola, que em «Marie Antoinette» perde-se na contemplação do vazio; de Terrence Malick, que em «The New World» constrói um terreno de amarga aridez emocional e destituído de dimensão humana; e de Sam Mendes, que em «Jarhead» não escapa à banalidade e à irrelevância e realiza aqui o seu primeiro filme falhado.
E, enfim, os filmes maus aglutinaram-se ao longo dos meses. Eis os dez piores que vi nas salas em 2006 (por ordem de mediocridade): «Borat», «Lavado em Lágrimas», «Drawing Restraint 9», «Basic Instinct 2», «Aeon Flux», «The Libertine», «The Illusionist», «Half Light», «Walk the Line» e «Crank».
Que 2007 seja um grande ano de cinema!
Neste contexto surge «Munich», a obra máxima deste ano e um dos mais lancinantes filmes da década. Steven Spielberg, no auge da sua genialidade, filma uma história passada nos anos 1970 com os olhos postos em 2006 e constrói uma tragédia tão dilacerante e radical que não encontra paralelo em nenhum outro filme deste ano. O nível de depuração das suas emoções (filma-se uma das histórias mais tristes do mundo com uma sobriedade implacável), a forma como as suas personagens são expostas à mais brutal das solidões existenciais e o labiríntico cruzamento entre pessoa, família e pátria fazem de «Munich» um doloroso espaço cinematográfico que nos marca irremediavelmente. Ninguém sai igual depois de ver este filme: um pouco de nós morre com ele! A tão criticada cena de sexo é, quanto a mim, uma aterradora ilustração da morte espiritual de Avner: num único plano, Spielberg consegue juntar todas as equações do filme (pessoa, família, pátria, passado, presente, obsessão, vingança) para demonstrar que o seu protagonista continua vivo, mas está já morto enquanto Ser Humano. Foi, de longe, a mais forte e devastadora experiência que vivi nas salas em 2006.
M. Night Shyamalan propôs-nos olhar as mesmas incertezas e angústias do presente através de um conto de fadas e brinda-nos com uma obra-prima de beleza indizível e de transcendental clarividência. «Lady in the Water» é um filme pessoal e de coração e uma desarmante manifestação de personalidade artística que nos guia por uma viagem inesquecível ao lugar de todas as descobertas: o interior do Ser Humano. A «Babel», filme fabuloso sobre a incomunicabilidade com ressonâncias universais do mal-estar contemporâneo, interessa, por seu turno, partir dessa viagem interior para atentar na complexidade da sua exteriorização. Nele se cruzam gestos da mais pura e genuína liberdade com o mais triste e soturno dos aprisionamentos, numa cruel ambivalência que deixa o espectador literalmente despedaçado. Alguns dos mais belos momentos de cinema de 2006 podem encontrar-se aqui.
«The Departed» e «A History of Violence» transformam os ecos da realidade contemporânea em brilhantes estudos sobre a identidade, a violência e o desvanecimento do sonho americano. São ambos filmes com personagens desamparadas, dilacerantes jogos de personas e empreendimentos cinematográficos à altura do melhor dos respectivos realizadores. Também dos EUA, e também de um realizador de créditos firmados, veio «Miami Vice», obra insinuante e esteticamente envolvente que nos leva de lancha até Cuba para nos seduzir irreversivelmente, como a personagem de Colin Farrell seduz a de Gong Li, numa dança de corpos errantes a caminho da trágica aniquilação do amor. Em contraponto a isto surge «Good Night, and Good Luck», apenas a segunda obra de George Clooney, mas que parece carregar já a mestria dos grandes clássicos: filme genuinamente liberal, brilhante e fundamental reflexão em ritmos jazz sobre o poder do jornalismo e da televisão e mais um caso exemplar de análise do presente através dum olhar sobre o passado.
«Caché» e «Match Point» são dois dos filmes mais perturbantes do ano. Partem de uma superfície “thrillesca” para abordar temáticas universais como o sentimento de culpa, a inquietação provocada pela mentira, a indiferença social e as relações inter-classistas. São marcos indeclináveis de 2006, quer pela mestria que patenteiam, quer pela relevância política e social das temáticas que exploram. «A Prairie Home Companion», obra terminal de Robert Altman, é, enfim, um filme que se destaca pela beleza da sua temática e pela forma como na sua aparente neutralidade não se escondem as implicações do(s) tempo(s). É um filme enorme sobre a decadência do artista, sobre a morte da Arte e uma das experiências mais comoventes do ano.
Merecem ainda destaque: «Black Dahlia», grande film-noir do mestre Brian De Palma sobre a decadência de Hollywood; «World Trade Center», a comovente evocação de Oliver Stone sobre o 11 de Setembro; «V for Vendetta», grandioso e singular blockbuster onde o futuro serve de metáfora do presente; «Volver», um Almodóvar maior; «Inside Man», brilhante exercício de estilo de Spike Lee; «Juventude em Marcha», o filme português do ano; e «Le Temps qui Reste», belíssimo filme de Ozon sobre a relação com a certeza da morte.
E porque os filmes têm uma inevitável base humana, queria ainda destacar:
a) Steven Spielberg, como o melhor realizador do ano. E ainda, por ordem de preferência: Shyamalan, Scorsese, Iñárritu, Cronenberg, DePalma, Mann, Haneke, Clooney e Stone.
b) Isabelle Huppert («Gabrielle»), na categoria de melhor actriz principal. E ainda, por ordem de preferência: Natalie Portman («V for Vendetta»), Ana Moreira («Transe»), Penélope Cruz («Volver») e Kirsten Dunst («Marie Antoinette»).
c) Eric Bana («Munich»), na categoria de melhor actor principal. E ainda, por ordem de preferência: David Strathairn («Good Night, and Good Luck»), Paul Giamatti («Lady in the Water»), Leonardo DiCaprio («The Departed»), Philip Seymour Hoffman («Capote») e Viggo Mortensen («A History of Violence»).
d) Maria Bello («A History of Violence»), na categoria de melhor actriz secundária. E ainda, por ordem de preferência: Vera Farmiga («The Departed»), Scarlett Johansson («Match Point»), Bryce D. Howard («Lady in the Water»), Juliette Binoche («Caché»), Rinko Kikuchi («Babel») e Gong Li («Miami Vice»).
e) Jack Nicholson («The Departed»), na categoria de melhor actor secundário. E ainda, por ordem de preferência: o elenco de secundários de «Munich», George Clooney («Syriana»), Ed Harris («A History of Violence») e Brad Pitt («Babel»).
As maiores desilusões do ano vieram de onde menos se esperava: de Sofia Coppola, que em «Marie Antoinette» perde-se na contemplação do vazio; de Terrence Malick, que em «The New World» constrói um terreno de amarga aridez emocional e destituído de dimensão humana; e de Sam Mendes, que em «Jarhead» não escapa à banalidade e à irrelevância e realiza aqui o seu primeiro filme falhado.
E, enfim, os filmes maus aglutinaram-se ao longo dos meses. Eis os dez piores que vi nas salas em 2006 (por ordem de mediocridade): «Borat», «Lavado em Lágrimas», «Drawing Restraint 9», «Basic Instinct 2», «Aeon Flux», «The Libertine», «The Illusionist», «Half Light», «Walk the Line» e «Crank».
Que 2007 seja um grande ano de cinema!
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