1.1.07

Um ano de cinema em Portugal - Os Melhores Filmes (João Eira)

Aqui ficam, sem mais, os dez melhores filmes de 2006 por ordem crescente de importância:

10. Superman Returns de Bryan Singer

Super-Homem e Clark Kent representam, depois do filme de Singer, uma só entidade; ou melhor, Singer conseguiu humanizar de tal forma o personagem do herói, que agora além do Super temos também o Homem, tornando Clark Kent num alter ego dispensável. Singer obteve assim a mistura perfeita entre a densidade psicológica que tal transformação acarreta e a dimensão de espectáculo que um filme desta dimensão inevitavelmente exige. Destaque-se ainda a surpresa de Kate Bosworth no papel de Lois Lane. Mais uma prova que Hitchcock não andaria longe da verdade. Os actores podem de facto ser comparados a gado. Se o condutor da manada for bom, até o mais limitado pode atingir patamares insuspeitos.

9. Fauteuils d'Orchestre de Danièle Thompson

Depois do muito conseguido Jet Lag, a experiente argumentista continua a capitalizar e a reforçar-se como nome incontornável do cinema francês. Thompson mantém-se fiel à herança dos grandes realizadores franceses para quem trabalhou, ao mesmo tempo que não tem medo de enraizar o seu cinema nos mais profundos cânones do melodrama clássico americano. Um filme pleno de emoção, comoção e humor e uma soberba homenagem à Vida.

8. Little Miss Sunshine de Jonathan Dayton e Valerie Faris

A comédia do ano é a prova da vitalidade do cinema independente norte-americano. O território já muitas vezes explorado da família disfuncional é aqui magistralmente reciclado, com todos os clichés postos em causa. Tudo num humor vivo, oscilando entre a mordacidade e a eficácia do nonsense.

7. Brokeback Mountain de Ang Lee

Se há tema que é recorrente no universo autoral de Lee é o da repressão de sentimentos e das convulsões internas e, por consequência externas, motivadas por esse recalcamento. De Mikey Carver a Li Mu Bai, passando por Hulk todos são conduzidos a um sofrimento auto induzido pela ocultação de algo de cuja a aceitação pelo mundo exterior duvidam. Tocando agora o tópico da homossexualidade, Lee filma uma das mais belas histórias de amor, fiel à emoção contida que torna o seu cinema único e que atinge aqui um ponto máximo

6. Caché de Michael Haneke

O mais enigmático e formalmente brilhante filme do ano. Caché pede múltiplos visionamentos sem nunca oferecer uma resposta concreta para os seus vários mistérios. Jogo de espelhos e identidades, desesperante viagem pelos caminhos da culpa e da procura interior da impossível redenção, o filme de Haneke é pontuado por imagens que têm tanto de inesquecível como de perturbante.

5. Casino Royale de Martin Campbell

O melhor James Bond – filme – de sempre. O melhor James Bond – personagem – de sempre. O melhor James BondDaniel Craig – de sempre. A refundação de uma saga incontornável do cinema mundial a justificar plenamente a inclusão neste top.

4. Dans Paris de Christophe Honoré

A homenagem de Honoré à Nouvelle Vague, produzida por Paulo Branco foi a surpresa do ano. A insustentável leveza da dor e do amor vistas pelo olho de Honoré, com uma Paris apaixonante em fundo. As magistrais interpretações de Garrell e especialmente de Duris reforçam a grandiosidade simples deste objecto. A sequência musical interpretada por Duris e Preiss, homenagem a Demy, que nada fica a dever à fonte inspiradora, é o melhor momento musical em cinema nos últimos (largos) anos.

3. The Departed de Martin Scorsese

Scorsese confirma a boa forma demonstrada o ano passado com o sublime The Aviator. Regressando aos territórios narrativos com que é mais facilmente associado – a saga de gangsters – aproveita para se emergir num dos mais fascinantes estudos sobre a identidade e a inadaptação de que o cinema tem memória. Tudo isto a propósito de um remake que muitos dizem, depreciativamente, de encomenda. A ser assim, que as encomendas continuem por muitos e bons anos.

2. A History of Violence de David Cronenberg

O mais recente opus de David Cronenberg é um colosso cinematográfico, também ele fundado nos territórios da identidade. Com inacreditável precisão e limpeza, Cronenberg transporta-nos para uma alucinante viagem existencial, não se coibindo de pelo caminho nos presentear com sucessivos e inesperados golpes, murros e cacetadas violentas. A tareia tem tanto de visceral como de cerebral e dificilmente poderemos olhar o que nos rodeia da mesma forma depois de sermos transformados por este filme.

1. Munich de Steven Spielberg

É talvez o mais incompreendido filme de Spielberg. Pelas mais diversas razões ou porque, sendo um filmes dos tempos, é claramente um filme à frente do seu tempo. Pegando num incidente ocorrido há três décadas, o mais brilhante autor da actualidade demonstra toda a sua vitalidade e mestria nesta reflexão sobre o presente e que futuro espera a Humanidade. Parece lugar comum, mas Spielberg não está em busca de um qualquer destino teleológico para todos nós. Parte sim da unidade fundamental – um ser humano – pondo em causa, passo a passo, a sua humanidade até que já nada reste dela a não ser o desespero da sua ausência. Um filme para a eternidade.

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