O que buscamos no Cinema?
O que buscamos, então, quando nos relacionamos com o Cinema? Trata-se, bem sei, de uma questão de irresistível e inultrapassável subjectividade. Mas sempre se poderá dizer, sem grandes imprudências, que buscamos primeiramente memórias. Acima de tudo, memórias. Que memórias? Desde logo, claro, as memórias que o cinematógrafo registou (não esquecer que, em termos naturalísticos, as imagens que vemos projectadas correspondem sempre a um passado). Depois, e sobretudo, buscamos imagens que perdurem em nós enquanto memórias (na nossa memória). Os anos passam e as memórias dos filmes que vemos aglutinam-se no nosso espírito, de tal modo que essas memórias se vão progressivamente transformando em memórias de memórias, num processo de tranquila eternização daquilo que é verdadeiramente marcante. O Cinema é a Arte da memória, pois claro.
Mas mais importante do que aglutinar essas memórias é saber o que fazer com elas. O que nos leva, por sua vez, a uma questão prévia: que tipo de memórias queremos guardar? Ou, noutra formulação, e retomando a questão anteriormente colocada: o que buscamos no Cinema? É esta a perspectiva que neste contexto mais me interessa, porque é nela, de facto, que pode habitar toda a subjectividade do mundo. Cada um de nós busca sempre algo de significativo nos filmes que vê, seja ele a transcendência ou simplesmente o impacto estético, intelectual, emocional ou moral de uma grande história. É claro que qualquer uma dessas dimensões pode coexistir no mesmo filme ou no mesmo espectador. Mas no limite há sempre algo que nos faz correr mais longe…
Pela minha parte, esse “algo” que me faz correr mais longe é o radicalismo. O que mais me mobiliza na minha relação com o Cinema é, de facto, a busca de imagens radicais. E com radicalismo pretendo acentuar as experiências mais próximas das margens do que do centro, que desafiem o olhar para além dos normais desafios da vida. Esta busca do radicalismo é, no fundo, como bem se compreende, uma busca da transcendentalidade (da Arte) das coisas. Certo é que esse radicalismo se pode manifestar nas mais diversas configurações, ter as mais diversas fontes e resultar das mais diversas conjugações. Por exemplo: o radicalismo formal, que dissocia som e imagem, presente em «India Song» (Duras, 75); a obsessão radical vivida por “Scottie” em «Vertigo» (Hitchcock, 58); a viagem ao infinito de «2001: A Space Odyssey» (Kubrick, 68); a transcendência de «Persona» (Bergman, 66); a forma como a incapacidade de amar é retratada em «L’Eclisse» (Antonioni, 62); o abismo que habita o olhar de Anne em «Vredens Dag» (Dreyer, 43); a trepidante evocação de memórias de «Zerkalo» (Tarkovsky, 75); a relação intelectual entre homem e mito presente em «Young Mr. Lincoln» (Ford, 39); a dolorosa busca de amor protagonizada por David em «Artificial Intelligence: AI» (Spielberg, 01), etc.
Vinha tudo isto a propósito de «The Fountain», filme de muitos radicalismos. Ponto a retomar num próximo texto...