19.9.06

98 Octanas e a Disponibilidade do Olhar


Jorge Leitão Ramos (crítico do Expresso) termina a sua (excelente) crítica a «98 Octanas» (o novo filme de Fernando Lopes, estreado na passada Quinta-Feira) prognosticando que apenas alguns «happy few» o degustarão. A explicação vem antes: «atravessamos uma época em que poucos sabem a disponibilidade do olhar» e este é um filme que se «compraz na excelência de cada plano».

Eu sou um dos tais «happy few» a que o crítico se refere. Não porque considere «98 Octanas» um grande filme (porque não é). Mas porque consegui ver nele, ainda que a espaços, a manifestação de um cinema livre, ao sabor do vento e da estrada, que se contenta com a beleza efémera dos planos e dos gestos. Ou, se se preferir, um cinema que não vive de histórias ou de personagens, mas de imagens e de momentos. Nesse contexto, «98 Octanas» surge como um objecto que convoca, precisamente, a disponibilidade do nosso olhar.

«98 Octanas» não nos dá verdadeiramente uma história para seguir, nem personagens para conhecer. Trata-se, afinal, de um filme sobre dois seres errantes, sozinhos e despedaçados, que são estranhos um ao outro e a nós. «98 Octanas» é de um filme que parte do nada para chegar ao nada. Um nada que é longe (da vista, do coração, do mundo, das pessoas) – porque afinal o «mundo são eles» –, mas que fica perto. Muito perto. Mas o filme acaba antes de lá chegar. Porque para aqueles dois seres solitários só fica perto porque o espectador não os poderá acompanhar!

1 comment:

Anonymous said...

"98 Octanas” é de um filme que parte do nada para chegar ao nada."

Concordo plenamente, amigo João. Só te esqueceste de referir que, no meio, o filme passa-se também... no nada!

João Eira