22.9.06

Bringing out the dead

Um apontamento sobre World Trade Center

O regresso de Oliver Stone à obsessão maior da sua vida artística – a América e as suas convulsões internas, não poderia mesmo ter surgido de outra forma que não fosse um olhar para o evento que redefiniu todo o panorama da geopolítica mundial e da forma como a América se vê a si própria e ao mundo.

World Trade Center pode ter surpreendido alguns, já que Stone optou por dar a câmara aos heróis do dia e às suas famílias, homens normais em circunstâncias extraordinárias, mas não deixa de ter impressa a grande ambiguidade moral que permeava “Platoon”, “JFK” ou “Nixon”. Stone nunca se encolheu perante a hipótese de tomar posição, mas também nunca caiu no discurso propagandista ou dogmático. Se existe no seu cinema uma noção de certo e errado, do Bem e do Mal, existe também a complexidade de um mundo feito de homens, de imperfeições e situações que transcendem o simples maniqueísmo. World Trade Center é um filme com moral, mas não é a moral fácil que domina tantas vezes as análises e que se procura impôr também a propósito deste filme.


Em World Trade Center, não menosprezando a heróica e pungente resistência de John McLoughlin e Will Jimeno debaixo dos escombros – filmada com classe num decor prodigioso – e a impossível espera das suas esposas (colossais desempenhos oscilando entre a contenção e a explosão de Maria Bello e Maggie Gyllenhaal), convém não esquecer o personagem de Dave Karnes. Nele, em escassos três ou quatro diálogos, é introduzida toda uma dimensão de fundo característica de Stone que, sem cair no relativismo niilista tão em voga, coloca de forma simultaneamente crua e subtil em cima da mesa (ou neste caso da tela) uma série de questões cuja relevância se tornou por demais evidente depois de 11 de Setembro de 2001. Reflexo especular dos terroristas que explodiram os aviões nas Torres, Dave é um homem de fé cega e incondicional, nada o parando perante aquilo que considera uma missão divina e a vontade de Deus. E, não fosse a sua determinação guiada pela fé, McLoughlin e Jimeno teriam de facto morrido. Mas Dave é o mesmo homem que acredita ter um Dom divino – ser um Marine, dom esse que não hesitará a por em prática para, nas suas próprias palavras, vingar o que foi feito à América.

Desengane-se quem pense que Stone aproveitou para descansar e colher os louros da emoção barata ou da lágrima fácil. O Stone de World Trade Center é o mesmo Stone libertário independente de sempre, democrata exigente, ciente da essência humana em todas as suas facetas, sentindo a América em todas as suas contradições. A lágrima chega neste filme, mas merecida, ganha com sangue e suor, conduzindo a uma catarse sobre os atentados de há cinco anos, que ainda nenhuma das abordagens ao evento até agora tinha conseguido. A sequência final do salvamento semi-ressureicional, e retrospectivamente todo o filme, acaba por funcionar como um grande hino à vida humana, contrastando com a proposta de cultura de morte que o terrorismo internacional de massas trouxe nesse fatídico dia ao nosso quotidiano.

Um dos filmes incontornáveis de 2006.

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