31.12.07

Melhores do Ano (João Eira)

Como já referi num post anterior, foi um ano bastante fraquinho em Portugal no que às estreias comerciais diz respeito, provavelmente o mais fraquinho da década até agora. Aqui fica o tradicional TOP 10.


1º INLAND EMPIRE

Por uma margem larga, o Filme do Ano. Goste-se ou não, mais ninguém filma (ou filmou) como Lynch, que habita um mundo cinematográfico completamente pessoal e intransmissível. INLAND EMPIRE é uma súmula empírica do Universo do realizador, uma espécie de história do cinema na mais pura e emocional das formas, tendo por veículo Laura Dern, personificação de todas as actrizes, ou, porventura, de todas as mulheres.

2º Promessas Perigosas (Eastern Promises)

Depois de A History of Violence, Cronenberg continua por territórios do crime, mas fiel ao seu universo autoral de sempre, num filme que repete também a excelência da interpretação de Viggo Mortensen.

3º Paranoid Park (Paranoid Park)

Gus Van Sant continua a reinventar os dispositivos formais que utilizou em Elephant, centrando-se aqui na construção de um olhar sobre um certa adolescência, mas fugindo sempre a qualquer esquema ou visão à priori. Van Sant olha a vida de Alex de forma singularmente envolvente e complexa, mas construindo significados e imagens a partir de um quotidiano (aparentemente) banal.

4º Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima)

Eastwood não sabe filmar mal, e, tal como o seu irmão gémeo Flags of Our Fathers, Letters from Iwo Jima só peca por não atingir a sublimidade das suas duas anteriores obras. Este relato cru e desencantado da destruição e futilidade da guerra, acaba por ser, paradoxalmente, um objecto de incomensurável beleza.

As Vidas dos Outros (Das Leben der Anderen)

O filme de Florian von Donnersmarck consegue ser ao mesmo tempo retrato certeiro da completa asfixia e exterminação da privacidade provocada por um regime totalitário colectivista, melodrama comovente e testemunho de fé na capacidade do espírito humano para, no seu melhor e também no seu pior, distorcer qualquer utopia imposta por cânones de pensamento único. É também uma ficção muito real para aqueles que viveram os tempos finais da Guerra Fria, mesmo que do lado de cá da cortina.

O Bom Pastor (The Good Shepherd)

Se mal consigo lembrar o último grande papel de De Niro, esta nova realização vem trazer algum conforto, depois do simpático mas obnubilável e já distante A Bronx Tale. The Good Sheperd é um filme fora do seu tempo, na forma como aborda o nascimento da CIA, mas, sobretudo, na gestão dos seus tempos dramáticos. Numa era marcada pelo hype, imagens aceleradas e ausência de memória, o filme de De Niro estava destinado à incompreensão e ao esquecimento.

A Estranha em Mim (The Brave One)

Ver comentário aqui.

Zodíaco (Zodiac)

Zodiac confirma Fincher como um dos mais destacados representantes de uma tendência cada vez mais presente no grande cinema americano de hoje, partindo dos grandes princípios e formas do cinema clássico, para as desconstruir, recriar e reinventar, não traindo a sua lógica fundadora.

9º Os Anjos Exterminadores (Les Anges Exterminateurs)

Aproveitando os incidentes na sua vida pessoal que se seguiram à estreia do estimulante Choses Secrètes, Brisseau cria um filme semi-autobiográfico de ambientes singulares. Misto de exploração sensorial, sarcasmo e erotismo, Les Anges Exterminateurs questiona os limites da criação artística e do criador, desafiando as fronteiras entre ficção e realidade e testando os limites do próprio Cinema. Numa palavra, fascinante!

10º Call Girl

Ver comentário aqui.

30.12.07

2007 - Os Melhores

Se foi difícil elaborar uma lista dos piores filmes do ano (devido ao elevado número de candidatos), a tarefa de eleger os melhores tambén foi complicada, mas no presente casa, devido ao escasso número de elegíveis...

Eis os escolhidos, do melhor para o menos bom:


Eastern Promises
De longe... de muito longe, o melhor filme do ano, e indo mais longe ainda, um dos melhores filmes da década. talvez eu há um ano atrás tenha dito o mesmo de A History of Violence. E fui verdadeira. Mas Eastern Promises é ainda melhor que o último filme de Cronenberg. Viggo Mortensen tem aqui o papel da sua vida, e a galeria de secundários que o rodeia é irerpreensível. O argumento é fortíssimo, duro, violento, e a espaços comovente, e está filmado com uma crueza que reflecte todos esses estados de espírito. A rever, várias vezes.

Letters from Iwo Jima
Clint Eastwood está em grande forma, e a forma como Letters from Iwo Jima está filmado reflecte isso. Todas as cenas do filme respiram cinema, e não nos é difícil acreditar que aquelas pessoas existiram na realidade, já que o argumento criou boas situações e personagens, e os actores encarnaram-nas de forma irrepreensível.

Das Leben der Anderen
Tomara todos os realizadores escreverem e realizarem uma primeira obra do gabarito deste Das Leben der Anderen. Von Donnersmarck faz um retrato (que eu acredito ser fiel) de uma sociedade extinta e que me é desconhecida, povoando-a de personagens complexas, e por isso, completas. O clímax final, que poderia tão naturalmente cair no lugar-comum, e no exagero de querer puxar a lágrima fácil é, pelo seu oposto, tão contido que se torna ainda mais comovente.

Don't Come Knocking
Confesso que as minhas expectativas para este filme não eram muitas. De Wenders, tinha apenas tentado ver The Million Dollar Hotel, e desistido ao fim de 30 minutos. Por várias vezes. Mas esta história de auto-descoberta e descoberta mútua das várias personagens é filmada de forma simples e comovente, fazendo um retrato de uma América que muitos julgam perdida. (Ah... e a música original que o Bono compôs para o filme é magnífica!)

Les Chansons d'Amour
Cada vez que penso no filme, só rezo para uma rápida edição do mesmo em DVD, para o poder rever. Sobre ele, está tudo dito aqui.

Venus
Uma das mais agradáveis surpresas do ano, com um Peter O'Toole a mostrar que ainda está aí para as curvas (o desgosto que eu tive por ele não ter ganho o Óscar...), num filme sobre uma velha amizade, e uma nova, e completamente inesperada amizade. A história conta-se até ao último segundo de filme, e parece-nos continuar para lá dele. Uma pérola que recomendo a quem não tenha visto.

The Good German
Há filmes, como Control, em que a opção por filmar a preto e branco é mais estilística que outra coisa, e pouco serve a narrativa. Noutros, como este, essa opção serve a narrativa, transportando-nos a um tempo em que tudo era filmado assim, conta-nos uma história dessa época (à qual eu sou particularmente sensível, confesso), realizado como uma boa homenagem aos filmes dessa altura, e com personagens reais que nos transportam a essa realidade. Pode-se pedir mais?

The Good Shepherd
Já várias vezes disse, em conversas com amigos, que Robert de Niro, ultimamente, tem o "toque de Midas ao contrário". Ou seja, tudo o que faz é mau (os últimos filmes em que tem participado são atrozes). Depois, realiza este The Good Shepherd e eu, felizmente, tenho que morder a língua. Um thriller competentíssimo, inventivo, com um bom argumento e recheado de boas interpretações (até de Angelina Jolie, com a qual eu tenho uma embirração especial). Se é para, no fim de x participações em maus filmes, voltar a realizar filmes destes... que o continue a fazer!

Zwartboek
Paul Verhoeven apresenta-nos um filme sobre uma parte da II Guerra Mundial na Holanda que não é muito conhecida, que é a do papel da Resistência. Conhecemos a história de uma judia holandesa que se torna membro activo da Resistência, do seu papel na mesma, e de várias intrigas que mudam a sua vida. Com alguns desiquilíbrios, é certo, mas com mais méritos ainda (nomeadamente a actriz, Carice van Houten, que brilha, no seu papel "duplo").

Enchanted
Quem me conhece sabe que eu sou fã dos filmes de animação clássicos da Disney (e dos não-clássicos, ou seja, das colaborações com a Pixar, também), e que um grande desgosto meu tem sido a falta desse tipo de filmes. Enchanted veio colmatar essa falha de uma forma extremamente original e competente. Faz reviver todos os mitos dos contos de fadas, e joga-os na perfeição com a vicissitudes da vida moderna. As interpretações de Amy Adams e James Marsden como personagens "na vida real" nunca nos faz esquecer que, na realidade, eles são bonecos animados, de tal modo fiéis se encontram a esse espírito. Entertenimento familiar da mais alta qualidade! (e para os fãs da Disney, como eu, uma aventura de 107 minutos a descobrir citações subtis (ou nem por isso) a obras anteriores do estúdio!)

Menções Honrosas (ou seja, filmes que poderiam constar na segunda metade deste top!)

Knocked Up - Porque é uma comédia pura e dura, bem interpretada, bem realizada... e que no fundo até tem algo mais sério...

Ratatuille - Porque é animação extremamente bem conseguida, inovadora, e tem uma das cenas mais comoventes de todo o ano!

Rocky Balboa - Porque estava à espera de não gostar. Porque me deu vontade de ver os outros. E porque é bom!

Scoop - Para quem tinha a mania que não gostava de Woody Allen, estes últimos anos têem servido de emenda. Comédia inteligente, misturada com drama e thriller, e interpretações... on the spot!

Zodiac - Ainda não vi um filme de Fincher de que não gostasse (embora Fight Club seja o candidato mais próximo), e este não desilude. Não há nada de mau... mas também nada de genial...

2007 - Os piores

Encontrando-me no fim do ano de 2007, chego à conclusão de que, infelizmente, este foi um ano fraquíssimo de cinema. Daí que não tenha sido fácil elaborar uma lista dos piores filmes do ano.

Houve filmes péssimos, que pouco ou nada tinham de cinema, tais como Hitman, Resident Evil, War ou The Last Legion, e que não figuram nesta lista. Isto porque quando eu decidi ir ver esses filmes, já ia com a ideia pré-concebida e com a expectativa de ver MAUS filmes, e que com isso me conseguisse divertir um pouco. E nesse aspecto, não fiquei minimamente desiludida.

A lista que se segue é daqueles filmes que eu considerei maus, penosos de ver... e que me desiludiram de sobremaneira, pois as expectativas aquando do visionamento eram grandes e foram violentamente defraudadas. (A ordem é do menos mau, para o pior)

Rescue Dawn
Não é um filme mau, mas foi uma enorme desilusão. Christian Bale carrega o filme às costas, mas exigia-se mais. Havia potencial para drama humano, e viveu-se aborrecimento, e inúmeros olhares para o relógio a ver se passava o tempo...

Beowulf
A animação está sofrível, o 3D está sofrível, as interpretações não são boas, o argumento até podia ter dado uma obra interessante, mas a realização tarefeira impediu-o.

Il Caimano
A palavra que melhor descreve este filme é "ridículo". Não sei o que Nanni Moretti pretendia com este filme. Que ele fosse ridículo, não era de certeza. Na minha pessoa teve zero em qualquer tipo de impacto que o realizador pretendesse.

Half Nelson
Se Half Nelson queria mostrar alguém sem rumo, sem interesses, sem nada... consegui-o. Mas conseguiu-o de uma forme irritante, por vezes demasiado intrusiva e num tom quase condescendente (as crianças a debitarem artigos da Constituição americana atingem um novo nível baixo no cinema). Cinema é inexistente, e cenas supérfluas abundam.

Ils
Amadorismo puro. Truques básicos para "meter medo" ao espectador. Produção quase caseira. E chega isto a uma sala de cinema...

300
Já com Sin City sucedeu a mesma coisa. Aparece alguém a filmar algo com uma estética diferente, e supostamente bonita, que quem vê, vê apenas isso, e esquece-se de olhar para as personagens e argumento. Estética artística e inovadora talvez. Cinema, personagens, argumento é que não habitam aqui.

Hot Fuzz
Uma comédia é suposto fazer o espectador rir. Esta fez-me bocejar. Pretendia (a pretensão é por demais óbvia) ser uma sátira aos grandes blockbusters de acção de Hollywood. Mas o facto de se levar tão a sério nesse seu objectivo estragou tudo. No tom de gozo com esse tipo de filmes, Shoot 'Em Up é muito melhor (se bem que seja um mau filme, também...)

Corrupção
Banalidades atrás de banalidades, uma das bandas sonoras mais irritantes e absurdas dos últimos tempos, personagens irritantes, que em vez de parecerem reais, estavam a debitar texto, obrigando-me mais uma vez a pôr um filme português nos piores do ano...

Last King of Scotland
Não consigo encontrar algo para dizer bem. É tudo tão exagerado que os pontos que se quisessem marcar, foram todos ao lado.

El Laberinto del Fauno
O filme de 2007 que tem a coragem de olhar o espectador nos olhos e dizer-lhe: "Eu acho que você é burro, portanto vou ser simplista e fazer dos bons muito bons e dos maus muito maus. E como agora até parece que está na moda, vou fazer isto misturado com uma fantasiazita metida a martelo, que é para você achar que eu sou o maior". E se há coisa que eu detesto... é que façam de mim burra!

28.12.07

Presente de Natal No.1


Entrega mesmo na mouche! Este petisco, presente de Natal de moi para myself chegou cá a casa no dia 24 de Dezembro, mesmo a tempo de tornar o meu Natal (cinefilamente) mais aconchegante.

Edição irrepreensível em blu-ray, quer na quantidade quer na qualidade dos extras, na qualidade de imagem dos cuts "extra" e, sobretudo, na estarrecedora qualidade de imagem e som do "final cut". Blade Runner como nunca foi visto, literalmente.

27.12.07

Call Girl - É Cinema, foda-se!


António Pedro Vasconcelos já havia garantido destaque no ano de cinema, ao assinar um interessante artigo, sem papas na língua, onde aproveitava um filme(?) sobre Zinédine Zidane para desmontar toda uma visão das supostas elites nacionais sobre a Arte, neste caso particular o cinema. Excessivo e contundente, como o não podem deixar de ser artigos na linha do direito à indignação consagrado pelo então Presidente da República Mário Soares, APV colocou o dedo na ferida. Teve ainda o mérito de assinar o cognome mais divertido do ano, retratando o (unanimemente endeusado em certos círculos e respectivos apaniguados) Pedro Costa como “cineasta oficial do bairro das Fontaínhas”.

Agora, com o Dezembro prestes a expirar, surge Call Girl, a grande surpresa do ano. Marcado pela citação cinéfila descarada e utilização desavergonhada de calão, trata-se de um objecto de alto entretenimento. Esta deliciosa diversão, crítica ácida e mordaz aos protagonistas públicos e anónimos do Portugal contemporâneo, é uma espécie de acto de fé do realizador no cinema de massas que tanto defende. E nessa vertente é um objecto plenamente conseguido, mostrando que o olhar pessoal não é inconciliável com uma dimensão popular, e que tal é válido também neste Portugal de hoje, porventura o menos cinematográfico dos Países.

Call Girl é, também, um objecto limite, na medida em que todos os personagens centrais assumem uma dimensão de arquétipos no limite do estereótipo, numa estrutura eficaz que reforça o contraste entre uma irrealidade só possível no cinema e o contexto que remete directamente para a mais próxima actualidade, dita real. Todos os protagonistas, irrepreensivelmente dirigidos, arrancam interpretações de gabarito, com Soraia Chaves, Ivo Canelas e mesmo Joaquim de Almeida a atingirem o pico das respectivas carreiras. José Raposo e Nicolau Breyner estão ao nível do melhor que já fizeram.

Uma última nota para a extensa galeria de secundários, ela própria elemento de ligação ao suposto real, quase todos participações icónicas extremamente conseguidas, onde mesmo assim destaco o ministro yuppie de Virgílio Castelo, a fazer lembrar algumas figuras do socratismo.

Call Girl está longe de ser um filme perfeito ou cinema para a posteridade, mas é um tal tour de force de crença do seu autor na sua ideia de cinema, que esqueço qualquer defeito que possa ter e recomendo-o viva e incondicionalmente.

25.12.07

Piores do Ano (João Eira)

Foi um ano de tal forma recheado de mau cinema, que, mesmo descontando produtos cuja única ambição é permitir à mole humana desligar o cérebro durante duas horas, me vi na contingência de ter umas boas duas dúzias de filmes a merecerem destaque negativo. Assim, não conseguindo escolher entre os deméritos dos diversos concorrentes, a lista contém 20 em vez do tradicionais 10 filmes. A ordem é a da estreia nas salas nacionais.

Assalto e Intromissão (Breaking and Entering)

Minghella ganhou o Óscar ao terceiro filme que fez, o épico romântico The English Patient, revivalismo menor do cinema de grande espectáculo dos anos 60, a espaços belíssimo e comovente. Desde então tornou-se especialista em transformar tudo o que toca em pastelaria massuda, seca e com propriedades suporíferas inusitadas. O seu trabalho deste ano acrescenta aspectos que o constituem como um tratado de lixo politicamente correcto pronto a servir, versando temáticas como a comunicação entre culturas e a emigração. Vem, claro, disfarçado de drama urbano e moderno para que as classes médias educadas do mundo ocidental globalizado se sintam devidamente aconchegadas.

O Último Rei da Escócia (Last King of Scotland)

Não há ano que passe também sem o filme do complexo de culpa sobre a situação em África. Este retrato do ditador ugandês Idi Amin Dada é tão fraquinho que o que fica nem sequer é o habitual olhar paternalista sobre o continente, mas o trinómio da realização de pedreiro, direcção de actores inexistente e de um esboço de narrativa tão débil que só se faz notar pela adulteração de aspectos históricos factuais.

Encurralados (Half Nelson)


Uma das muitas trapalhadas indie que fazem o furor em certas “comunidades artísticas”. A temática fascinante deste filme é a nulidade da vida de alguém que faz tudo para ser… uma nulidade. Não espanta assim que a aclamada interpretação de Ryan Gosling se limite a uma deambulação pelos cenários do filme. No entanto, e para que o espectador não fique com dúvidas sobre a seriedade da coisa, há muitas imagens de bandeira americanas, intervenções do presidente Bush e uns inserts irritantes de criancinhas a recitar artigos da constituição americana. Afinal havia mensagem! A relação com o resto? Nenhuma, mas certamente estaremos perante mais um dos retumbantes méritos que me passaram ao lado…

O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno)

Maniqueísmo de alcova, usa uma historieta de fantasia amadora para mostrar como os maus são mesmo maus e os bons são sempre bons. Narrativamente inconsequente, visualmente grotesco, ideologicamente aviltante, é forte candidato a filme mais repugnante do ano.

O Caimão (Il Caimano)
Nani Moretti é o menino querido da esquerda europeia e um cineasta com talento. Mas aqui espalha-se ao comprido, quando cede ao mais fácil populismo que pretende criticar e apresenta um Berlusconi ridiculamente cartoonesco. Seria tolerável, não fosse o facto de o filme se levar(muito) a sério.

300 (300)

“O cinema do futuro”, proclamam alguns. Se isto é o futuro, então prefiro viver no passado. A prova de que a tecnologia não serve para nada quando se tem um bruto na realização. Rodriguez tem a mesma subtileza dos guerreiros espartanos, mas o Xerxes amaneirado de Rodrigo Santoro merece a gargalhada do ano.

Sunshine - Missão Solar (Sunshine)

Danny Boyle volta a não desiludir, agora no território de super produção. Cheio de efeitos de câmara da estirpe “olha que esperto que eu sou” e metáforas adolescentes e com um sentido de espectáculo de um padre da Opus Dei, Boyle continua o seu caminho de cineasta irrelevante que não vai a lado nenhum.

Shortbus

Mais um darling indie, consagrado em tudo quanto foi festival. Um filme que aposta na aberração como um conceito de cinema. Começa com uma pirueta auto ejaculatória, passa por um threesome homossexual, mas, sejamos justos, não esquece o lado hetero e também somos bafejados com umas cenas de sexo explícito entre uma chinesa frígida e diversos parceiros. Que em complemento apenas sejam servidas umas quantas frases pomposas, disfarçadas de diálogos existenciais, não parece incomodar quem cauciona como arte esta pornografia de sarjeta.

Piratas das Caraíbas nos Confins do Mundo (Pirates of Caribeean 3)

O blockbuster do ano consegue arrastar por 3 horas(!) um completo vácuo de ideias, personagens ou narrativa. Já nem Johnny Depp salvo o barco do naufrágio. Volta Errol Flynn!

Hostel 2 (Hostel: Part II)

Quando a exploração gratuita da humilhação humana para fins meramente comerciais de promoção de um produto, como se da venda de um detergente ou um chocolate se tratasse, atinge a depuração deste Hostel 2, é razão para questionarmos se merecemos a designação de animais racionais.

Next – Sem Alternativa (Next)

O argumento queijo suíço do ano, temperado pela peruca de Nicholas Cage e por um final que gera tal incredulidade que é preciso rever para acreditar. Talvez o facto de descobrirmos no fim que mais de metade do que vimos era apenas um sonho seja a forma de Tamahori admitir que o seu filme não tem ponta por onde se lhe pegue.

Um Coração Poderoso (A Mighty Heart)

Telefilme filmado em estilo documental-verité, onde Angelina Jolie passeia o seu sotaque (é sempre o mesmo faça ela de francesa, grega ou de monstro CGI) durante 2 horas, numa obra cuja temperatura é um constante zero absoluto. Não existe vida possível nesta secura de personagens ou visão de qualquer tipo.

O Reino (The Kingdom)

Logo no genérico o cheiro a podre invade a sala, quando levamos com um power point de história para atrasados mentais. Mas a coisa piora, pois o filme alia a uma visão estereotipada de tudo (sem excepção) o que mostra a realização de Peter Berg, um verdadeiro manual de como não filmar.

Eles (Ils)


Terror francês baseado em factos reais. Amador é a única palavra que me ocorre em relação a este filme.

Corrupção

Numa sala cheia os espectadores, lisboetas e a maioria certamente não portistas, saíam dizendo “o pior filme que já vi” e outros epítetos que tais. O êxito do filme talvez venha comprovar que o espectador português não procura propriamente um bom filme quando vai ao cinema, mas outras coisas. É difícil escolher por onde pegar em Corrupção, mas talvez o contraste entre o pretensiosismo do tom declamativo dos personagens e a piroseira da banda sonora e de alguns diálogos seja o que torna este objecto verdadeiramente único.

Zidane, um retrato do Século XXI (Zidane, un portrait du 21e siècle)

Zidane filmado de todos os ângulos possíveis e imaginários (parece que foram doze câmaras), complementado com frasezinhas bonitas e um noticiário ao intervalo é o que há para oferecer aqui. Alguém disse que isto era o “ocaso do próprio cinema, como a grande arte do século XX”. Eu acho que se houver juízo, isto será sim o ocaso da dupla de autores como cineastas, pois que ninguém com juízo voltará a deixar estes senhores tocar numa câmara e muito menos investir o seu precioso dinheirinho em coisas destas. Claro que há sempre uns ministros da Cultura prontos a brincar com o dinheiro dos outros, mas isso são outras conversas.

Control

Pose, tratamento tonal a preto e branco exemplar e banda de referência para uma geração. Ingredientes para um filme de culto. Mas, e cinema?

Hot Fuzz - Esquadrão de Província (Hot Fuzz)

A patetice do ano. Na ânsia de ridicularizar para sacar gargalhada, colecciona estereótipos e consegue a proeza de falhar o timing cómico em todos os gags. Dormi uns bons dez minutos lá para o meio, coisa que nunca me aconteceu num filme de Michael Bay.

Peões em Jogo (Lions for Lambs)

A grande desilusão do ano. Redford acordou chateado e sacou um valente berro contra a indiferença. Mas ficou por aí e Lions for Lambs não passa de um inconsequente, primário e manipulador conjunto de clichés, convocando uma seriedade e uma pretensão de revolta contra o status quo, para a qual não oferece suporte dramático. Na ânsia da propaganda ficaram por dimensionar personagens, situações, realidades. Fica o panfleto político, mas, nessa área, o Bloco de Esquerda é bem mais eficaz.

24.12.07

Breve elogio ao Natal através da sua ausência (pelos olhos do Cinema)

* Cena de «Catch Me If You Can» (Spielberg, 2002)

Quando Leonardo DiCaprio olha do lado de fora da janela para a casa onde a sua mãe e um homem e uma criança que desconhece celebram o Natal – naquela que é a mais assombrosa cena de «Catch Me If You Can» e um dos quadros cinematográficos mais desencantados de sempre – ele olha sobretudo para a impossibilidade de habitar aquela casa e, nesse sentido, para a ausência absoluta do Natal enquanto espaço afectivo.

Daí que o Natal se construa também sobre o imenso peso da sua falta. Ele vem efectivamente preencher algo. Sendo que esse algo – no absoluto dos absolutos – é precisamente a sua ausência. Sentir o Natal a partir do «não-Natal» é verificar a sua grandeza e omnipresença. Não vejo melhor elogio que se lhe possa fazer.

Votos de um feliz Natal.

13.12.07

Afinal era tão simples...

Desilusão para muitos que conceberam as mais rocambolescas fantasias a propósito disto. Mas o filme não deixa de ser jeitoso...

7.12.07

Era uma vez...


«Enchanted», o novo filme da Disney, recupera precisamente o fulgor encantatório do «Era uma vez…» enquanto gesto primitivo associado ao imaginário das grandes histórias de fantasia e devolve ao espectador a possibilidade de voltar a acreditar. Acreditar em quê? Na fábula enquanto reconquista e celebração do nosso olhar de criança.

Aceitamos o desafio. Era uma vez, pois. Era uma vez uma princesa cantora e um príncipe caçador de monstros que viviam num reino de fantasia à procura do amor eterno. Conhecem-se de manhã, apaixonam-se à tarde e decidem casar e viver felizes para sempre no dia seguinte. Era uma vez também uma rainha malvada que antes do casamento recorre aos seus maléficos poderes para enviar a princesa… para o mundo real. Esse mundo real é a Nova Iorque dos dias de hoje, habitada por personagens frágeis, descrentes e toldadas pelo cinismo dos tempos.

Do choque destes dois mundos nasce toda a magia, um verdadeiro caldeirão de emoções, música e cor cozinhado com a mestria, mas sobretudo com o coração e a memória, da grande herança da Disney. Este filme merece aliás destaque porque não cai no recorrente erro de pensar que basta criar meia dúzia de bonecos falantes ou de príncipes andantes para se construir uma história de fantasia. Ao acreditar verdadeiramente na sua história e nas suas personagens, ao deixar a magia surgir e crescer, «Enchanted» assume-se como uma história de fantasia na sua mais genuína matriz.

A fantasia – a verdadeira fantasia – nasce sempre das personagens e da descoberta que elas fazem (da magia) do mundo e delas próprias. E «Enchanted» nunca tem medo de arriscar essa descoberta e ousa continuamente expor as suas personagens à interrogação capital: pode a fantasia sobreviver à realidade? Ou: ainda há espaço para o sonho fora dos contos de fadas? A resposta é-nos dada pela Disney em todo o seu esplendor e a revelação dessa verdade profunda não podia ser mais encantadora. De resto, é sempre reconfortante saber que uma história de amor ainda se pode decidir numa dança de baile antes das 12 badaladas…

1.12.07

A Tragédia e o Corpo



Finalmente! Digo isto com grande alívio por saber que, vários meses após Inland Empire, é possível encontrar no cinema mais um dos grandes filmes deste ano (que, infelizmente, não foram muitos). Depois de um mergulho profundo no autorismo clássico fordiano com History of Violence, Cronenberg mantém a sua genética cinematográfica no seu mais recente filme - Eastern Promises – reencontrando a biologia do corpo humano como a sua mais iminente e irreversível tragédia. Recentemente, tive a oportunidade de ver o vídeo de uma entrevista de Cronenberg (o Tiago Costa já aqui o colocou) em que o cineasta canadiano se referia ao prolongamento invulgar das suas sequências mais gore e violentas.

Explicava então que a maioria dos filmes corta a sequência antes de acontecer a violação do corpo (um corte de navalha, uma facada, etc), enquanto os seus filmes pretendem explorar um conjunto de reacções desconcertantes que nos assombram ao vermos os segundos seguintes – isto é: a morte do corpo. Mais do que a morte, a própria tentativa biológica do corpo combater a sua morte, o seu destino. Cronenberg torna-se assim uma espécie de encenador operático dos trágicos destinos do nosso corpo, resgatando a gore enquanto estilo vulgarmente associado a série b para um estado de sublimação e catarse da alma humana. Daí que, quando vemos Viggo Mortensen a combater nu e o seu sangue a fundir o corpo com o gélido cenário (e ambos na presença aterrorizante da morte), nada parece estranho nem gratuito. Tudo está contextualizado e pertence a uma realidade formal que o cineasta cuidadosamente preparou e concretizou. Mais do que isso, essa realidade de combater desnudado é quase imposta pelo próprio filme e estranho seria manter-se com a toalha colocada durante a sequência toda. É num certo sentido, a irreversibilidade cronenberguiana. A irreversibilidade da sua tragédia e da sua narrativa.

A história da máfia russa em terras inglesas ajuda a compor um imaginário que, para muitos, será desconcertante e para outros será demasiado próximo. Seja como for, as diferenças culturais serão convenientemente ultrapassadas (mais do que isso, serão assimiladas pelo próprio filme) à medida que se decompõe uma das mais comoventes histórias de amor que o cineasta alguma vez filmou. A dor de Eastern Promises é a mais biológica de todas: a dor de perder um filho. E Cronenberg filma Naomi Watts como um corpo amputado de uma vida que parece querer a todo o custo recuperar numa outra forma (uma bebé que sobreviveu à morte da mãe). E o detalhe afectivo e pictórico de Viggo Mortensen é inquietante!

28.11.07

Nazis. I hate these guys!

Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008)

22.11.07

Hot Fuzz


Vi ontem Hot Fuzz e tenho a dizer que é um filme que se espalha ao comprido e que não sabe aproveitar as poucas ideias interessantes que tem. Existe um conceito base que funciona em termos de comédia: o melhor agente policial de Londres é transferido para a vila mais perfeita de Inglaterra, onde há anos que não há assassinatos ou quaisquer problemas de segurança. Do que os argumentistas Edgar Wright e Simon Pegg se esquecem é que escrever comédia de duas horas para cinema não é como escrever sketchs de dois minutos para o Big Train: o conceito é bom, de facto, mas esgota-se ao fim de pouco tempo, quando se torna evidente que não há ideias para o explorar.

Perto do final, após um dos twists mais ridículos de sempre (aqui ridículo no bom sentido, já que é de facto a outra boa ideia do filme e favorece os seus propósitos), há uma ligeira melhoria com a introdução dessa nova situação, mas insuficiente, até porque as cenas climáticas finais de destruição acabam por se tornar chatas e inconsequentes, sucedendo-se de forma idêntica e repetitiva. De resto, a realização e montagem aceleradas a tentar parodiar os filmes do género é completamente aleatória e descontrolada. É verdade que a tentativa é parodiar esse descontrolo de câmara que existe na maioria dos filmes de acção que estreiam actualmente, mas para isso não se deveria ceder a esse mesmo descontrolo, mas sim ter noção dele, utilizando-o de forma controlada. Por outras palavras, torna-se quase uma imitação, em vez de uma paródia.

20.11.07

Cinema de Elite


Dificilmente um objecto como este tremendo Tropa de Elite poderia surgir no contexto das sociedades do Primeiro Mundo, dominadas por essa censura (cada vez menos) invisível do politicamente correcto. Provavelmente, ainda bem. É sinal que vivemos longe desta violência limite e suas terríveis consequências.

O certo é que esta frenética, dura e implacável realização de José Padilha é o filme com mais cojones que vi em muitos anos. Emoções, perspectiva, humanidade, contextualização social e política - isto sim é cinema de intervenção! Melhor: é Cinema e pronto.

Claro que um tratamento destes não poderia passar sem os epítetos de fascista e outras palavrinhas agradáveis com que os donos do pensamento colectivo gostam de rotular o que foge da sua cartilha de bem-pensar. Preferem certamente a "clareza" e "boas intenções" dos "documentários" do Senhor Moore.

Simplicidade na exposição dos problemas e disposição dos personagens perante os mesmos é muito diferente de simplismo, assim como não se pode confundir a perspectiva do personagem com a do autor.

Para mim, Tropa de Elite funcionou como um filme de uma total honestidade para com os actores da história e o drama que os envolve, e, sobretudo, para com o espectador e a sua liberdade de decidir sobre o que lhe é dado a ver.

19.11.07

Quem foi Ian Curtis?

Respostas a esta questão serão bem vindas e agradecidas.

Porque, depois de ver "Control", fiquei na mesma ignorância em que vivi nos últimos 25 anos em relação à pessoa. O filme de Anton Corbijn parece ter sido um retrato fiel de Curtis (pelo menos até certo ponto, dado que foi adaptado do livro escrito pela mulher deste). O que não é propriamente abonatório a seu favor. Passo a explicar:

Os Joy Division e Ian Curtis parecem ter sido/ser uma banda de culto, e que deixaram uma marca indelével no mundo da música. Digo que parece porque, repito, tenho vivido na quase total ignorância de tal banda. E o filme não me permite perceber o porquê desse culto.

Personagens é coisa que não vemos em duas horas de filme. Vemos, isso sim, meia dúzia de pessoas a movimentarem-se pela tela, sem percebermos as suas motivações, e os seus sentimentos (Sam Riley tenta, nota-se uma tentativa de construção de personagem, mas isso só não chega, embora, de todas as intervenções dos actores, a sua seja a melhor), tudo o que poderia ter algum impacto emocional (a incapacidade de escolher entre uma e outra mulher, a forma de lidar com a doença) é filmado tão banalmente que sentimos que não passa de um cliché já visto e revisto, e que cansa.

Não fora a magnífica fotografia (demos a César o que é de César, e Corbijn é um excelente fotógrafo), utilizando o preto e branco, as sombras e as luzes de forma irrepreensível, e este biopic sobre o vocalista de uma banda influente e de culto seria digno de figurar na programação de um Sábado à tarde na TVI.

Eu tinha expectativas algo altas para o filme. Fiquei um pouco desanimada com a opinião do Tiago. Mas infelizmente, tenho que concordar com ele...

DVD vs. Blu-ray - Descubra as Diferenças


18.11.07

Redacted


Redacted é um filme inteligentíssimo sobre a Guerra do Iraque, e por isso de visionamento obrigatório, embora não tenha o impacto dramático que se esperaria, assim como a realização de De Palma não está no habitual nível de engenho, ainda que sempre eficaz e com ideias.

Uma questão, face à previsível reacção crítica norte-americana: será que os críticos e jornalistas que, sem assistir ao filme, disseram que De Palma traiu a nação e as tropas, conseguem manter a mesma afirmação depois de o verem, quando este termina com a própria voz do realizador a congratular um herói de guerra? Infelizmente, já se viu que conseguem.

16.11.07

Hotel Chevalier

Com apenas treze minutos, Hotel Chevalier é melhor que 90% dos filmes que estrearam este ano. Esperemos que a inspiração de Wes Anderson se tenha mantido para The Darjeeling Limited. Enquanto grande fã de The Life Aquatic with Steve Zissou (e apreciador do resto da filmografia de Anderson), não posso deixar de esperar um grande filme.

Top... 5!

Tendo em conta o panorama de estreias até ao final de Dezembro, deixo já aqui o meu top, que este ano terá apenas cinco filmes, visto que a fraquíssima qualidade do ano 2007 em Portugal não permite mais. É possível escolher dez filmes, claro, mas não dignos de estar num top de melhores.

1. Eastern Promises, de David Cronenberg
2. Letters from Iwo Jima, de Clint Eastwood
3. Alexander: Revisited, de Oliver Stone
4. The Good Shepherd, de Robert De Niro
5. Redacted, de Brian De Palma

Sou ainda obrigado a colocar um filme que não estreou no circuito normal, mas foi apenas lançado em DVD, a magnífica versão revista do falhado Alexander, de Oliver Stone.

Não farei bottom, mas os destaques negativos vão para os péssimos El Laberinto del Fauno, The Last King of Scotland, Beowulf, e ainda para o pior do ano que vi: Fast Food Nation, de Richard Linklater.

Resta-me esperar um excelente ano cinematográfico para 2008, depois de Clint Eastwood, David Lynch, Darren Aronofsky, Zhang Yimou, David Fincher, Steven Soderbergh, entre outros que nem vale a pena referir, desiludirem.

15.11.07

eastern promises. cronenberg.


Perfeição absoluta, é o que me apetece dizer sobre Eastern Promises. E afirmar também, sem receio de me estar a precipitar, que é um dos melhores filmes dos últimos dez anos, e superior ao seu anterior (também obra-prima) A History of Violence, filme muito parecido no tom e no registo, embora muito mais directo no impacto emocional.

Tudo em Eastern Promises é fascinante, arrebatador, hipnotizante: a simplicidade narrativa em oposição à complexidade de personagens e emoções; a contenção dramática total, em todos os momentos do filme, face à brutalidade do impacto emocional que se vai apoderando do espectador; a banda-sonora de Howard Shore sempre de mãos dadas com essa contenção dramática, nada directa e sem um único momento de climax e de explosão, mas de uma profundidade musical impressionante; a fotografia de Peter Suschitzky, num estilo idêntico ao do A History of Violence, mas ainda mais perfeita e trabalhada a nível de cores e sombras; as interpretações, através da entrega por completo dos actores às personagens, destacando-se obviamente a sóbria (e magnífica) composição de Viggo Mortensen a nível físico e emocional; os diálogos, que muito pouco dizem, porque neste filme de inigualável subtileza nada é dito - nem sentimentos nem emoções -, já que para os captar está lá a câmara de um génio - David Cronenberg.

Sublime.

Um Regresso em Falso

Passados dez anos do seu anterior filme, um dos maiores e mais emblemáticos realizadores de todos os tempos regressa à realização, criando, como é óbvio, imensa expectativa em torno da sua nova obra, Youth Without Youth. A acrescentar a isso o facto de as estreias de filmes apelativos durante este ano estarem a ser escassas, ainda mais esperava encontrar no regresso de Coppola também um regresso aos grandes filmes a passar em Portugal, mesmo não sendo estreia oficial. É claro que, entretanto, já tinha surgido o trailer (bastante fraco), que fez que me dirigisse ao European Film Festival no Estoril sem certezas, mas confiante.

Visto o filme, fica bem claro que o realizador de Godfather se tem recentemente dedicado mais às suas vinhas do que ao cinema, e, verdade seja dita, podia lá ter continuado, porque o Cinema é escasso em Youth Without Youth. De uma forma geral: realização básica, sem qualquer visão ou profundidade; argumento superficialíssimo sobre todos os temas que aborda, preferindo sempre despejar citações filosóficas intermináveis a dar relevância ao lado humano das suas personagens; interpretações desequilibradas, sendo que Tim Roth vai apenas bem e Bruno Ganz está insuportável.

Antes de mais, é óbvio que quando falo em realização básica não me refiro à componente técnica, embora aqueles recorrentes e despropositados planos ao contrario e cenas com o duplo filmadas de forma sempre igual (com a originalíssima ideia de o filmar quase sempre em espelhos!) realmente o sejam, parecendo mais um novato a tentar impressionar com uns quanto truques que já têm barbas do que propriamente um realizador com a qualidade de Coppola. Porém, refiro-me principalmente, quando digo que a realização é básica, à forma desinteressante como o realizador olha para as personagens (quase sempre como meros declamadores de livros de filosofia) e para diversos temas que procura abordar (tudo superficial, tudo previsível e à base de sub-plots insignificantes).

Falando em previsibilidade, há que afirmar que, pelo contrário, o filme também tem a sua dose de imprevisibilidade: depois de uma hora a investir na componente política, discutindo-se frequentemente o interesse dos nazis na personagem de Tim Roth, Coppola lembra-se de mandar toda essa narrativa às urtigas, deixando no ar a questão (talvez a mais pertinente que o filme coloca) isto tudo afinal foi para quê? Na segunda metade, deixa então o lado político para tentar investir no lado humano, mas infelizmente umas quantas banalidades de planos ao pôr-do-sol e à lua cheia não chegam para se criar a intensidade que se pedia àquela relação. Ou, para um exemplo mais escandaloso, recorde-se a viagem até à Índia, cena essencial para começar a desenvolver a relação amorosa. E o que há a dizer sobre essa cena? Do mais pobre e ridículo a nível de encenação, um dos exemplos máximos do amadorismo do filme. De resto, as considerações sobre o amor em oposição à sua vontade de terminar o livro da sua vida são também do mais previsível e simplório, assim como as discussões com o duplo a esse respeito.

Tim Roth vai bem e faz o que pode, mas Coppola não o sabe aproveitar. Na verdade, nunca lhe é dada uma personagem a sério para defender. E o maior exemplo disso são os "poderes especiais" que a personagem adquire com a electricidade do raio que o atinge. Para se tornar credível, pedia-se uma exploração das causas desses poderes em si mesmo e nos que o rodeiam, e não que fossem usados pontualmente quando é necessário que a narrativa avance e tem que se ir buscar qualquer coisa (péssima cena da pistola).

Este regresso de Coppola ao cinema sai, pois, completamente ao lado do esperado. Tem que começar a controlar melhor a taxa de álcool do vinho que produz para ver se a quantidade de asneiras começa a diminuir. E aqui não falo apenas do cinema: os recentes comentários à revista Empire sobre Martin Scorsese são do mais triste que pode haver; bocas de fofocas e de mal-dizer ao nível das discussões do mais básico talk-show. Custa-me fazer tão duras críticas a um cineasta que tanto admiro, mas, para ser justo, não tenho alternativa. Resta-me esperar que Tetro, o próximo filme que tem agendado (2009), seja Coppola de regresso aos grandes filmes.

11.11.07

A Mais Bela das Edições...

...chega a 13 de Novembro!

10.11.07

Gangster Limpinho


Para um filme realizado por Ridley Scott, protagonizado por dois dos melhores e mais carismáticos intérpretes da actualidade, centrado no duelo entre um barão da droga e o polícia que o persegue, as expectativas, mesmo considerando todos os imponderáveis, teriam que ser no mínimo elevadas. E, à cabeça, devo deixar claro que American Gangster ficou longe, muito longe, de me encher as medidas. Talvez desilusão seja uma palavra forte, mas deixou uma sensação clara de vazio.

Não quer isto dizer que American Gangster seja desprovido de méritos. O filme de Ridley Scott é, na sua essência, uma história bem contada, oleada ao mais ínfimo pormenor para manter o motor narrativo a carburar a velocidade de cruzeiro e imperturbável por qualquer sobressalto. Por isso mesmo, os 157 minutos de duração do filme notam-se pouco. Mas, se o bem-fazer narrativo permite cumprir os mínimos de uma experiência agradável, a verdade é que pouco mais vi nesta obra. Por muito que a teia de acções esteja bem urdida, falta-lhe uma rede de relações que a acompanhe a cada momento, introduzindo real densidade Humana, transformando os personagens de meros portadores da história em verdadeiros Actores da mesma. Isso acontece de forma esparsa, reduzindo-se demasiadas vezes a caracterização dos personagens a meros episódios de contextualização, com dois os três diálogos muitas vezes ditos por personagens tipo cuja função se resume a isso.

A sensação de superficialidade é agravada quando passamos para a contextualização histórica e social. Não me refiro aqui, saliento, às liberdades criativas que foram tomadas em relação à true story referida no início, questão tantas vezes levantada nestes casos e que normalmente desvia o debate dos méritos da obra para questões laterais. Refiro-me à forma como é tratada a época e como os personagens e situações se incorporam e interagem com esta. E, se por um lado o filme faz questão de mostrar muitas coisas – a essência Americana, a Guerra do Vietname, a introdução de narcóticos nos Estados Unidos, a questão racial –, elas aparecem retratadas de uma forma não só óbvia, mas acima de tudo superficial. Mais uma vez, privilegiou-se um carácter factual, presente nos vários planos de bandeiras americanas, nos interlúdios televisivos de contextualização, no combate de boxe histórico entre Joe Frazier e Muhammad Ali ou até na sequência sensivelmente a meio do filme em que ao som de música da época (Across 110th Street de Bobby Womack, já usada em Jackie Brown) se acompanha o circuito da droga feita dinheiro das selvas do Vietname até às festas em apartamentos de luxo em Nova Iorque, em detrimento de um carácter vivencial que procure incorporar a época e os acontecimentos eles próprios como verdadeiros Actores da história. A somar a isto, ou porventura como consequência, acaba por sobressair uma sensação de excessiva reciclagem, como se estivesse perante a enésima versão da mesma história contada da mesma maneira.

American Gangster passa também como uma espécie de tentativa de best-off dos filmes do género. Inúmeros foram os filmes que me lembrou, de The Godfather a Goodfellas, de Scarface a Heat. Infelizmente, ao lembrar esses filmes, acaba por salientar a sua menoridade face aos mesmos, reforçando a perda de identidade própria na impossibilidade de recriar criativamente a inspiração que foi lá beber.

Deixo para o fim o melhor. De facto, o pouco algo mais que uma história bem contada que American Gangster trás não é tão pouco assim. É o que acaba por elevar o filme acima da mediania. Falo da personagem central, Frank Lucas, a única que tem uma verdadeira construção dramática (Richie Roberts, o seu contraponto policial, acaba, apesar de todos os esforços de Russell Crowe, por enfermar dos males descritos atrás) e sobretudo da sua encarnação por Denzel Washington. Actor que raramente falha, Washington tem aqui uma das suas mais monumentais criações. É certo que o personagem nunca poderia ficar imune à ecologia dramática que a rodeia, mas a força da interpretação de Denzel é de tal ordem que quase faz esquecer as limitações do argumento quando está em cena. É nomeação garantida, e mais do que merecida, para o Óscar que já ganhou por duas vezes.

American Gangster
prometeu muito, mas não cumpriu a maioria do programa. Acabou por funcionar uma regra de mínimo denominador comum e o todo que fica é claramente inferior à soma das partes. Ou, numa outra perspectiva, talvez acabe por ser um filme que se identifica muito mais com a imagem de marca do seu produtor, Brian Grazer, do que com uma certa visceralidade característica dos filmes de Ridley Scott.

Cativante!

Youth Without Youth, Francis Ford Coppola (2007)

Nunca se deve duvidar da capacidade de Coppola para surpreender. Convocando a meditação, filmando de forma clássica mas redescobrindo o próprio cinema em cada imagem, Coppola jura fidelidade a um estilo de não compromisso perante nada nem ninguém. Quem arrisca desta maneira tem que ser saudado, mesmo que os resultado não seja sempre o sucesso. Youth Without Youth não acerta sempre, mas quando acerta é o cinema na sua forma mais pura e consequentemente mais radical e bela. Viva o Cinema!

31.10.07

Rescue Dawn

Eis um filme sonolento. E aborrecido. E que não tem nada de novo. O melhor é a interpretação de Christian Bale. O pior é quase tudo o resto.

A narrativa até pode ser interessante, mas a forma como é filmada não consegue transmitir isso. Poder-se-ia argumentar que poderiam ser feitos cortes, de modo a que esse sentimento de sonolência não se manifestasse tanto. Porém, parece-me que se isso acontecesse, seriam cortados momentos que contribuem para a caracterização da personagem principal (mas considerando bem... se calhar nem era uma coisa assim tão má, já que o filme não pderia ser muito pior do que aquilo que é).

A realização é competente e banal. As interpretações secundárias também, e não fora o argumento absolutamente aborrecido, até poderia ter sido, no mínimo, um filme agradável. Até porque acredito que o documentário em que Herzog baseou este filme (documentário esse também realizado por si) seja interessante.

Agora o filme? Um bocejo de duas horas, em que se sente cada minuto...

19.10.07

The Brave One


Notável filme com uma Jodie Foster Enorme!

Jordan trilha as ruas de Nova Iorque, filmando a brutalidade seca e real, numa obra dominada pela violência e pela imagética da mesma, perpassada por um desencanto desesperadamente sóbrio.

Erica Bain revolta-se contra a brutalidade? Vinga-se da perda do objecto amado? Não, Jordan não deixa margem para equívocos. Erica reage à perda da identidade, à impossibilidade de Ser Erica sem David. “I miss who I was with him”. Acorda sem mundo, sem referências, apenas com as memórias do que foi mas que jamais voltar a ser.”The dead don´t talk, at least not to me”. A violência, reactiva, viciante surge como único preenchimento do vazio, numa busca(?) por um inexistente sentido, ponto de apoio ou resposta.

A violência como concretização da abjecção máxima servindo de contraponto à abstracção formal limite: a ausência de tudo.

Filme do e para o seu tempo, obra fundamental de 2007, The Brave One é uma anti-catarse culminando num plano final que reflecte especularmente o final de The Searchers*.

* Que me perdoem os mais ortodoxos esta pequena heresia.

A Goddess to Remember

Deborah Kerr (1921-2007)

14.10.07

Orgulho e Preconceito

Em 2006, estrou nas salas portuguesas mais uma adaptação do romance de Jane Austen (do qual eu me confesso, desde já, fã) Orgulho e Preconceito. Eu, que já tinha visto (e revisto várias vezes) a mini-série da BBC, e que (até hoje) a considero a melhor adaptação da obra, senti-me ofendida e insultada com o filme, que a trata de uma forma... vil.

Tendo já confessado o meu amor à mini-série da BBC, e o meu desprezo pela adaptação conematográfica, tinha jurado considerar a primeira como a adaptação definitiva. Até ontem. Ontem vi a adaptação feita em 1940, interpretada por Laurence Olivier e Greer Garson. Apesar de serem omitidas largas partes do livro (limitações temporais a isso obrigam), é uma boa adaptação, que contém o essencial da narrativa, e que dá forma e dimensão às personagens. Olha-se para o ecrã, e vêem-se pessoas com emoções, dúvidas, alma...

Sempre pensei que ninguém interpretaria melhor o Mr. Darcy que Colin Firth. Mais uma vez, dou a mão à palmatória. Laurence Olivier é absolutamente soberbo na encarnação do personagem. Já Greer Garson perde em comparação a Jennifer Ehle (a Elizabeth, da mini-série da BBC), mas é bem superior a Keira Knightley. Porém, existe uma abundante (e importante) química entre os dois, o que faz com que todo o enredo seja credível, já que, mesmo quando não estão presentes no ecrã, se sente (como deve ser) a sua presença.

O elenco secundário (que inclui nomes como Edna May Oliver, Edmund Gwenn, Maureen O'Sullivan, Ann Rutherford), encabeçado por uma hilariante Mary Boland (num papel tão genial como aquele que interpretou um ano antes em The Women, de Cukor) é também ele tri-dimensional (ou seja, não serve só de pano de fundo, as personagens são também cheias de emoções e problemas), bem trabalhado, e credível.

Quanto à realização... não tem quaisquer pretensões de grandeza, ou de qualquer outra coisa. E precisamente por isso sai benificiada. Há intimismo quando este é necessário, e em cenas mais complexas, nomeadamente nas de grandes multidões, como festas e bailes, é ao mesmo tempo simples e intrincada, dando a um só tempo, várias perspectivas do mesmo evento. Não há nada dos abomináveis, pomposos e inúteis planos da adaptação escabrosa de Joe Wright, graças a deus. Há apenas um tratamento simples e pessoal de todas as relações e situações, daí que consiga a aura de um grande filme, que decerto irá ser alvo de vários revisionamentos da minha parte.

Antes de ver o filme, não pensei ir dizer que gostei quase tanto como da mini-série. Aliás, quer-me parecer que esta foi largamente inspirada neste, notam-se muitas semelhanças, e só a considero melhor porque, como tem mais tempo (derivado do meio de exibição, obviamente), é mais completa como adaptação. Depois deste visionamento, surge apenas um problema... o meu preconceito relativamente a outras adaptações desta obra aumentou. Duvido que qualquer outra seja tão boa como estas duas...

6.10.07

Les Chansons d'Amour

Depois do (e durante o) visionamento do novo filme de Christophe Honoré, a maior sensação que me invadiu foi de alívio. Isto porque, depois de lidas alguns artigos sobre o filme, esperava um musical completo. Ou seja, apenas música, sem diálogo falado. O que para mim (e atenção, eu sou uma grande defensora de musicais!!) é um pouco demais. Quando me apercebi que não era este o caso, pude apreciar o filme ainda mais.

Não me é fácil explicar o porquê de ter gostado tanto assim deste filme. Como musical, é no mínimo, surpreendente. Se bem que espelhe um final onde se projecta alguma esperança, é talvez o mais duro e amargo musical que alguma vez vi. Como drama (apesar de ter alguns momentos mais leves, cómicos, mesmo, no fundo é mais drama que comédia) é igualmente surpreendente, devido ao elevada presença de números musicais (se bem que isso para mim, pessoalmente não seja qualquer problema, que fique bem claro!).

É um facto que está bem realizado. É um facto que as interpretações são excelentes, especialmente as de Louis Garrel e Chiara Mastroiani; ele mais explosivo, ela incomodativamente contida, cada um a sofrer, e a querer superar à sua maneira a perda de Julie (Ludivine Sagnier). É um facto que a banda sonora de Alex Beuapain (que já tinha proporcionado um dos melhores momentos de "Dans Paris") é extraordinária. É mesmo a melhor coisa do filme (uma boa banda sonora de um musical sustém-se a si mesma, não precisa do filme para fazer sentido, e isso acontece aqui), pontuando os momentos mais emocionais da melhor forma. Só o argumento podia ser melhor, mais consistente, porque se notam alguns desiquilíbrios entre as duas partes demarcadas no filme.

O mais importante de tudo é que o filme me fez vivê-lo. Fez-me viver os dilemas das personagens, fez-me rir com elas, fez-me chorar com elas, fez-me sentir o desespero delas, as suas motivações, as suas dúvidas... e finalmente; a sua evolução, não vista, mas antes percepcionada.

É isto que eu espero num filme. É por isso que, apesar da (para mim, mínima) deficiência do argumento, "Les Chansons d'Amour" é, para mim, um dos bons filmes que sobressaem neste ano que tem sido tão fraco...

3.10.07

Festa do Cinema Francês


Inicia-se hoje no Cinema São Jorge pelas 21h a 8ª Festa do Cinema Francês. O filme de abertura é "Les Chansons d´Amour", musical inspirado nas fitas de Jacques Demy, realizado por Christophe Honoré e produzido por Paulo Branco. Honoré estará presente na sessão.

Depois do perturbante "Ma Mére" e do magnífico e comovente "Dans Paris", espera-se o melhor desta obra que irá estrear nas salas portuguesas já a 18 de Outubro. Aqui fica um dos momentos musicais do filme para aguçar o apetite.



2.10.07

Promissores

A nossa sorte é que os meses que aí vêm parecem bem mais interessantes do que aqueles que passaram:

Paranoid Park, de Gus Van Sant
Lions for Lambs, de Robert Redford
We Own the Night, de James Gray
The Darjeeling Limited, de Wes Anderson
Lake of Fire, de Tony Kaye
Youth Without Youth, de Francis Ford Coppola
Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street, de Tim Burton
Eastern Promises, de David Cronenberg
Redacted, de Brian De Palma
There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson
Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, de Steven Spielberg
The Happening, de M. Night Shyamalan

11.9.07

Tsai Ming-Liang

Na semana em que estreia (com consideravel atraso) The Wayward Cloud, sai directamente para o mercado de dvd I Don't Want to Sleep Alone. Uma pena, é dos melhores filmes que vi nos ultimos anos.

10.9.07

Goya's Ghosts


O novo filme de Milos Forman, oito anos depois do extraordinário «Man on the Moon», não é, ao contrário do que a filmografia do realizador sugeria à partida, uma biografia sobre o famoso pintor espanhol que dá título ao filme. Na verdade, nem Goya é a personagem principal desta obra, nem o filme se apresenta como uma biografia.

O que filma então Forman ao longo de 2h de película? Nesta interrogação mora simultaneamente o falhanço e o fascínio de «Goya’s Ghosts». Porque se é certo que o olhar sobre a matéria histórica é sobretudo um olhar sobre os fantasmas que a atravessam (e nesse sentido o muito perturbante plano final é a revelação e a síntese disso mesmo), não é menos verdade que esse ponto de vista se assume como demasiado ousado para ser concretizado no modelo narrativo escolhido.

Arrasado e ridicularizado um pouco por toda a parte, «Goya’s Ghosts» está, no entanto, longe do desastre anunciado. Os problemas de argumento e a dispersão narrativa são evidentes, mas a singularidade do projecto nasce também da fusão entre esse lado descuidado e quase caótico e um lado quase fantasmagórico e perturbador que se vai adensando a partir da desarmante elipse que varre literalmente o filme ao meio. Falhado, mas levemente fascinante.

9.9.07

Finalmente

16.8.07

THEY LIVE!

Battlestar Galactica, a melhor série de ficção científica desde Wild Palms.

Delicioso!


Lixo

Enveredar pelo caminho de análise que coloca Hostel 2 como símbolo de uma sociedade doente que encara a violência com banalidade e outras considerações sociais que tais, é colocar a discussão num degrau de relevância que este energúmeno imagético não faz por merecer.

Chamando as coisas pelos nomes, estamos perante um produto abjecto, exacerbação gratuita do sadismo voyeurístico e cultor da morte, fruto de uma mente doente e destinado a gente que provavelmente devia passar mais tempo no psiquiatra que em salas de cinema. É, tão somente, uma merda. É puxar o autoclismo, limpar o rabo, e seguir viagem.

14.8.07

Antonioni... por Scorsese


«NINETEEN-SIXTY-ONE ... a long time ago. Almost 50 years. But the sensation of seeing “L’Avventura” for the first time is still with me, as if it had been yesterday.

Where did I see it? Was it at the Art Theater on Eighth Street? Or was it the Beekman? I don’t remember, but I do remember the charge that ran through me the first time I heard that opening musical theme — ominous, staccato, plucked out on strings, so simple, so stark, like the horns that announce the next tercio during a bullfight. And then, the movie. A Mediterranean cruise, bright sunshine, in black and white widescreen images unlike anything I’d ever seen — so precisely composed, accentuating and expressing ... what? A very strange type of discomfort. The characters were rich, beautiful in one way but, you might say, spiritually ugly. Who were they to me? Who would I be to them?

They arrived on an island. They split up, spread out, sunned themselves, bickered. And then, suddenly, the woman played by Lea Massari, who seemed to be the heroine, disappeared. From the lives of her fellow characters, and from the movie itself. Another great director did almost exactly the same thing around that time, in a very different kind of movie. But while Hitchcock showed us what happened to Janet Leigh in “Psycho,” Michelangelo Antonioni never explained what had happened to Massari’s Anna. Had she drowned? Had she fallen on the rocks? Had she escaped from her friends and begun a new life? We never found out.

Instead the film’s attention shifted to Anna’s friend Claudia, played by Monica Vitti, and her boyfriend Sandro, played by Gabriele Ferzetti. They started to search for Anna, and the picture seemed to become a kind of detective story. But right away our attention was drawn away from the mechanics of the search, by the camera and the way it moved. You never knew where it was going to go, who or what it was going to follow. In the same way the attentions of the characters drifted: toward the light, the heat, the sense of place. And then toward one another.

So it became a love story. But that dissolved too. Antonioni made us aware of something quite strange and uncomfortable, something that had never been seen in movies. His characters floated through life, from impulse to impulse, and everything was eventually revealed as a pretext: the search was a pretext for being together, and being together was another kind of pretext, something that shaped their lives and gave them a kind of meaning.

The more I saw “L’Avventura” — and I went back many times — the more I realized that Antonioni’s visual language was keeping us focused on the rhythm of the world: the visual rhythms of light and dark, of architectural forms, of people positioned as figures in a landscape that always seemed terrifyingly vast. And there was also the tempo, which seemed to be in sync with the rhythm of time, moving slowly, inexorably, allowing what I eventually realized were the emotional shortcomings of the characters — Sandro’s frustration, Claudia’s self-deprecation — quietly to overwhelm them and push them into another “adventure,” and then another and another. Just like that opening theme, which kept climaxing and dissipating, climaxing and dissipating. Endlessly.

Where almost every other movie I’d seen wound things up, “L’Avventura” wound them down. The characters lacked either the will or the capacity for real self-awareness. They only had what passed for self-awareness, cloaking a flightiness and lethargy that was both childish and very real. And in the final scene, so desolate, so eloquent, one of the most haunting passages in all of cinema, Antonioni realized something extraordinary: the pain of simply being alive. And the mystery.

“L’Avventura” gave me one of the most profound shocks I’ve ever had at the movies, greater even than “Breathless” or “Hiroshima, Mon Amour” (made by two other modern masters, Jean-Luc Godard and Alain Resnais, both of them still alive and working). Or “La Dolce Vita.” At the time there were two camps, the people who liked the Fellini film and the ones who liked “L’Avventura.” I knew I was firmly on Antonioni’s side of the line, but if you’d asked me at the time, I’m not sure I would have been able to explain why. I loved Fellini’s pictures and I admired “La Dolce Vita,” but I was challenged by “L’Avventura.” Fellini’s film moved me and entertained me, but Antonioni’s film changed my perception of cinema, and the world around me, and made both seem limitless. (It was two years later when I caught up with Fellini again, and had the same kind of epiphany with “8 ½.”)

The people Antonioni was dealing with, quite similar to the people in F. Scott Fitzgerald’s novels (of which I later discovered that Antonioni was very fond), were about as foreign to my own life as it was possible to be. But in the end that seemed unimportant. I was mesmerized by “L’Avventura” and by Antonioni’s subsequent films, and it was the fact that they were unresolved in any conventional sense that kept drawing me back. They posed mysteries — or rather the mystery, of who we are, what we are, to each other, to ourselves, to time. You could say that Antonioni was looking directly at the mysteries of the soul. That’s why I kept going back. I wanted to keep experiencing these pictures, wandering through them. I still do.

Antonioni seemed to open up new possibilities with every movie. The last seven minutes of “L’Eclisse,” the third film in a loose trilogy he began with “L’Avventura” (the middle film was “La Notte”), were even more terrifying and eloquent than the final moments of the earlier picture. Alain Delon and Ms. Vitti make a date to meet, and neither of them show up. We start to see things — the lines of a crosswalk, a piece of wood floating in a barrel — and we begin to realize that we’re seeing the places they’ve been, empty of their presence. Gradually Antonioni brings us face to face with time and space, nothing more, nothing less. And they stare right back at us. It was frightening, and it was freeing. The possibilities of cinema were suddenly limitless.

We all witnessed wonders in Antonioni’s films — those that came after, and the extraordinary work he did before “L’Avventura,” pictures like “La Signora Senza Camelie,” “Le Amiche,” “Il Grido” and “Cronaca di un Amore,” which I discovered later. So many marvels — the painted landscapes (literally painted, long before CGI) of “Red Desert” and “Blowup,” and the photographic detective story in that later film, which ultimately led further and further away from the truth; the mind-expanding ending of “Zabriskie Point,” so reviled when it came out, in which the heroine imagines an explosion that sends the detritus of the Western world cascading across the screen in super slow motion and vivid color (for me Antonioni and Godard were, among other things, truly great modern painters); and the remarkable last shot of “The Passenger,” where the camera moves slowly out the window and into a courtyard, away from the drama of Jack Nicholson’s character and into the greater drama of wind, heat, light, the world unfolding in time.

I crossed paths with Antonioni a number of times over the years. Once we spent Thanksgiving together, after a very difficult period in my life, and I did my best to tell him how much it meant to me to have him with us. Later, after he’d had a stroke and lost the power of speech, I tried to help him get his project “The Crew” off the ground — a wonderful script written with his frequent collaborator Mark Peploe, unlike anything else he’d ever done, and I’m sorry it never happened.

But it was his images that I knew, much better than the man himself. Images that continue to haunt me, inspire me. To expand my sense of what it is to be alive in the world.»

11.8.07

Verão no Claquete


31.7.07

Michelangelo Antonioni (1912-2007)

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30.7.07

Ingmar Bergman (1918-2007)

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26.7.07

25 Anos Depois

Há 25 anos atrás, Ridley Scott estreava aquele que viria a ser um dos mais adorados filmes de ficção científica alguma vez a chegar ao grande ecrã. Depois de uma longa e atribulada espera, vai chegar finalmente a tão aguardada edição em DVD. E os detalhes da edição não poderiam ser melhores: Five-Disc Ultimate Collector's Edition, com cinco diferentes versões do filme, um making of, outros extras e ofertas.

Será sobretudo entusiasmante descobrir o que fez Ridley Scott no seu Final Cut e poder finalmente ver em DVD pela primeira vez a superior Theatrical Version, visto que, até agora, só o menor (mas magnífico) Director's Cut tinha edição em DVD.

A edição estará também disponível em HD-DVD e Blu-Ray, esperando-se, portanto, uma das melhores edições alguma vez feitas. Dia 18 de Dezembro nos EUA.

21.7.07

Stromboli, Terra di Dio


Independentemente dos seus méritos artísticos, Stromboli é um nome incontornável na historia do cinema. Primeiro filme da dupla Roberto Rossellini e Ingrid Bergman, viria marcar um casamento artístico que mimetizou a paixão na vida real, e que se consumou em mais seis filmes. A história é por demais conhecida: Bergman, à data a maior estrela de Hollywood, vê Roma, Città Aperta, Paisa e Germania Anno Zero e escreve a Rossellini dizendo que pretende trabalhar com ele sem condições. Conhecem-se apaixonam-se, ambos deixam os respectivos casamentos gerando o escândalo nos Estados Unidos e o deleite da imprensa cor-de-rosa.

À parte preferências pessoais – confesso que as minhas recaem sobre o avassalador Europa 51 que lhe sucede - é impossível ficar indiferente perante Stromboli. A imediata referência à “magia do cinema”, sempre tentadora, é aqui um caminho de equívocos. Porque, se existe uma presença quase opressora de forças sobrenaturais a dominar qualquer sala em que se projecte Stromboli, ela nada tem de mágico.

Apesar de escondida durante quase todo o tempo, a verdadeira motivação é explicitada logo na primeira imagem. Junto com um gigantesco “STROMBOLI” surge uma espécie de sub-título – a tal “TERRA DI DIO” que complementa o título original. Os dois substantivos, a “TERRA” e “DEUS”, estipulam assim, desde o inicio, dois dos três pilares que vão suportar toda a obra. O terceiro elemento é, naturalmente, Ingrid Bergman, ou Karin Jones, a mundana, a estrangeira, no sentido mais radical do termo àquela TERRA, cuja presença despoleta toda a cadeia de eventos. É da fricção constante de Karin (Ingrid) com a TERRA que vive Stromboli, e da omnipresença não consubstanciada de forças que parecem prendê-la a um lugar que, fisicamente, faz tudo para renegar. Essa presença domina o ar, os elementos, a sala de cinema, mas é sobretudo interior ao personagem – e interioriza-se no espectador, daí o incómodo que partilhamos com Karin – e tem tanto de elusivo como de real na forma como se sente cá dentro e na sua dimensão de desconhecido incontrolável.

Ao ver o filme pela primeira vez senti algo que identifiquei como uma empatia pela forma como Karin reagia perante a primitividade da ilha e as reacções dos seus habitantes. A dimensão do desconforto não podiam porém ser justificadas por tão pouco. Só dias ou talvez semanas depois me apercebi do que se tratava. Partilhei pois o incómodo de Karin, mas não era a fricção exterior que me perturbava, mas a convulsão interior. Aquela presença espiritual, ao mesmo tempo ligada a mim e exterior a mim. Só um realizador tocado pela Graça poderia conseguir tal efeito: consubstanciar DEUS no interior de um espectador ateu. E só uma actriz divina conseguiria ser o veículo de tal mensagem. Acredito que apenas Rossellini e Ingrid Bergman poderiam tê-lo conseguido. Acredito que, se DEUS existe, então a Graça juntou-os neste filme. E acredito que, se existem manifestações divinas na Arte, então STROMBOLI é o seu exemplo cinematograficamente mais relevante.

É impossível terminar sem referir os últimos quinze minutos de filme, quando Karin parte na mais desesperada das fugas. A erupção do vulcão que quase provoca a sua morte física é a chave para a revelação, para um novo mundo diante dos seus olhos. A cadeia inverte-se, são agora os elementos, a TERRA, que ditam a transformação de Karin. E é ela quem pronuncia, repetidamente o nome que a tudo dá sentido –“ DEUS, DEUS MEU, DEUS MESICORDIOSO!!”. Tal como Karin, só aqui o espectador percebe toda a dimensão do que viu – e sentiu – antes. As palavras serão sempre poucas para descrever a transcendência destes momentos e por isso aqui termino em silenciosa reverência.

19.7.07

Cinema em Ebulição


«Death Proof» é a quintessência do cinema puro de Tarantino e uma radical fissura na filmografia do realizador que rasga novíssimas perspectivas cinematográficas. É um filme de reinvenção constante (plano a plano, gesto a gesto, palavra a palavra), que consegue encontrar no banal um terreno de infinitas possibilidades sensoriais e humanas.

Em «Death Proof» vale o Cinema pelo Cinema, num gesto absoluto de liberdade e de autonomia. As suas imagens estão em permanente ebulição e a perspectiva cinematográfica é totalitária e irredutível. Um filme, pois, onde apenas existe Cinema e onde as imagens se esgotam a si próprias e se tornam absolutas. «Death Proof» assume-se, assim, na sua singularidade militante e implacável como um objecto anti-narrativo, anti-convencional, anti-temporal e anti-espacial. Pela nossa parte respondemos ao desafio: é um filme fabuloso para colocar bem no topo da filmografia de Tarantino, ao lado de «Jackie Brown» e de «Kill Bill – Volume 2», as suas obras mais maduras e perfeitas.

E Deus criou a Mulher...


A adoração de Tarantino pelo Feminino é algo já muito conhecido e parte integral da sua filmografia. Uma Thurman e Pam Grier encarnaram exactamente isso em Kill Bill e Jackie Brown. Mas Death Proof é diferente de tudo o que o realizador fez até então neste e em muitos outros domínios. A mulher é aqui vista enquanto entidade colectiva e é de facto impressionante a veracidade crua da interacção entre os vários corpos e vozes femininas, que desta forma se vão tornando em mulheres e personagens de corpo inteiro, lançando o seu irreversível feitiço sobre a câmara.

Quem desconhecesse o assunto em questão diria que se trata de um filme completamente diferente do que realmente é. A realidade é que Death Proof foi inicialmente concebido como uma homenagem ao cinema underground dos anos 70, glorificado nas salas de cinemas Grindhouse, título da double-feature convocada por Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, em que os dois filmes, Planet Horror e Death Proof, foram exibidos numa só sessão com o requinte da feitura de trailers falsos alusivos ao tributo. Devido ao flop nas bilheteiras americanas este evento foi dividido nas suas versões completas para distribuição internacional.


E se a deturpação do intuito original dos realizadores parece tê-lo derrotado, o tributo permanece. Tarantino, agora também director de fotografia, invoca a ambiência da exploitation e do B-movie, típica dos anos 70 e pautada por temas que parecem ganhar o estatuto de clássico logo após o visionamento, mas simultaneamente torna-o intemporal. Até porque se a acção do filme é toda ela passada no presente, tal parece ser contrariado na segmentação narrativa e aparentemente temporal das duas porções de história, unidas pela presença ameaçadora de Kurt Russell num papel que o actor junta a um rol de personagens iconográficos como Snake Plissken e Jack Burton. Stuntman Mike é um fetichista da velocidade e do perigo da estrada, transportando o libido distorcido e doentio para acções brutais contra o sexo oposto, nas quais parece obter gratificação ilimitada. A cruel visceralidade das acrobáticas cenas de estrada, magnificamente compostas por um realismo exacerbado, contrastam com o encanto pelo Feminino que parece querer mover toda a acção. As mulheres, especialmente Vanessa Ferlito/Butterfly e Sydney Tamiia Poitier/Jungle Julia, parecem por breves momentos de mágica sedução não ter lugar no mundo real.

Death Proof não só é um filme que só poderia surgir agora na carreira de Tarantino, como que um espontâneo desvio cuidadosamente planeado e encenado com cenas de instantânea antologia, é também uma obra que só poderia surgir agora. Na sua forma autónoma de realização, assume um carácter de emancipação e de liberdade cinematográfica que parece revelar-se quase ocultamente enquanto um objecto de puro mas controlado delírio criativo, sem prisões narrativas e movido apenas pela veneração da imagem não só como o condutor mas enquanto o próprio meio. Será que na ilusória retrospectiva do passado se adivinha um novo futuro?